Capítulo 2

Ainda chorando sozinha em sua estufa, Faith ouviu a voz de alguém a chamá-la. Sem demora, ela limpou as lágrimas e tentou disfarçar sua dor. Quem chamava era Thomas, um rapazinho de dezesseis anos que vivia sozinho desde que fugira de um orfanato em outra cidade, e tanto Faith quanto Lolla davam-lhe dinheiro para que ele fizesse pequenos serviços.

            — Thomas, hoje não vou abrir a loja. Pode ir descansar, se quiser!

            — Sra. Connor, sinto muito pela morte da D. Lolla. Ela era boa demais para mim — o rapazinho começou a chorar, e Faith teve certeza de que não suportaria aquela cena. Assim como ela, Thomas também já tivera perdas suficientes em sua vida, e ao invés de aquilo tudo se tornar mais fácil de suportar, ficava cada vez mais difícil. Conseguia enxergar em seus olhos que ele também se sentia exatamente daquela maneira.

            — Ela era sim — respondeu, tentando se conter diante da emoção.

            — Antes de morrer ela pediu que eu te entregasse isso — Thomas estendeu a mão para Faith. Nela ele segurava um envelope.

            — Para mim?

            — Sim, tenho mais duas comigo. Uma para Cailey, outra para Tatianna. Mas não posso entregar todas agora — ele disse com um ar muito sério, como se fosse uma missão muito importante.

            — E por que não?

            — Porque D. Lolla queria que eu entregasse em datas certas. E eu vou fazer exatamente como ela pediu.

            Aquela era uma novidade e tanto. O que poderia ter acontecido de tão importante que Lolla não queria deixar de dizer para as netas? Ela era realmente sempre uma surpresa, e depois de morta se mostrara meticulosa também. Estipulara datas exatas para que Thomas distribuísse as cartas.

            Mas por que tinha sido escolhida como primeira? Aquela era uma resposta que só descobriria depois que abrisse aquele envelope. Contudo, teria que controlar sua curiosidade um pouco mais. O garoto aguardava à sua frente, e ela sabia o que ele queria. Dentro de sua pequena estufa, ela mantinha uma escrivaninha que funcionava como seu escritório, afinal, era ela quem fazia sua própria contabilidade, quem tratava com fornecedores, quem negociava com clientes e outras coisas. Contava apenas com Thomas para as entregas e ninguém mais. Portanto, retirou dois dólares de dentro de uma gaveta dessa escrivaninha, dando em seguida ao rapaz. Feliz pela gorjeta, ele saiu, deixando Faith novamente sozinha.

            Observava o envelope que tinha nas mãos e não sabia o que fazer. Na verdade, mal tinha coragem de abri-lo, pois sabia que seria ainda mais motivo de sofrimento. Imaginava que aquela carta poderia ser como uma despedida e, talvez, não suportasse as palavras bonitas de Lolla dizendo-lhe adeus.

            Naquele envelope ela lia apenas: “Para minha doce Faith, para ser entregue em 24 de junho de 2010.”. Thomas realmente fizera seu trabalho, pois a carta chegara a seu destino exatamente na data marcada.

            A caligrafia perfeita da avó já lhe doía no peito, e ela decidiu que não poderia fazer aquilo sozinha. Fechou, então, a loja, pegou seu carro e partiu para a casa onde as outras duas viviam.

            Foi recebida calorosamente por Cailey, que a chamou para entrar e sentar um pouco. A mais nova ficou feliz em ver a irmã, pois tanto ela quanto Tatianna estavam preocupadas. Sabiam que no fundo, por mais que não demonstrasse, Faith estava sofrendo, e não queriam que ela passasse por tudo sozinha, afinal, se as três sempre foram tão unidas, o certo era que permanecessem unidas nas horas mais difíceis. As duas outras lhe ofereceram um café, mas ela não aceitou. Achava que seu estômago não aguentaria nada, nem se tentasse.

