Capítulo 2

Até mesmo as paredes estavam impregnadas de lembranças e histórias.

            Era como se uma voz, vinda de um ser invisível, sussurrasse cada uma delas em seus ouvidos. Lembrava-se de cada lágrima chorada sobre aqueles travesseiros, cada vez que se olhara no espelho, como uma estranha para si mesma.

            E estava ali de volta, àquele mesmo quarto deprimente, sentindo-se da mesma forma.

            Lúcia respirava profundamente, naquele sono que somente as crianças conseguem ter: livre de preocupações, puro e leve. Era a oportunidade perfeita para que pudesse começar a limpar e organizar pelo menos o quarto onde iriam dormir.

            Ainda havia muitas coisas suas por ali. Algumas roupas, alguns cadernos da escola, um par de tênis gasto e feio, uma bolsinha de maquiagem, onde nada mais estava dentro do prazo de validade, e algumas fotos guardadas em uma caixinha.

            Lembrava-se muito bem daquela caixinha e da forma como sempre acreditara que ela era o único e verdadeiro tesouro que tinha. Ali ela guardava memórias de seus amigos, fotografias, bilhetes, souvenires de aventuras... e também guardava as únicas coisas que tinha de sua mãe: um retrato e um prendedor de cabelo em forma de margarida. Já estava enferrujado, velho, mas Viviane sempre o achou a coisa mais linda do mundo. Nunca tivera coragem de usá-lo, pois temia perdê-lo ou estragá-lo. Gostava de acreditar que ele ainda guardava o cheiro do cabelo dela, embora não conseguisse mais senti-lo, uma vez que sua mente já não possuía as mesmas ilusões infantis.

            A foto era igualmente preciosa. Não conhecera sua mãe, então, aquela era a única imagem que tinha dela. Os cabelos eram loiros; num tom claro, similar a ouro, lisos e longos, tal qual os de Viviane, embora os desta fossem escuros, da cor de tabaco. Mas essa era a única semelhança que havia entre elas. Enquanto os olhos da mulher eram verdes, enormes e vivos, os seus eram azuis, de um tom muito claro, pequenos, levemente puxados, com cílios enormes e bastante curvados. Viviane não herdara o nariz arrebitado e um pouco atrevido dela, embora o seu fosse pequeno e bem proporcional ao seu rosto. Sua altura era mediana, e a mulher do retrato era pequena, graciosa, como uma boneca. Ambas eram magras, mas seus corpos possuíam curvas completamente diferentes.

            Ninguém nunca falava sobre ela em Serenia. Sempre desviavam do assunto, alegavam não tê-la conhecido direito, por isso, tudo que sabia era o que sua imaginação lhe fornecia. Ao vê-la naquela fotografia, sorridente, com os cabelos ao vento, os braços jogados na direção do céu, como se mostrasse que as nuvens também a admiravam, ela parecia livre. Jovem. Feliz. Viviane gostava de pensar que era o tipo de pessoa que nunca se deixava abater por um problema, que conseguia contornar as dificuldades com doçura e leveza. Imaginava-a como uma professora de balé, com pés leves e mãos delicadas, voz macia e olhos sonhadores.

            Sentindo que lágrimas começavam a querer cair de seus olhos, Viviane guardou a caixinha de volta na gaveta. Estava prestes a fechá-la quando se deparou com uma coisa que nunca tinha notado antes.

            Ou melhor, ela podia jurar que nunca estivera ali enquanto vivera naquela casa.

            Era uma outra caixa, de sapatos, fechada por um elástico. Viviane sabia que não lhe pertencia, então só podia ser de seu pai.

            Se fosse uma boa filha, ela simplesmente a deixaria no mesmo lugar, sem bisbilhotar ou se intrometer nos segredos alheios. Até porque, ela também tinha os seus, e Aldo Nogueira seria a última pessoa para quem ela os contaria.

            Mas ela não era uma boa filha. Nunca fora. E não seria agora que iria começar a se arrepender disso. Já tinha coisas demais a assombrá-la para se importar com as mais banais.

            Abrir a caixa foi consequência de mais uma escolha errada. De alguma forma ela sabia que o que continha ali deveria ficar adormecido, escondido e trancado dentro de uma gaveta. Sabia que aquela era uma caixa de Pandora, pronta para revelar uma imensidão de males.

