CAPÍTULO 4

Além disso, ela conhecia a amiga o suficiente para saber que esta não estava sentindo prazer em mentir para a família e a maior parte dos amigos, só deixando de fora os dois mais próximos.

Gabriel, por sua vez, não tinha com quem dividir o desconforto que estava sentindo. Ele ia passar à condição de casado e depois à de divorciado sem nem ao menos amar, realmente, uma mulher. É claro que depois ele poderia encontrar alguém, mas ainda assim não era agradável a situação. Ele ainda não tinha falado com os pais nem com o irmão justamente porque não queria fazer toda aquela encenação na frente deles. É claro que também não iria contar a verdade, porque a família nunca iria concordar com aquilo, mas quanto menos eles participassem, melhor.

Além disso, ainda tinha que conviver com o seu pensamento escapando, constantemente, para imagens de sua futura esposa, com sonhos cada vez mais frequentes em que ela era a protagonista, com um desejo de estar mais perto dela, de fazer carinho nela, de beijar sua boca, passar as mãos pelo seu corpo. Pensamentos, sonhos e desejos inúteis que ele queria, mas não conseguia reprimir.

Alguns dias depois ele conversou, enfim, com a mãe e fingiu ter feito o pedido espontaneamente. Alegou ter sido esta a razão para não tê-la convidado para o jantar. Os preparativos também já tinham começado e a data tinha sido escolhida. Os dias voaram e o momento do casamento chegou, tendo sido tão estranho quanto fora o do pedido.

Mas um problema ainda maior estava por vir. E esse problema é chamado de lua de mel.

Lua de mel é o período de celebração privada dos cônjuges, que sucede ao casamento. Há diversas versões sobre como se originou o termo lua de mel. A que reponta mais à antiguidade é de dois mil anos antes de cristo, na Babilônia. Dizem que o pai da noiva oferecia ao genro hidromel, uma mistura de água e mel, para ser consumida nos trinta dias imediatos ao casamento, quando os noivos comemoravam, só entre eles, a união matrimonial. Na época, a contagem dos dias era feita pelo calendário lunar, razão pela qual esse período de comemoração ficou conhecido como "lua de mel".

No entanto, naquele momento, não havia uma lua brilhando no céu, mas uma chuva torrencial do lado de fora, com direito a relâmpagos e trovoadas, que refletiam bem o humor do lado de dentro do quarto de hotel em que Viviam e Gabriel estavam.

Não havia também a doçura do mel, mas o gosto amargo da solidão que ambos estavam sentindo, mesmo na presença um do outro.

Tudo tinha começado no momento em que Viviam se dera conta de que ela e o suposto marido teriam que viajar juntos. Os pais a conheciam muito bem e sabiam que ela jamais deixaria de viajar se o casamento fosse real. Ela imaginava que, mesmo eles morando em um bairro distante, ficar na cidade e dizer que tinha ido viajar seria muito arriscado, o que ficou comprovado quando, antes da viagem, eles quiseram todos os contatos do hotel onde o casal iria se hospedar, em Orlando, na Flórida.

A garota tinha decidido que, já que era para sair em lua de mel de mentira, que pelo menos houvesse algum tipo de diversão. Como os pais sempre pouparam, ela nunca havia tido a oportunidade de conhecer os parques de diversão, quando adolescente, então iria fazê-lo naquela oportunidade. Gabriel, que era um crianção, não somente não se opôs, como ficou bastante animado.

Em um primeiro momento, as coisas não ficaram tão estranhas entre eles, e eram como dois amigos viajando juntos. Ele era gentil com ela, fazendo algumas coisas que não eram parte de suas obrigações contratuais, como carregar sua bagagem, e os dois conversavam com facilidade, pois tinham sempre, pelo menos, o teatro, a música, as artes em geral como um assunto de interesse comum.

