CAPÍTULO 2

“Tá certo! Fica tranquilo, que você vai ter essa grana logo.”

“Beleza, então. Vou tomar um banho e capotar... To morto!”

Quando Gabriel levantou o olhar e encarou Leandro, sabia que o amigo já tinha entendido que ele tinha mudado de ideia. As circunstâncias, que já eram desfavoráveis, tinham se agravado. Se ele não fizesse alguma coisa já, além de ter que sair do apartamento e voltar para Lima, com o rabo entre as pernas, ainda iria prejudicar Felipo, que tinha feito tanto por ele nos últimos meses, pagando não só o aluguel, como outras despesas da casa, que ele não estava nem cobrando.

“Diz pra ela que eu topo, cara. Seja o que Deus quiser!” Alguma coisa dizia a Gabriel que ele estava se metendo na maior roubada, mas também tinha uma parte dele que estava estranhamente otimista a respeito daquela negociação. Talvez fosse porque, no mínimo, ele iria morar em uma boa casa, por um ano, e com a quantia que Viviam tinha prometido lhe pagar, daria, certamente, para guardar algum dinheiro.

Alguns dias depois, Leandro estava de volta com uma minuta do contrato para Gabriel avaliar, e havia trazido consigo o namorado, Robert, que era advogado, para que ele esclarecesse qualquer dúvida do amigo. Todas as cláusulas pareciam bem redigidas, a fim de não dar margem a nenhuma interpretação errônea eventualmente, então o futuro marido de aluguel concordou com tudo, imediatamente, entregando-o para que Leandro o levasse de uma vez, para que não existisse nenhuma chance de desistência.

No mesmo dia, Gabriel recebeu do amigo um envelope enviado por Viviam, com uma carta e alguns outros papéis. Na carta, escrita com uma ortografia caprichada, o que não o surpreendeu, pois ela parecia mesmo ser do tipo detalhista, e em um tom simpático, ela explicava o que eram os demais papéis.

Tratavam-se de questionários que ele deveria responder, sobre a vida dele, para que ela o conhecesse, bem como de outros já respondidos por ela, para que ele soubesse tudo o que era necessário sobre a Srta. Lavigne. Como ela dizia na carta, se eles não soubessem bastante um sobre o outro, não convenceriam ninguém de que seu casamento era real, muito menos os pais dela, que eram a maior de suas preocupações.

À noite, quando estava sozinho em seu apartamento, ele começou a responder sobre sua vida e a ler sobre a dela, e cada vez ela ia se tornando mais interessante. Perigosamente interessante!

Ela não era a princesinha riquinha que ele esperava, mas uma garota batalhadora que estudava música, teatro e dança todos os dias pela manhã, trabalhava de garçonete, todas as noites, e, durante três tardes por semana, fazia um trabalho voluntário, treinando um coral em um colégio muito pobre, que não destinava qualquer verba para os ensaios e as apresentações.

Pela maneira como escrevera a carta e as próprias respostas dos questionários, era inteligente, com certeza. Também demonstrava vasta cultura, ao responder sobre suas preferências pessoais. E, definitivamente, muitas de suas respostas eram fruto de um senso de humor refinado.

Gabriel vivia um misto de sentimentos. Uma grande ansiedade para saber mais sobre Viviam convivia dentro dele com um grande medo dos problemas em que aquele desejo podia envolvê-lo.

Viviam era outra que também vivia um misto de sensações. De um lado, havia o alívio por ter arrumado alguém com quem se casar, para poder receber os bens de Rachel e, finalmente, deixar o emprego de garçonete e se dedicar à carreira e às suas crianças, que, inclusive, iriam ter um patrocínio pela primeira vez. Do outro lado existia uma certa preocupação, afinal ela nunca tinha convivido tão intimamente com um homem, a não ser os pais, quanto iria ter que conviver com o Sr. Oliveira.

Ela não sabia nada sobre ele, seus hábitos, sua rotina, seus valores. Ele provavelmente era uma boa pessoa, porque Leandro nunca a colocaria por um ano dentro de uma casa com alguém de quem ele não gostasse, em quem ele não confiasse. Mas, ainda assim, era um estranho e ela ia ter que fingir ser mulher dele diante das pessoas. Iriam ter que se tocar, dar as mãos, essas coisas, ou não seria convincente a atuação dos dois.