            Havia uma foto também ali dentro, guardada como se fosse proibida. Junto dela, outros papéis dobrados, amarelados e igualmente secretos, que ela logo descobriu se tratarem de cartas. Várias. Constantes. Como se tivesse acontecido uma troca de correspondências por um longo período.  

            Mas seu pai não era dado àquele tipo de coisa. Ele abominava sentimentos, demonstrações de carinho e afeto.

            Não era?

            A curiosidade começou a ser quase insuportável. E por mais que tentasse conter a ânsia de lê-las por inteiro, não resistiu e escolheu primeiro a que tinha a data mais antiga, que parecia ser a primeira daquela série.

            Ao abrir, constatou que a caligrafia era precisa, bonita e feminina. A escrita era profunda e poética, e Viviane parecia não estar preparada para a enxurrada de dúvidas e sentimentos que aquela mensagem lhe provocou.

“Caro Sir. Lancelote,

            Como bem pode perceber, relutei bastante em responder sua carta. Não porque não tenha gostado de suas palavras ou da forma como se denominou – muito inteligente de sua parte, aliás, sabendo o quanto eu gosto de histórias medievais, especialmente do mundo de Camelot –, mas porque ainda me sinto confusa em relação a nós dois.

            Há muitas coisas sobre mim que ainda não sabe e que talvez nunca venha a saber. Talvez eu não seja exatamente a calmaria que você tanto espera... talvez eu seja uma revolta tempestade, pronta para assolar suas ilusões; talvez eu não seja as estrelas que conversam com você sobre tantas coisas... talvez eu seja a escuridão. Talvez eu seja um imenso vazio ou um caminho que não lhe levará a lugar algum.

            Você é um bom amigo, tenho medo de estragar tudo, de feri-lo.

            Todos os dias, quando você se afasta, depois de nossas conversas tão preciosas, eu rogo às nuvens – as mesmas que te falam sobre todas essas coisas que só você sabe – que te mostrem que eu não posso ser sua, que esse não é o seu futuro. Não é esse o destino que você merece.

            Por isso peço que se afaste enquanto ainda há tempo, enquanto ainda não é tarde demais. Já há uma parte de você dentro de mim, e ela já me faz sofrer só de pensar no que poderíamos estar vivendo... só de pensar em todas as coisas que me ofereceu na carta que me enviou, em tudo que me prometeu. Eu acredito em suas palavras. Sei que é exatamente o tipo de homem que poderia cumprir cada uma daquelas promessas. Por mais que as pessoas não o compreendam, saiba que eu também desejaria... também seria feliz... com você.

            Torne-me uma lembrança cálida em seu coração. É tudo que peço.

                                                                                  Sua Guinevere.

            Aquelas eram, com certeza, as palavras mais tristes que Viviane já tinha lido. Ela quase podia sentir um terrível sentimento de perda brotando da folha de papel. Era quase como se pudesse sentir o peso de um milhão de lágrimas em suas mãos.

            Mas, apesar de ter sido contaminada pela tristeza daquele casal, um outro sentimento invadiu sua mente, de forma abrupta e definitiva: curiosidade.

            De uma coisa ela não tinha a menor dúvida: o tal Sir. Lancelote mencionado na carta, o destinatário daquela linda mensagem de amor, era seu pai. Não era apenas o fato de aquele papel estar guardado ali, dentro de uma gaveta em sua casa, que comprovava isso, mas também a menção das estrelas e das nuvens, o que não deixava espaço para interpretações errôneas. Mas a imagem de seu pai como um galanteador não combinava com o homem que conhecia, sempre carrancudo, calado e que nunca sorria. Já lhe tinham dito que fora um homem belíssimo no passado, e ela mesma lembrava dele dessa forma, mas jamais fora charmoso o suficiente para encantar uma mulher como a tal "Guinevere". E mais... tudo indicava que fora ele a começar aquela troca de correspondências.

            Havia várias cartas. Eram mais do que Viviane poderia ler naquela noite, portanto, decidiu segurar sua curiosidade um pouco mais. Muito em breve Lúcia acordaria, e ela precisava arrumar as coisas antes que amanhecesse. Contudo, sabia que aquelas palavras permaneceriam em sua mente por mais algum tempo... como uma maldição.

