Cinco

Ele não apareceu. Kevin me enviou uma mensagem em cima da hora avisando que havia surgido um problema na clínica. Apenas respondi um ok e debrucei meus braços sobre a mesa do restaurante. 

Eu tinha basicamente passado a noite em claro e ansiei por todo o dia encontrá-lo, mas ele não podia ir. Recebi uma mensagem curta e sem sugestão para outro dia. Talvez ele realmente estivesse ocupado.

Não comi no restaurante, pedi para viagem, preferia ir para casa e dividir minha refeição com o Legolas.

Mas passeando pelas ruas até chegar ao meu carro me deparei com um cartaz que chamou minha atenção. Voltei para a confeitaria e arregalei os olhos em ler: Precisa-se de assistente. Era um lugar pequeno, mas uma lâmpada se acendeu dentro de mim.

Vinha pensando em começar meu próprio negócio. Iria criar uma conta nas redes sociais e promover meu trabalho. Mas aquela frase me deixou balançada.

Não hesitei um segundo antes de entrar no local. A moça no balcão me olhou curiosa e sorriu sem graça.

— Já estamos fechando — ela disse quando me aproximei mais.

— Sobre o cartaz — apontei para a porta de vidro. — A vaga já foi ocupada?

— De assistente? — perguntou e concordei com a cabeça. — Ainda não. Você tem interesse? 

— Sim! — sorri mostrando os dentes. 

Ela chamou um senhor e passei a mão sobre meu casaco na tentativa de me arrumar rapidamente. O homem gordinho me deu uma olhada depois que a garota sussurrou alguma coisa. Ele estava com um avental branco e bateu as mãos limpando a farinha.

— Garota! — disse com uma voz grave. Eu quis rir do "garota", fazia tempos que ninguém se referia a mim assim. — Você quer o emprego?

— Quero!

— Que experiência você tem em padarias e confeitarias? — estreitou seus olhos.

— Nenhuma! — respondi tentando não esmorecer minha determinação. — Mas fiz doces minha vida toda! Eu sou realmente boa nisso! E preciso muito de um emprego. 

Ele cruzou os braços e se aproximou de mim. Seu suspiro chegou a balançar meu cabelo. 

— Você é boa em fazer pães? — perguntou e não consegui esconder minha careta.

— Sou melhor com tortas — avisei e lhe apresentei um sorriso sem vergonha. 

— Se quiser trabalhar aqui vai ter que saber fazer os dois — negou com a cabeça.

— Eu farei! — respondi ansiosa. Já tinha feito massa de pão algumas vezes, talvez desse certo. 

— Qual o seu nome? 

— Wendy Brassard!

— Sou Jonas Queiroz — me ofereceu a mão, a qual apertei. — Venha, me mostre o que sabe fazer!

Ele foi para a cozinha, eu o segui me perguntando se a entrevista havia acabado. Era realmente um lugar simples, mas melhor do que a cozinha da minha casa.

Passei um bom tempo ali sovando massa de mão e conversando sobre farinhas de trigo. Até esqueci do horário, mas consegui o emprego. 

✴✴✴

Cheguei toda suja de farinha em casa, mas e daí? Consegui um emprego. Nem estava pensando muito no fato de não ter conversado com o Kevin.

Legolas veio animado ao meu encontro e abracei seu pescoço peludo. Era bom ter alguém para me receber em casa. Quando morava em Massan, até as baratas morriam de tédio na minha casa. 

Depois de tomar um banho, precisei esquentar a comida novamente, pois demorei tanto para chegar em casa que ela esfriou. Coloquei ração para o Legolas e liguei a TV. 

Peguei meu celular rapidamente na bolsa enquanto mastigava e levantei a sobrancelha em ver duas chamadas perdidas do Kevin e cinco da Sara. Abri as mensagens e achei estranho, porque a Sara também havia me enviado muitas mensagens.

Kevin: Wendy, me desculpe, eu não pude explicar direito!

Kevin: Um gato chegou quase na hora que eu estava de saída precisando de um procedimento urgente, e eu era o único veterinário que havia ficado.

Kevin: Não queria que achasse que desmarquei por motivo nenhum. 

Kevin: Podemos remarcar se você quiser... Estou livre aos domingos. 

Kevin: Desculpe pelas ligações! Não vou mais incomodar!

Acabei rindo imaginando sua versão de 22 anos dando todas as explicações possíveis para que eu não interpretasse as coisas de um jeito equivocado. As mensagens haviam sido de 20 minutos atrás. 

Sara: Hey, onde você está? 

Sara: Kevin está preocupado com você! 

Sara: Avise se estiver viva! Espero que não tenha se matado porque ele desmarcou o encontro de vocês!

Sara: Eu mesma te mato se tiver tentado isso! 