Como ninguém os conhecia na Flórida, ela reservou dois quartos e eles dormiram separados nas primeiras duas noites. Então, não havia nenhum constrangimento. O problema foi que, no terceiro dia, Leandro não conseguiu ligar para o celular de nenhum dos dois, que só dava mensagem de “fora de área”, e, quando ligou para o hotel e pediu para falar com os Oliveira, a recepcionista falou muito claramente que havia um Sr. Oliveira no 1205 e uma Sra. Oliveira no 1207.

“Honey, imagina se são seus pais te ligando, ao invés de mim? Tudo isso iria por água abaixo, meu bem. Tratem de ficar em um quarto só, ok? Parece que eu preciso pensar em tudo por vocês dois.” Bufou.

“Leandro, você tá louco? Como eu vou ficar no mesmo quarto que o Gabriel? Isso não é um casamento de verdade...”

“E nem ninguém vai morrer por dividir um quarto, principessa!”

E foi assim que eles dividiram um quarto pelo resto dos dez dias de duração da viagem, tendo o desconforto, para ambos, começado de imediato, assim que ele levou suas malas e seu corpinho para o 1207.

Durante o dia, não havia qualquer problema, pois eles iam aos parques, andavam nos brinquedos juntos, assistiam às atrações, faziam suas refeições, conversavam o tempo todo, riam muito, implicavam um com o outro como grandes amigos. Mas, quando entravam no quarto, havia falta de intimidade suficiente e, talvez pior, uma vontade de adquirir essa intimidade que nenhum dos dois ousaria mencionar.

Além disso, durante a noite ele saía sozinho, e voltava já no meio da madrugada. Ele a convidava sempre, dizia que ela precisava se soltar mais, se divertir, beber, dançar. Contudo, ela achava que o convite acontecia por ele ser educado, cavalheiro, mas não porque ele quisesse realmente a companhia dela. Provavelmente, ele conhecia muitas mulheres nos clubs que ele estava frequentando, pensamento que incomodava Viviam, mas que ela também não tinha qualquer direito de verbalizar. Ele, ali, não precisava manter nenhuma aparência de marido dela.

Gabriel, por sua vez, quando saiu à noite pela primeira vez, logo no início da viagem, pensou no programa para os dois, não para ir sozinho. Gostava demais da companhia dela, do papo fácil, do riso solto, das brincadeiras que já existiam entre os dois, apesar de não terem nenhuma conotação sexual, nem romântica. Porém, quando ela não quis ir com ele, o rapaz achou que seria estranho, que ela poderia ficar desconfiada, se ele dissesse que, então, ficaria no hotel também. Por isso ele foi, e até trocou alguns beijos com uma menina, mas não curtiu muito. Só chegou tarde ao quarto porque ficou tomando uns drinques no bar do hotel.

Nas outras noites, continuou saindo apenas porque era desconfortável passar a noite toda no mesmo quarto que ela, sabendo que, no papel, ela era mulher dele, mas, na realidade, só uma nova amiga e, principalmente, sua contratante. Que eles tinham trocado alianças, mas elas sequer estavam em seus dedos, naquele momento, porque tudo era uma grande farsa e desejá-la não iria ajudar em nada quando eles tivessem que pisar novamente o solo novaiorquino, recolocar as alianças e fingir para Deus e o mundo.

Ele sequer ia aos clubs onde ela julgava que ele estava se divertindo como se não houvesse amanhã. Simplesmente escolhia um bar não muito movimentado e passava a noite toda lá, bebendo e observando os turistas. Depois ia sempre parar no bar do hotel, onde ficava conversando com Don, o barman, com quem fez amizade.

Na última noite dos dois em Orlando, Gabriel resolveu tentar, mais uma vez, fazer com que ela saísse um pouco. Dessa vez, foi mais insistente e recorreu a algo que ele achou que seria a única coisa capaz de convencê-la.