Nesse momento, sozinha em sua cama, na escuridão da noite, Viviam se deu conta de algo muito importante, que não ia fazê-la desistir, porque Viviam Lavigne não é mulher de desistir, mas que mudava, certamente, a perspectiva que ela tinha das coisas até aquele momento.

O problema não seria fingir ser a mulher de um estranho, porque ela nascera para ser atriz. O difícil mesmo seria não confundir as coisas e não desejar que toda a “novelinha” fosse realidade, tendo o homem mais interessante que ela já havia conhecido como seu “par romântico”.

Uma semana havia se passado desde o dia em que Leandro e Robert levaram a minuta para aprovação de Gabriel. Depois disso, ele e Viviam já tinham decorado todas as informações um sobre o outro, tendo sido minuciosamente testados pelo amigo de ambos, e tinham se encontrado para um almoço, que durou praticamente uma tarde toda, a fim de bolarem, juntos, uma história que fosse plausível sobre o relacionamento dos dois.

Agora, chegara a hora da verdade. Gabriel e Viviam estavam dentro de um táxi, indo ao encontro dos pais dela, para jantarem os quatro, em um restaurante modesto, perto da casa dos Lavigne, que continuavam morando no mesmo endereço em que Viviam tinha crescido. Ela lembrava com muito carinho daquele lugar, ainda que fosse um apartamento simples em um bairro igualmente nada sofisticado.

Jensen e Paul eram homens trabalhadores, profissionais liberais, que nunca tinham passado nenhum tipo de necessidade, mas também jamais tinham feito fortuna. De todos os membros da família, apenas Rachel tinha enriquecido, graças a sua beleza, talento e dedicação ao cinema, no qual trabalhou por quatro décadas, tendo sido um dos maiores nomes da década de 70. Só havia parado quando problemas de saúde impediram que continuasse.

Viviam crescera com os pais e, apesar de receber mimos da tia, como bonecas, DVDs de musicais pelos quais sempre fora encantada, roupas de ótima qualidade e outras coisinhas pertencentes ao mundo feminino, à medida que ia ficando mais velha, os dois homens sempre fizeram questão de manter a filha com os pés no chão.

A garota tinha estudado em uma escola pública, frequentara os ambientes simples em que os pais circulavam, convivera com os amigos deles e também com os colegas de colégio, todos pessoas de situação econômica modesta. O resultado disso tinha sido uma mulher honesta e batalhadora, que tinha grandes sonhos, mas sabia que deveria realizá-los por seu próprio mérito.

Eles tinham orgulho da filha que haviam criado. Sua única preocupação era a mesma de Rachel: Viviam tinha se tornado uma menina solitária, ao se dividir entre sonhos tão grandiosos, as necessidades do dia-a-dia e as raízes que a mantinham vinculada ao coral no qual se apresentara durante o ensino médio.

“Devo dizer que eu fiquei surpreso com muitas informações que encontrei no seu questionário, Viviam.” Gabriel quebrou o silêncio quando já estavam no bairro que era seu destino.

“Por exemplo?” Ela disse, sem tirar os olhos da janela, através da qual olhava a vizinhança tão conhecida, como se ela ainda fosse algo interessante, apesar de a jovem frequentá-la com regularidade, além de ter crescido nela, como ele bem sabia.

“Por exemplo, o fato de você ter crescido nesse bairro simples... O fato de seus pais nunca terem saído daqui... Também o fato de você fazer trabalho voluntário aqui. Principalmente isso... O trabalho voluntário. Eu poderia até imaginar que você fosse de origem humilde e tal, e só sua tia fosse rica, mas, pela proposta que me fez, achei que você fosse uma pessoa mais ligada em dinheiro... Nunca uma garota cheia de consciência social e tudo mais.”

