CAPÍTULO 5

“Gabriel, não é isso.” Riu, sem jeito. “Você é jovem, é solteiro. Não juridicamente, mas nós sabemos que você é... Que nós somos... Solteiros.” Respirou fundo. “É normal você querer ficar com alguém e, como sou eu que estou aqui, agora, com você, pintou esse clima entre a gente. Mas é só isso e depois... Depois as coisas simplesmente vão ficar estranhas, então é melhor a gente nem fazer isso, tá?”

Ele apenas olhou para ela, frustrado, e se levantou.

“Aonde você vai?” Era ela quem estava irritada, agora.

“Embora.”

“Vai me deixar aqui?” Se era possível ficar mais indignada, ela estava.

“Você pode vir, se quiser.” Ele disse, indiferente, e ela bufou, levantando também.

Os dois não trocaram mais uma palavra essa noite, nem no táxi, nem no elevador do hotel, nem no quarto que dividiam. E foi assim que chegaram àquele momento, em que sua lua de mel chegava ao fim, sem lua alguma brilhando, pois uma chuva torrencial começara a cair logo depois de terem ambos adentrado o hotel, e sem nenhum mel porque, apesar de dividirem um mesmo espaço, amargavam uma solidão maior do que jamais haviam sentido antes.

Mais de um mês já tinha se passado desde o retorno de Viviam e Gabriel de sua suposta lua de mel. Durante a viagem de volta e os primeiros dias em que viveram na grande cobertura, onde antes havia morado Rachel, os dois só falaram o essencial um para o outro.

Gabriel evitava os espaços comuns da casa, passando a maior parte do tempo em seu próprio quarto. Isso quando estava em casa, o que era raro, uma vez que tinha voltado a fazer todos os testes de que ficava sabendo, para produções teatrais dos mais variados tipos.

Viviam também não ficava muito em casa, porque agora que não era mais garçonete e tinha dinheiro para investir, estava fazendo vários cursos que sempre teve vontade de frequentar, além de estar realizando um trabalho ainda mais dedicado e efetivo no coral de sua antiga escola.

Depois de algum tempo, os dois começaram a se encontrar pela casa, eventualmente, quando ambos iam buscar alguma coisa na cozinha, por exemplo, ou quando um deles procurava um livro na biblioteca e encontrava o outro lendo no local. Então, ela começou a puxar assunto primeiro, pois estava incomodada com a situação e tinha decidido que, como verdadeira dona da casa, era seu papel fazer com que ele ficasse à vontade nela, afinal, viveria ali por doze meses completos.

Passado algum tempo, ele também já iniciava alguma conversa sobre o livro que ela estava lendo, sobre algo que ela estava cozinhando em plena madrugada ou a respeito de um filme que ele tinha achado na grande coleção de DVDs, no qual estrelava a mesma mulher cujo retrato estampava a sala de TV. Uma noite, especialmente, o gelo foi quebrado, porque, quando ele soube que, apesar de ser sobrinha da grande Rachel Lavigne, Viviam também jamais tinha assistido o filme que ele escolhera, convidou-a para se juntar a ele, convite que ela aceitou.

Depois disso, mesmo quando os dois estavam em casa, se ainda não era hora de dormir, eles passavam o tempo na sala de estar ou na de TV, e a conversa fácil, as brincadeiras, os risos que compartilhavam antes do desagradável episódio do Karaokê voltaram a existir.

Não que eles não pensassem no que tinha acontecido. Eles pensavam, sim, e muito. Gabriel ainda se sentia frustrado por não tê-la beijado, mas, ao mesmo tempo, concordava com Viviam sobre o fato de que, se tivesse feito isso, as coisas poderiam ter ficado muito mais estranhas do que ficaram com a recusa da garota. Eles poderiam não ser aptos a uma convivência pacífica, amigável, como a que voltaram a ter, ainda que tenha demorado uns dias para isso acontecer. Era melhor fingir que não continuava com uma imensa vontade de tê-la em seus braços.

Viviam se perguntava, por outro lado, se tinha feito a coisa certa ao negar um beijo ao falso marido. Racionalmente, ela tinha certeza que sim. Como havia afirmado a ele, as coisas ficariam muito esquisitas depois de uma troca de carinhos entre eles. Ficariam de um jeito com o qual eles (principalmente ela) talvez não tivessem capacidade para lidar. Mas algo como um diabinho dentro de sua cabeça a fazia lembrar do quanto ela queria experimentar aqueles lábios, de como tinha sido difícil resistir, e ainda era. Todos os dias!

Depois que o clima entre os dois melhorou, eles passaram a ter a companhia de Leandro e Robert algumas vezes, para jantar, ver filmes ou simplesmente conversar. Era ótimo receber o casal, porque os rapazes sabiam que os dois não eram marido e mulher, biblicamente falando, então eles podiam agir apenas como os bons amigos que estavam se tornando.

Ou assim eles imaginavam.

