Capítulo 03

Nós conversamos mais sobre a faculdade, sobre a profissão dela, sobre meu livro, jantamos e falamos sobre muitas coisas. O escritor enxerga em todas as pessoas um pouco do personagem, o escritor é o personagem por um bom período de tempo. E todo personagem carrega consigo a essência do escritor! Ter pessoas para se inspirar é muito gratificante, olhar para as pessoas, conhecer a história, imaginar como seria pôr traços dos leitores no enredo é alucinante.

Conversar com essa mulher me deu muitas ideias, estar ali sentado diante de uma desconhecida falando sobre sua história de vida me deu com certeza muita inspiração. O que o amor é capaz de fazer? Ela largou todos os seus planos para estar com alguém sem nem ao menos conhecê-lo muito, se desfez de si mesma para fazer a felicidade de outra pessoa. Será que com a Isis e com o Philipus será assim? O escritor também não sabe no que dará a história, essa dúvida de o que será que vai acontecer é o que nos leva a escrever. Será que a Isis conseguirá amar alguém que não conhece e que não tem uma rotina, que não sabe dos seus defeitos e qualidades? Será que o Philipus é digno do amor da Isis? Talvez ele seja, mas talvez ele não consiga. Espero que sim! Quando terminamos o jantar fomos andando em direção a pousada. 

— Voltará para a faculdade sozinha? — Falei intrigado pois já eram uma da manhã. 

— Não quero voltar para a faculdade não tenho cabeça para olhar para a cara da minha colega, vou buscar um alojamento no hotel onde você está hospedado. — Ela disse olhando para as ruas. 

— Tudo bem. 

       Nós fomos o caminho todo conversando, quando chegamos a recepcionista disse que não poderia abrir cadastro aquela hora, apenas pela manhã. Então a convidei para dormir em meu quarto e jurei que dormiria no chão. Ela ficou meio receosa mas aceitou, disse que só aceitaria porque viu em mim uma pessoa boa e que não estava mesmo com cabeça para voltar. Quando chegamos ao meu quarto preparei uma cama no chão e logo cai no sono…

                                                                      ∞

 Sonhei com a Isis, ela estava com um vestido vermelho e com uma rosa na mão. No sonho ela me oferecia essa rosa e sorria, eu a olhava nos olhos e conseguia enxergar as flores voando ao nosso redor então ia sua direção, mas quando eu ia pegar a rosa ela desaparecia. Tudo parecia girar com a minha frustração, eu procurava por ela, mas não encontrava, lágrimas se faziam em meus olhos e uma tempestade apontava no céu, ouvia uma voz doce e suave em meu ouvido e percebi que ela estava chamando meu nome, eu olhei para todas as direções, mas ela não estava lá. 

                                                                      ∞

Quando acordei a Chloe ainda dormia, peguei meu notebook e fui diretamente para a varanda que dava uma vista incrível para um imenso mar atrás das casas antigas. Eu precisava escrever um pouco, a Isis não saia da minha mente, acordei ainda sentindo o perfume da rosa que havia em sua mão. Eu já estava no meado do livro e sabia que quando acabasse o portal se abriria, mas não sabia como seria, pois, iniciei algumas partes no submundo, não foi escolha minha, eu precisava de uma inspiração e acabei me teletransportando para lá involuntariamente.

Nunca havia acontecido isso principalmente porque não costumo ir muito lá, me lembra muito meu pai. Não estou sendo caçado pelos vigilantes, me coloco em perigo se eu usar a palavra tão temida. Depois que meu pai morreu a gente meio que saiu da vista deles então às vezes raramente dou uma passadinha lá.

O submundo é lindo, não é muito diferente do mundo físico, parece muito; com diferença das deusas exercendo seus poderes tranquilamente, o cheiro dos dons da natureza, flores brotando do nada, aquarela, é tudo muito mágico. As casas condizem com os dons dos deuses, as famílias parecem ter saído dos contos de fadas. Eu passo despercebido até porque não passo pelos portões e sim através do teletransporte. Estava entretido escrevendo quando a Chloe se sentou do meu lado na varanda. 

— Bom dia. — Ela falou timidamente. 

— Bom dia flor do dia. — Eu a olhei de soslaio e sorri. 

— Obrigada por ter me deixado passar a noite aqui. — Ela sorriu. 

— Foi um prazer. — Finalizei o capítulo e fechei o note. 

— Eu vou lá na faculdade fechar meu alojamento e abrir meu cadastro aqui. - Ela falou olhando a vista.

— Será muito bom ter você na pousada nos dias em que eu estou aqui, uma parceira para conversar! — Eu disse sorrindo amigavelmente. 