            — Eu queria falar com vocês duas. — Percebendo que deveria ser algo muito importante, Cailey e Tatianna sentaram-se próximas à Faith, prestando atenção nela. — Thomas acabou de me entregar esta carta. É da vovó.

            — Ela escreveu uma carta para nós? — indagou Tatianna, começando a se emocionar, acreditando, assim como a prima, que se tratava de alguma despedida arrebatadora.

            — Esta aqui é apenas para mim — explicou.

            — Por que vovó deixaria uma carta para você e não faria o mesmo por nós? — Cailey alterou-se. Era sempre a mais ciumenta, especialmente por se achar a mais rebelde das três. Sempre dera problemas na infância e pensava que seus pais preferiam Faith por ser estudiosa, responsável e obediente.

            — Não se precipite, Cailey! Thomas disse que ela escreveu três cartas, mas estipulou prazos para serem entregues para cada uma de nós.

            — Para quê tanto mistério?

                — Não faço ideia e, exatamente por esse motivo, decidi que quero lê-la com vocês. Não sei como vou receber as coisas que estão escritas aqui, portanto, aqui estou eu — ela abriu o coração como há muito tempo não fazia, ficando em silêncio em seguida.

            — Então leia logo! — incentivou Cailey, e Faith abriu o envelope. Prontamente começou a ler a carta em voz alta.

Minha doce Faith,

                Se você está lendo essa carta é porque eu já não estou mais entre vocês (eu via essa frase em filmes e livros e sempre quis usá-la.). Antes de mais nada, quero que saiba que, apesar da distância que se formou entre nós nos últimos meses, eu jamais deixei de amá-la com a mesma intensidade de antes. Lembro-me do dia em que você nasceu... um bebezinho lindo e desconfiado. E mesmo depois de vinte e oito anos, continua igualmente linda e desconfiada.

                Sei que não acredita na história de que todas as DeWitt têm um dom, que não confia em minhas premonições porque eu não fui capaz de salvar a vida de Henry e de seu bebê, mas logo quando você nasceu, eu vi que um acidente mudaria sua vida para sempre. Mudaria também sua maneira de ver as coisas, sua fé em Deus e em qualquer tipo de magia. Passei anos inteiros tentando achar uma forma de reverter essa tragédia, pensei que saberia quando e como tudo iria acontecer para pelo menos tentar evitar, mas não fui capaz.

                Porém, previ minha morte. Sabia que tinha pouco tempo para consertar as coisas que ficaram pela metade com a minha família, e você, Faith, por mais que negue, é a que mais precisa de ajuda. Pelo menos a princípio. Talvez, por esse motivo, o sonho que veio para ilustrar seu destino tenha vindo para mim primeiro. E ele foi tão constante, que por mais que você não acredite nesse tipo de coisa, peço que não deixe meu pedido para trás. Faça de conta que estará realizando meu último desejo para você.

                Querida, não pense que suas flores não são parte de alguma magia. Você tem realmente o dom de compreendê-las, de ver além de suas pétalas e suas belezas. Eu tinha o dom de ver através das barreiras do tempo, e o que vi para você, virá para compensar todo o seu sofrimento, que sem dúvida não foi em vão. Entretanto, isso é tudo que posso afirmar por enquanto. Se eu falar mais, você irá interferir no curso das coisas, e nada acontecerá como está previsto.

                Meu pedido para você é que deposite um buquê de Amarantos em minha sepultura no dia vinte e cinco de junho deste ano (se Thomas fez exatamente o que eu pedi, esse dia será amanhã). Desabafe comigo tudo o que precisar e passe algum tempo ali. Quero que pense em suas flores, em seus significados, e que mentalize que tudo na vida é passageiro, que a dor, por mais insuportável que possa parecer, sempre tem um fim e se transforma em aprendizado, em uma espécie de anti-corpos para que fiquemos mais e mais fortes. Até mesmo essa nossa separação é passageira. Algum dia voltaremos a nos encontrar, e você vai ver que sua vida valeu a pena.

Com amor,

                                                                                                                                             Lolla.” 

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