***

            O cheiro de pão de queijo sendo preparado preencheu suas narinas como se não comesse há dias. Deveria estar sonhando, é claro...

            Mas os barulhos de pratos e copos tilintando e da água escorrendo dentro da pia não fazia parte do sonho.

            Por um breve momento precisou se localizar para compreender que realmente havia uma pessoa em sua casa. Uma, não, duas. Precisava acordar todos os dias com aquilo em mente, pois não queria cometer nenhum deslize. Se ela fosse embora de novo, que mais uma vez fosse por causa de sua teimosia, sua inquietude. Estava cansado de ser o vilão da história.

            Levantou-se da cama, vestiu uma roupa decente e foi à cozinha, seguindo o cheiro como um leão segue uma presa. Fazia tempo que não acordava com tanta fome.

            — Bom dia. — Bem, ao menos ela estava se esforçando para parecer educada. Era um começo.

            — Bom dia, Viviane. Espero que tenha descansado.

            — Sim, obrigada.

            Mais alguns momentos de silêncio. Não que tivessem muito o que conversar, não que Aldo se sentisse muito compelido a puxar um assunto, mas esperava que ao menos ela lhe contasse qualquer coisa que o fizesse compreender o motivo de ter voltado depois de tanto tempo.

            Ele a viu abrir o forno e usar um pano de prato que ele nem sabia que ainda existia para retirar a assadeira com as torradas. Depois colocou algumas em um prato, abriu a geladeira e pegou a caixa de manteiga, checando a validade antes de servi-lo. Para si mesma, serviu apenas uma xícara de café. O que não era nenhuma novidade, pois ela sempre comera muito pouco.

            Quando se sentou à mesa, de frente para ele, Aldo logo soube que a conversa que esperava estava prestes a acontecer.

            — Sobre ontem... — Ela começou, parecendo não saber muito bem como iniciar aquele diálogo. — Sei que deve ter ficado um pouco surpreso com a minha volta, mas pode ficar tranquilo que é uma situação temporária. Hoje vou começar a procurar um emprego e uma casa para alugar...

            — Já disse que a casa é sua. — A interrupção da fala de Viviane foi abrupta e um pouco rude. Mais rude do que até ele mesmo gostaria.

            — Não tem obrigação nenhuma de permitir que eu fique aqui. Não me deve nada.

            — Não, não devo — ele respondeu com um ar misterioso no olhar. Mas logo acrescentou: — Bem, faça o que achar melhor. Fique ou vá, a decisão é sua.

            E se calou. Ainda não tinha decidido se queria que ela ficasse ou se preferia que fosse embora. A verdade era que não sabia lidar com aquela garota, acabava sempre fazendo a coisa errada. Sempre presumira que o melhor era deixá-la livre para fazer suas próprias escolhas e para aprender com os próprios erros. Sabia que ela tinha errado muito mais do que acertado, e supunha que mesmo longe de Serenia aquele comportamento tinha prevalecido. Mas ele tinha que admitir que ela sabia se erguer facilmente de uma queda. Mesmo quando ainda era uma adolescente problemática e rebelde, sempre soube como dar a volta por cima de cabeça erguida. Algo que ele, em quase sessenta anos de idade, jamais aprendera.

            Uma voz estridente, gritando a palavra mamãe, e o barulho de pés descalços e muito pequenos correndo pelo piso foi ouvido. Aldo imediatamente se empertigou, sem nem perceber o que estava fazendo. Se encarar Viviane era uma tarefa difícil, estava apavorado para conhecer a menina. Nunca soubera lidar com crianças e nem sabia se estava preparado para aprender.

            — Bom dia, moranguinho — Viviane pegou Lúcia no colo e a encheu de beijos pelo rosto.

            Ainda no colo da mãe, Lúcia olhou pela primeira vez para Aldo.

            As crianças não costumavam gostar muito do que viam quando olhavam para ele. Sua aparência sempre desleixada, com a barba por fazer e o cabelo desgrenhado, além da fama de recluso e estranho, contribuíam para que sentissem medo e contassem muitas histórias onde o transformavam em monstro, louco e bruxo. Talvez ele fosse uma união de todas aquelas três coisas, mas não para a menininha à sua frente.