Na verdade, Leandro, que conhecia bem os dois, já não sabia se tinha agido bem ou não ajudando Viviam a contratar Gabriel. Estava claro para ele que ambos estavam atraídos um pelo outro e isso poderia desencadear o melhor ou o pior dos cenários. Obviamente, também sabendo quão teimosos os dois eram, tinha certeza que eles negariam, para si mesmos, um para o outro, e até para ele, então não teceu qualquer comentário. Somente com Robert ele dividiu suas preocupações em uma das ocasiões em que deixavam juntos o apartamento de Viviam.

Era bastante raro os dois saírem juntos para algum lugar e, quando isso acontecia, eles também agiam como amigos, somente fingindo (ou seria demonstrando?) algum afeto (que também não passava de dar as mãos), quando ela via alguma pessoa conhecida que precisasse acreditar que o casamento era real.

Então, naquele dia, foi Gabriel quem a surpreendeu, pegando sua mão quando uma garota vinha na direção dos dois, chamando-o pelo nome. Após aceitar, nitidamente sem jeito, um abraço da espevitada garota, ele apresentou Viviam como sua mulher, e ela imaginou que, provavelmente, se tratava de alguma ex-namorada ou pretendente a quem ele queria fazer ciúmes.

No entanto, não poderia estar mais enganada e saberia disso, logo que a outra, surpresa e obviamente contrariada, se despedisse e deixasse os dois sozinhos no café ao qual tinha acabado de chegar.

“Nossa, Viviam! Desculpa se te peguei de surpresa. Nunca te apresentei como minha mulher antes, não é?” Disse, sem graça, ocupando uma das cadeiras à mesa, enquanto ela sentava na outra, à sua frente. “A Valerie é maluca! Ela me perseguiu por meses. Eu mudei meu número de celular por causa dela. Eu achei que dizer que eu estou casado seria uma boa maneira de me livrar dela rápido.” Ele deu um sorriso de canto, observando-a. “Tudo bem?”

“Não tem problema, Gabriel.” Ela riu, aliviada por ele não a estar usando para fazer ciúmes em um de suas, provavelmente muitas, conquistas, e achando realmente graça no jeito dele de se desculpar por algo tão simples. “Afinal, não foi uma completa mentira, né?”

Os dois riram de novo, pegando, em seguida, seus cardápios, escolhendo algo para beber e comer rapidamente, e fazendo os pedidos a uma garçonete que se aproximara.

“Me conta, Gabriel! Como foi?” Estava ansiosa para saber sobre o assunto que a havia trazido até aquele café, no meio da tarde, entre uma aula e outra.

“Eles vão me dar uma chance, Vivi!” Animou-se, sorriu, seu rosto se iluminou. Porém apenas por alguns segundos. “Mas eu tenho quinze dias... Quinze dias pra melhorar minha interpretação. O diretor disse que eles me querem na peça porque tem muitas músicas, o personagem canta muitas delas e eles gostam da minha voz... Mas que eu tenho que melhorar como ator.” Suspirou.

“Gabriel, vai dar tudo certo. Eu vou te ajudar, hum?” Ela procurou os olhos dele, que estava de cabeça baixa, e deu um sorriso reconfortante. Ele sorriu de volta, ainda que não muito confiante.

Os próximos quinze dias foram loucos! Quando Viviam não estava no colégio, ensaiando o coral, ou em um de seus cursos, ajudava Gabriel com seu textos e a parte de interpretação das músicas. Ele ia melhorando a cada dia com a ajuda dela e a intimidade entre os dois também crescia, em razão do tempo cada vez maior que passavam juntos.

No sábado ele iria ao teatro fazer o teste derradeiro e queria muito que tudo desse certo, pois já não pisava um palco há quase um ano. Era noite de sexta-feira, então, ele e Viviam faziam um último ensaio, na sala de estar, sentados no chão, encostados no sofá.

“Eu posso morrer, mas vou morrer lutando.” As últimas palavras do script saíram naturais, como se Gabriel fosse o soldado que, se tudo corresse bem, ele iria interpretar.

“Gabriel! Foi ótimo! Nossa, não é possível que aquele diretor não veja o quanto você se dedicou, como você está bem no personagem!”

“Obrigada, Vivi. Eu não teria conseguido sem você.”

Nesse instante, os olhares dos dois se encontraram e a vontade de se beijarem era imensa, maior do que nunca. Estavam bem próximos de fazê-lo, mas ela sabia que beijá-lo seria um caminho sem volta. Seria ainda pior do que se eles tivessem se beijado no bar, porque estavam sozinhos, sentados em um carpete macio, o corpo dela já queimando de desejo... Ela tinha certeza de que um beijo levaria, facilmente, a muito mais.

“Isso merece uma comemoração, Gabriel. Vou abrir um vinho.” Afirmou, levantando-se e indo à adega, saindo da situação da forma mais natural que conseguiria.

Continuar atuando era a única solução para Gabriel, que respirou fundo e a seguiu.

“Claro! O que pode ser melhor que um vinho, né?” Disse, mesmo pensando que havia muitas coisas melhores e que ele queria mais do que vinho, naquela hora.

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