Sara: Liga para ele! Tomei um susto, porque ele chegou aqui em casa, tarde da noite, todo sujo de sangue de gato perguntando de você.

Gargalhei achando toda situação muito engraçada, exceto a parte do sangue de gato. Passei tanto tempo na confeitaria com Jonas que esqueci de checar meu celular e não o escutei tocando na bolsa.

— Devo ligar para ele? — perguntei olhando para o Legolas, o qual já havia terminado de comer. 

Queria contar para alguém do emprego. Kevin era meu melhor amigo. Eu amava a Sara, mas sempre foi ele em todos os momentos, e até quando achei que ele não conseguiria, ele estava lá. 

Desliguei a TV e disquei. Era bem tarde, quase meia noite, mas resolvi ser imprudente e tentar arriscar. Enquanto chamava, coloquei o que sobrou da minha comida para o Legolas. 

— Wendy? — ouvi a voz do Kevin do outro lado e respirei fundo. — Está tudo bem?

— Vi suas mensagens e ligações. Olha, desculpa, aconteceu uma coisa no caminho de volta. 

— E você está bem? Eu... — suspirou. — Não foi intencional! 

— Está tudo bem! — me apressei em dizer. — Eu estava numa entrevista de emprego — contei mordendo o lábio inferior, ansiosa.

— Um emprego? A essa hora? — acabei rindo. — Você está rindo... Faz muito tempo que não ouço isso.

Senti meu coração acelerar um pouco. Realmente, fazia muito tempo que não ríamos juntos. 

— Bom, eu vi um cartaz numa padaria e confeitaria depois que saí do restaurante — comecei a falar tentando desfazer o clima. — E depois de socar algumas massas de pão, eu fui contratada! Sabe, faz muito tempo que não faço nada inusitado como isso!

— Que maravilha, Wendy! Parabéns!

— Obrigada! — sorri extremamente feliz.

— Seu emprego em Massan não permitia ser assim?

— Não — engoli seco. — Eu tinha muitas reuniões e trabalhava até muito tarde quase todos os dias... Você está bem? O gatinho está bem?

— Ah sim — limpou a garganta deixando sua voz mais limpa. Eu adorava a voz dele num nível que não conseguiria explicar, e toda vez que brincávamos de cantar eu ficava embasbacada em como era maravilhosa. — Consegui salvá-lo sim. No entanto, perdi uma camisa.

— Uffa! E onde estava seu jaleco? 

Deitei no sofá querendo procurar uma posição confortável para que aquela conversa durasse muito. Eu não havia me tocado no quanto sentia falta de conversar com ele e ouvir seus comentários ariscos sobre as coisas, ou sua visão fofa... Sobre nós.

— Eu estava prestes a sair para te encontrar — contou. — E a cliente chegou desesperada com um gato sangrando. Havia sofrido um acidente com cacos de vidro.

— Você ficou nervoso? — lembrei de como Kevin, quando estava na universidade, tinha medo de não conseguir salvar os animais. 

— Sempre fico — riu um pouco e sorri. — Mas tenho melhorado, sabe? Tento salvar o máximo que der e não sofrer tanto quando não dá. 

— Isso é realmente muito bom, Dr. Kevin!

Ficamos em silêncio por algum tempo, apenas ouvindo a respiração do outro. Eu podia ouvir meu coração também, embora eu quisesse que ele ficasse bem quietinho.

— O Legolas está bem? — perguntou puxando assunto.

Virei minha cabeça e vi Legolas rolando pelo chão, brincando sozinho.

— Ele está muito bem! — respondi. — Já está destruindo a casa aos poucos. 

— Você se lembra de quando peguei um cachorro na rua? 

— Lembro! — recordei empolgada. — Você estava me levando para cas... — limpei a garganta. — Sua mãe enlouqueceu!

— Ela adorava aquele cachorro! — riu. — Lembra que ela chorou quando o dono apareceu?

— Eu lembro disso! — murmurei emocionada. Lembrava de tudo. 

— Não quero incomodar mais, imagino que deva estar cansada — ele disse com aquele tom de voz que eu conhecia, parecia estar apressado em se despedir. — Só queria saber se estava tudo bem. 

— Está — respondi diminuindo minha empolgação. — Não precisava ter se preocupado tanto! Estou aqui e sou muito difícil de se livrar — ri sozinha.

— Eu já te perdi uma vez — abri um pouco a boca quando ele disse. — Nos falaremos depois. Boa noite, Wendy!

Kevin finalizou a chamada antes que eu respondesse alguma coisa. Afastei o celular do ouvido ainda abatida pelas suas palavras. 

Fechei os olhos tentando afugentar a lembrança do dia que terminamos, mas a imagem da lágrima escorrendo pelo seu rosto voltou como uma faca no peito.

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