— É uma pena que você vá embora tão rápido, mas posso pelo menos te mostrar alguns pontos turísticos da cidade enquanto você estiver aqui? — Ela falou me olhando. — Estou de férias então estou com tempo de sobra. 

— Claro que pode. Já estava habilitando o Maps. — Eu ri, seria muito bom ter alguém por perto para me dar algumas ideias! 

— Ok. A gente se ver então.

 Ela me deu o número de telefone e disse que mais tarde eu poderia ligar, conhecer lugares novos, pessoas novas, coisas novas, me deixa um pouco animado. Eu tive por um tempo uma vida normal; na época do colegial eu tentei ser normal a todo custo. Meus primeiros livros foram escritos anonimamente, eu sabia que não poderia contar para as pessoas sobre meus dons, sabia que eu jamais poderia mostrar o que eu sei fazer.

Tive amigos, mas nunca me senti completo, era como viver uma dupla personalidade, ser alguém de dia e outro alguém a noite, mas quando me formei que me isolei e me dediquei apenas aos meus livros eu quase me senti completo, se não fosse pelo vazio humanitário que ficou. Passei a sair algumas vezes, fui convidado pelos amigos para festas e bares, mas quase nunca ia. Fiquei com mulheres incríveis e dei um fora nelas com desculpas bastante inusitadas. Estar com uma pessoa nova é acalentador, eu não tenho com a Chloe o problema que eu tenho com a Kah. Com a Kah eu sinto que estou mentindo e escondendo algo a todo momento, nós tivemos um lance, tivemos relações e ela acha que me conhece, mas não. Ela não sabe nem da metade do que eu sou e talvez se soubesse iria me chamar de aberração, ou talvez não! Com a Chloe eu sinto que não devo nada, somos meros desconhecidos que se esbarraram por consequência do destino, eu não devo explicações, não preciso contar meus conflitos internos e isso me faz automaticamente não ter culpa.

Será ótimo ter alguém por perto sem sentir culpa por mentir, eu posso ser quem eu quiser onde estou porque ninguém me conhece, eu posso ser eu mesmo e não preciso mostrar isso ou dar satisfações por isso. 

Quando o sol já estava se pondo senti que era hora de sair para conhecer um ponto turístico da cidade e resolvi m****r uma mensagem para Chloe.

“Está disponível para ser minha Guia Turística?”

Enviei. Fiquei pensativo, talvez fosse melhor eu ir sozinho, talvez eu estivesse incomodando.

Claro, em dez minutos estarei passando ai!

Ela respondeu depois de dois minutos.

 Seria uma ótima noite, corri para o banheiro tomei um banho rápido coloquei uma calça preta e uma Camisa preta, um tênis e me perfumei. Coloquei meu notebook no carro pois jamais iria sem ele, e fiquei á espera dela. Depois de dez minutos como dito ela apareceu! Seus cabelos num misto de mechas vermelhas lisas caiam agora soltos suavemente até a cintura, ela estava com um vestido floral rodado e curto que a deixava parecida com uma linda boneca. Desci e a conduzi até meu carro.

— Deixaria uma desconhecida dirigir seu carro? — Ela brincou sentada no banco de carona. 

— Por que não? Fica até mais fácil. — Eu ri. 

— Ok. Então vamos para o nosso primeiro destino. — Ela falou trocando de lugar comigo.

 Percorremos um caminho com vistas incríveis e paramos de frente para um lindo castelo, ela respirou fundo e saltou do carro completamente animada! 

— Vem! — Ela rodeou e me puxou pela mão quando desci. Eu a segui, mania que eu tenho de encontrar mulheres que adoram me puxar.

— Então. Me apresenta essa vista esplêndida. — Falei eufórico com a vista daquele lugar, um enorme castelo em ruínas com um grande jardim. 

— Bom, esse é o Schloss Heidelberg e quando tivermos lá em cima você entenderá o significado de espetáculo. — Ela me olhou e seguiu.

Nós subimos pelo Bergbahn, uma espécie de bonde elétrico que vai até o último andar do castelo. Quando chegamos, meu queixo caiu de admiração. Era um verdadeiro espetáculo mesmo!

— Uau. — Falei sem palavras. O Castelo tinha uma vista incrível de toda a cidade. 

— Esse lindo castelo é um marco de Heidelberg. As ruínas do castelo estão entre as estruturas mais importantes do Renascimento ao norte dos Alpes. — Ela falou olhando a vista. 

— Olha estou com uma guia turística excepcional. — Eu ri; a olhando de soslaio.