“Entendo seu ponto de vista. Realmente chegar ao ponto de viver com um total desconhecido, que eu não sei se é um chato ou um maluco...” Disse, agora olhando para ele e lembrando das palavras que ele usou, no dia em que se conheceram. “...pra poder receber uma herança milionária, deve me fazer parecer uma grande interesseira, que só quer a grana e não está nem aí pros últimos desejos da própria tia. O que dizer então de algumas crianças que nem da família são, não é?” Ela sorriu, simpática.

Viviam tinha pensado muito sobre tudo o que estava fazendo. Sentia um pouco de culpa, algumas vezes, porque amava sua tia e queria poder respeitar sua última vontade. Queria mesmo! E entendia que a tia tinha tentado usar a herança para fazer com que ela se abrisse para o amor.

Acontece que a garota não achava que estivesse fechada para o amor. Pensava que o que acontecia era que não estava destinada a amar e ser amada. E, se era dessa maneira, era justo que ela, em razão disso, também não pudesse se dedicar às suas paixões por necessidade de trabalhar para pagar as contas?

“É muito bonito o que você faz por essas crianças... Se eu fosse seu noivo, de verdade, eu sentiria muito orgulho de você.” Ele piscou para ela, que enrubesceu.

“Eu fui desse coral durante o ensino médio, Gabriel. Eu fiz muitos amigos nesse coral e tenho ainda contato com alguns. Muitos deles sofriam bullying antes de entrar pro clube, se sentiam perdedores, sem nenhuma perspectiva, não tinham amigos. A música mudou a vida deles e ela podia continuar a mudar a vida de outros adolescentes e crianças, mas não havia ninguém pra cuidar do grupo. Nosso diretor teve que deixar a escola. Então a única coisa acertada que eu podia fazer era voltar.”

Ela suspirou e ele sorriu.

“Eu sou muito feliz fazendo isso. Aqueles adolescentes e crianças têm tanto amor, tanta paixão, tanto talento!” À medida em que a garota falava, ficava cada vez mais empolgada e seu acompanhante sentia um friozinho na barriga, uma espécie de contágio de toda aquela euforia. “Com esse dinheiro... Não que seja da sua conta...” forçou uma certa antipatia, porque se percebeu à vontade demais com aquele estranho “...eu não só vou poder deixar um emprego que só toma meu tempo, e dedicá-lo a tudo que realmente interessa, como ainda vou poder patrocinar o Sing a song!” A animação voltou com tudo.

“Eu fico feliz.” Ele disse, e era verdade.

Melhores que as informações dos questionários eram as coisas sendo ditas assim, por ela, com todo esse entusiasmo, nessa energia invejável. Ele mesmo, apesar de se considerar um lutador, estava precisando de uma injeção de ânimo, de otimismo, de coragem, pois, nos últimos tempos, tinha se deixado desanimar pela quantidade de “nãos” ouvidos, tinha perdido essa garra, esse brilho no olhar. Definitivamente, Viviam era interessante e ele mexeu no cabelo, nervosamente, ao pensar no grande risco que isso representava.

Seus pensamentos, felizmente, foram interrompidos, pois eles haviam chegado à porta do restaurante. Viviam abria a bolsa para pegar o dinheiro para o táxi, mas Gabriel se adiantou e pagou a corrida ao motorista. Ela tentou protestar, afinal, gastos com a execução do contrato estavam a cargo dela e aquele encontro com os pais dela fazia parte do show. Contudo, ele disse que tudo bem, que seria só dessa vez, e ela não pôde deixar de achá-lo um cavalheiro, um tanto quanto fofo. Claro que isso ficou muito bem guardado em seu pensamento!

Na porta do restaurante, todas as preocupações dele voltaram como um raio. Ele sabia que tinham que entrar de mãos dadas e, uma vez na presença dos pais dela, ser carinhosos, trocar olhares, agir de modo a convencê-los de que eles estavam apaixonados. Era isso ou, das duas uma: os pais dela poderiam desconfiar do plano e testemunhar contra ela, o que o deixaria sem pagamento, ou poderiam pensar que ela estava sofrendo um golpe do baú, o que não o deixaria sem seu pagamento, mas, por alguma razão oculta, não lhe parecia uma opção agradável.

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