            Sem nem saber de quem se tratava, se era anjo ou demônio, Lúcia abriu um sorriso, cheio de dentinhos de leite. Ainda um pouco confusa, ela coçou os olhinhos e perguntou, sem um pingo de timidez ou desconfiança:

            — Quem é o senhor?

            Aldo sentiu que perdia a respiração lentamente. Aquela criança poderia facilmente provocar a paz mundial, se apenas olhasse para as pessoas com aqueles olhinhos azuis inocentes e sorrisse daquela forma, tão doce, sem pedir nada em troca. Era linda. A imagem de um verdadeiro anjo.

            Viviane colocou-a no chão, pronta para fazer uma séria revelação.

            — Querida, este é seu avô... Aldo. Meu pai.

            A menina olhou para a mãe, mostrando-se confusa. Estava claro que Viviane nunca mencionara sua existência para aquela criança.

            — Avô? Eu não sabia que tinha um avô.

            — Não, querida. Você não sabia. Mamãe nunca lhe contou. Está chateada?

            Viviane era franca com Lúcia. Sempre. Gostava de dar direito de escolha à filha, de ter longas conversas com ela, deixando que sua personalidade se formasse naturalmente, que ela soubesse desde cedo o que queria, o que gostava, o que a deixava magoada. Quando fazia algo que ela não gostava, deixava que mostrasse seus argumentos — mesmo infantis — e que desabafasse tudo que quisesse. Aldo gostou da forma como elas conversavam com cumplicidade, como se pertencessem uma à outra.

            — Não, mamãe, estou feliz. — E a pequena correu para perto de Aldo, jogando os braços ao redor de seus ombros, abraçando-o com toda força que conseguia. Depois se afastou, ainda com aquele sorriso inocente no rosto, e continuou: — Prazer, vovô. Eu sou a Lúcia. Tenho quatro anos e já sei escrever meu nome. Mamãe diz que eu sou boazinha...

            Aldo não sabia como reagir. Talvez fosse mais imaturo do que uma criancinha daquela idade, mas estava completamente hipnotizado pela menina. Viviane fora uma garotinha linda, mas muito levada, com uma língua afiada e teimosa. Era mais um moleque do que uma menina. Porém, Lúcia era totalmente o oposto. Ela parecia uma pequena florzinha começando a nascer.

            — É... bem... muito prazer, Lúcia.

            — Querida, vá escovar os dentes, pentear o cabelo e coloque uma roupinha confortável. Vamos passear — Lúcia interrompeu o momento.

            — Ah, mamãe, posso ficar aqui com o vovô?

            Aldo e Viviane se entreolharam como cúmplices. Viviane sabia que ele não queria ficar sozinho com a neta, e Aldo compreendia que Viviane não confiava nele o suficiente para deixar a filha, nem que fosse apenas por algumas horas.

             — Não acho uma boa ideia, querida. — Viviane se apressou em dizer, mas sua fala foi interrompida pelo barulho da porta que abria.

            Por um breve momento, Viviane fitou a pessoa que entrava, enquanto observando-a de volta. Era um homem grande, magro, negro e calvo. Devia ser pouca coisa mais jovem que seu pai.

            — Ora, ora, mas se não é a Viviane Tempestade de volta!

            A maioria das pessoas de Serenia costumava chamá-la daquela maneira. Parecia que tinha sido em outra vida, em outra dimensão, mas quase conseguia se lembrar que costumava sentir orgulho daquele apelido. Comparavam-na com uma chuva forte, daquelas que chega sem avisar e sai levando tudo consigo, destruindo coisas. Apesar de parecer pejorativo, ela sabia que ninguém a chamava daquela forma por mal; a verdade era que Viviane fora uma verdadeira peste.

            Mas não aprontava suas travessuras sozinha... era sempre ela e...

            Bem,  era melhor não pensar em quem costumava acompanhá-la...

            — Seja bem-vinda, querida!

            O homem aproximou-se e inclinou-se para beijá-la na testa. Só havia duas pessoas que a tratavam com tanto carinho e respeito naquela cidade: Edna e Germano Freitas, o delegado da cidade.

            Apesar de já tê-la levado para a delegacia incontáveis vezes, Germano era o único amigo que seu pai tinha, então, era como um tio para ela. Um tio muito querido. Viviane jurara que jamais se esqueceria dele, mas a verdade era que estava tão diferente de como se lembrava, que acabou demorando um pouco para reconhecê-lo.