 Passamos todo o final da tarde ali; sentados no castelo conversando sobre várias coisas, parecíamos ser amigos de longa data, quando a noite caiu a vista do lugar ficou mais bonita ainda. Ela se sentou ao meu lado e ficamos ali só vendo as luzes da cidade se acenderem. Imaginei a Isis ali sentada olhando para o jardim e sorrindo, imaginei o Philipus lá embaixo olhando para a sua deusa e sonhando com o dia em que seria curado pelo toque de suas suaves mãos. A brisa brincava ao nosso redor, a lua nos agraciou com seu brilho. Ali no topo daquele castelo eu não parecia mentir sobre mim mesmo, ali eu de fato era um semideus, e não precisava mostrar meus dons, eu estava num castelo, num lugar desconhecido; com uma linda desconhecida… 

— E você? — Ela me perguntou repentinamente. 

— Eu o quê? — Olhei para ela. 

— Por que não trouxe sua amada? — Ela me olhou por um breve instante e desviou o olhar.

— Porque eu não tenho uma amada. — Eu sorri, enquanto admirava a cidade brilhante. 

— Um jovem escritor; com uma beleza majestosa, diga-se de passagem; com palavras tão sábias e sem uma amada? — Ela sorriu. 

— Ainda não encontrei uma amada, não tenho tido tempo para isso… — Falei descontraidamente pensativo, será mesmo que eu não tinha tempo ou isso era só uma desculpa para os meus medos?

—Nunca se apaixonou? — Ela disse curiosa. 

— Não. Já gostei muito de alguém, mas somos muito diferentes. Na verdade; eu nunca quis me apaixonar; eu me dedico muito mesmo aos meus livros, estou sempre procurando por coisas novas, sensações e emoções novas. Acho que o amor não é para mim. — Eu não sentia a necessidade de dizer que eu não estou preparado para passar anos da minha vida com alguém e vê-la morrer, tenho que viver com o peso da imortalidade sobre mim, com a dor de ver as pessoas que eu amo ir embora. O amor com certeza não é para mim!

— Entendi. — Ela olhou nos meus olhos e sorriu. — Eu não pintei você assim, a julgar pela nossa conversa e pela cidade que você escolheu, achei que você fosse um romântico incorrigível.

— O que tem a cidade? — Eu falei confuso. 

— É uma cidade romântica, geralmente abriga mais casais que vem aqui para ver as luzes da cidade, fica um pouco perto de Paris. Portanto; faz parte da rotina ver românticos incorrigíveis visitando. — Ela riu e desviou o olhar. 

— Eu sou romântico, só que expresso isso nas minhas histórias, estou escrevendo uma história de amor e preciso urgentemente de enredos e lugares que me façam se sentir assim. Cada detalhe desse lugar, cada pessoa, cada ponto, me faz pensar nos meus personagens. Eles são reais para mim! Consigo vê-los passeando de mãos dadas por esse castelo. — Olhei para o castelo atrás de mim e parei os olhos nos dela. — Você consegue entender? 

— Consigo sim. — Ela falou olhando nos meus olhos carinhosamente. 

 Ela me escutava atentamente falar sobre meus livros; me entendia, e quando não entendia não questionava. Eu não queria questionamentos; não queria estar ao lado de alguém que me afligisse com tantos porquês, eu não poderia dar respostas. As horas se passavam sem dar sinal, por um breve momento nos calamos; vi a brisa suave balançar seus cabelos, lembrei do sonho que tive com a Isis. ISIS! Ela parecia gostar de me atormentar a cada segundo da minha vida. Estava perdido nas luzes da cidade e notei que ela me olhava, eu a encarei de volta e ela me beijou. Eu retribuí sem pensar, a boca dela tinha um gosto deliciosamente doce.

— Olha. — Falei interrompendo suavemente o beijo. — Eu não quero me aproveitar de um momento ruim em sua vida. 

— Você não está se aproveitando de nada, eu te beijei! Se você não quer tudo bem, tá tranquilo. Não vou me apaixonar por você, acabei de sair de uma desilusão amorosa, mas isso não significa que não possa me atrair e querer ficar com um desconhecido qualquer que me aconselha. — Ela riu. 

— Você está machucada Chloe. — Tentei argumentar, mas não consegui terminar. Por que não? Logo eu iria embora e só levaríamos dali os momentos bons e aprendizados que tivemos um com o outro.

— Isso não me impede de viver e aproveitar o momento. — Ela me encarou. — Sério, eu perdi dois anos da minha vida me abstendo das minhas vontades, sendo colocada para baixo. Se tem uma coisa que eu aprendi com tudo isso é que eu não posso jamais reprimir meus desejos mesmo que seja apenas beijar um estranho em cima de um castelo.

       Eu procurei mais um argumento para aquilo, mas ela estava certa, ela tinha mesmo que levantar a cabeça e continuar vivendo, ela tinha mesmo que realizar suas vontades em primeiro lugar desde que não afetasse o bem-estar do outro, e aquilo de fato não me afetou! Eu a encarei e sorri, aproximei meu rosto do dela e a beijei.

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