“Vamos, Viviam! Se você for comigo, ao invés de ir para uma balada, a gente pode ir pra um karaokê. O que acha? Leandro me disse que você adora cantar e que é realmente boa. Eu adoraria ouvir. Vamos?”

O convite era realmente tentador e Viviam cedeu. Um sorriso enorme brotou do rosto de Gabriel, mas ele disfarçou, não a deixando perceber. Ela tomou um banho, perfumou-se, vestiu-se e o encontrou na recepção do hotel, meia hora depois, quando os dois seguiram para um bar com um karaokê realmente bom, repleto de opções.

Ela cantou algumas músicas e deixou o falso marido de boca aberta, desde a primeira até a última nota. Sua voz era simplesmente maravilhosa!

Além disso, ele se pegou surpreso com a transformação da menina que frequentava os parques com ele, durante o dia, com sua franjinha e rabo de cavalo quase infantis, tênis, shorts jeans e camisetinhas comportados, em uma mulher exuberante, com os cabelos soltos, a franja penteada de lado, uma blusa e uma calça coladas no corpo e uma bota de saltos altíssimos, na qual ela se equilibrava com total desenvoltura. Uma mulher maravilhosa, que dominava o palco sem fazer nenhuma força para isso.

Ele, por sua vez, também era bastante afinado e sua voz era rouca, sexy, o que arrancava suspiros das mulheres solteiras presentes no local. Viviam se percebeu feliz com o fato de parecerem estar juntos, o que, certamente, foi o único fator que evitou que uma daquelas garotas se aproximasse dele e que ele, por sua vez, aproveitasse a oportunidade.

A noite foi ótima. Os dois se divertiram como há muito tempo não faziam. Além de cantar, beberam, conversaram, comeram, riram, compartilharam algumas histórias sobre suas vidas que não estavam nos relatórios. Sem nem mesmo perceber, os dois começaram a trocar olhares maliciosos, a tocar um no outro enquanto falavam, a aproveitar a música alta como uma ótima desculpa para falarem ao pé do ouvido.

O karaokê já tinha acabado e uma música ambiente tocava no bar.

Same bed, but it feels just a little bit bigger now

Our song on the radio, but it don't sound the same

When our friends talk about you

All that it does is just tear me down

Cause my heart breaks a little

When I hear your name

And all just sounds like ooh, ooh, ooh, ooh, ooh

“Ai, eu simplesmente amo essa música!” Disse Viviam, movimentando-se lentamente ao som dela, de olhos fechados.

“É maravilhosa.” Gabriel respondeu, baixo. Ele gostava da música também, mas o elogio era para a mulher sentada no banco de bar à sua frente.

Então, sem pensar nas consequências, ele passou os dedos pelos cabelos dela, depois o polegar pela maçã do rosto, macia como um pêssego, até finalmente tocar o lábio inferior dela, que continuava de olhos fechados, entregue a suas carícias.

Quando, finalmente, ela abriu seus olhos, era ele quem tinha fechados os seus, e suas bocas estavam muito próximas. Quase se tocavam, como no dia do casamento, mas, naquele dia, o “beijo” que eles tinham trocado tinha sido super rápido e havia mais de cinquenta pessoas em volta, testemunhando-o. Tinha sido totalmente dentro do script, sem emoção alguma, sem desejo algum.

“Não, Gabriel.” Ela disse, empurrando o corpo dele, ainda que com delicadeza, e tirando-o quase de um transe.

“Por quê?”

“Porque a gente vai dormir no mesmo quarto de hotel quando sair daqui, e depois vai passar um ano vivendo na mesma casa... E vai ser muito estranho se a gente tiver ficado juntos. A gente precisa manter o profissionalismo pra essa coisa dar certo, ok?”

“Não! Não tá ok pra mim, não...” Mostrou-se irritado. “Você é linda e eu quero beijar você. Não tem nenhuma cláusula que proíba a gente de fazer isso naquela porcaria de contrato.”

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