            — Germano... que bom te ver! — Viviane o abraçou, retribuindo o carinho.

            — Digo o mesmo, menina. Por onde andou?

            Lá estava a tal pergunta que ela não queria responder. A pergunta que seu próprio pai não lhe fizera.

            Havia coisas sobre sua vida que preferia manter em segredo, apesar de não aprovar muito a ideia. Sempre achara que segredos eram como portas entreabertas, que mais cedo ou mais tarde eram violadas, libertando uma dezena de demônios sedentos por discórdia. E Viviane já estava farta de demônios.

            — E por acaso uma tempestade revela sua trajetória?

            Germano soltou uma gargalhada, e Viviane se surpreendeu sentindo falta dele. Era uma boa lembrança de Serenia. Uma que até fazia com que acreditasse que poderia chamar aquele lugar de lar um dia. Mas, claro, jamais esperaria por tal oportunidade. Tudo que sempre quisera fora partir dali para nunca mais voltar.

            — E essa garotinha linda? Acho que não te conheço. Lembraria se conhecesse — Germano tinha jeito com crianças. Era uma pena que ele e Edna nunca tivessem tido filhos.

            — Meu nome é Lúcia. Ela é minha mamãe — Lúcia, de forma quase solene, apontou para Viviane.

            — Você tem uma mãe e tanto, Lúcia! Um dia vou adorar me sentar e contar todas as histórias dela para você — e Germano se aproximou da pequena, para sussurrar em seu ouvido. — Sei que ela vai brigar comigo se me ver te contando tudo que aprontou, mas fica sendo nosso segredo, tudo bem? — Lúcia gargalhou e balançou a cabecinha em afirmativa. Era visível que já estava se sentindo em casa. — Bem, Aldo, eu vim te trazer o café, mas vejo que já está bem servido.

            — Então, mamãe, posso ficar com o vovô enquanto você sai? — Ardilosa, Lúcia praticamente interrompeu Germano, fazendo a pergunta na frente do novo amigo para ganhar, talvez, um aliado.

            Viviane sentiu-se acuada. Temia uma aproximação entre Lúcia e o avô, embora não acreditasse que ele fosse cativante o suficiente para isso. E, além do mais, nunca fora muito bom com crianças. Porém, caso um milagre acontecesse, seria muito mais difícil tirar a menina de perto dele quando finalmente tivesse condições de se manter sozinha. Apesar disso, Aldo sempre seria o avô dela, o único que tinha... não havia como fugir de ligações de sangue.

            Vendo-se sem saída, Viviane suspirou derrotada.

            — Tudo bem para você? — perguntou diretamente para Aldo, que parecia assustado com a possibilidade.

            — Sim... eu acho que sim — respondeu, sem muita segurança.

            E, sem dizer nada, foi trocar de roupa, acompanhada por Lúcia, que parecia muito mais animada que de costume.

            Enquanto isso, em silêncio, Germano observava Aldo terminar seu desjejum. Havia um meio sorriso em seu rosto, que significava que ele tinha muitas coisas a dizer.

            — O que foi? — Após levantar os olhos para o amigo, Aldo perguntou com sua peculiar impaciência.

            — A menina é uma gracinha,  não é?

            — Não reparei — A resposta saiu como um grunhido.

            — Mais cedo ou mais tarde vai ter que reparar. É sua neta. Seria bom se também tentasse ser um pouco mais agradável com ela.

            — Você sabe de tudo, Germano. Sabe que eu não posso amá-las.

            — Estou cansado dessa baboseira, Aldo! Não pode amá-las porque é um velho rabugento e sem coração. Não tem nada a ver com o seu passado, tem a ver com o seu presente, com quem você acabou se tornando — Germano fez uma pausa. — Se aceita um conselho, meu amigo... Acho que está na hora de começar a agradecer pela segunda chance que recebeu. Poucos conseguem uma dádiva como essa. Talvez Deus ainda tenha alguma piedade de você.

            — Não acredito mais em Deus.

            — Que bom que Ele ainda acredita em você.

            Sem dizer mais nada, Germano saiu, deixando Aldo pensativo. Talvez aquilo realmente fosse uma segunda chance, mas, mesmo assim, ainda não se achava digno de redenção.

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