Capítulo 04

Quinze dias desde minha chegada na cidade e algumas coisas pareciam caminhar bem. Meu filho havia finalmente começado a estudar na minha antiga escola. Alguma coisa tinha que dar certo, não é mesmo? Mesmo com os dias, minha família continuava rejeitando Lucas. Era difícil nossa convivência, Dona Regina costumava passar na minha cara todas as manhãs de que eu tinha acabado com nossa família. Isabela sempre ficava com suas provocações até me tirar do sério. Infelizmente, o que mais me entristecia era não sentir mais vontade alguma de chamar meus pais, de pais.

Era sábado à noite quando decidi levar meu menino travesso para se divertir com outras crianças na praça. Ver todas aquelas crianças juntas, despertava um sentimento eufórico em mim. Onde meu filho era bem tratado sem qualquer preconceito animava meu coração. Olhei para o lado e meu sorriso deu lugar a preocupação. Não era a primeira vez que via aquele homem alto de cabelos perfeitamente alinhados observando Lucas. Por alguma razão, me sentia ameaçada toda vez em que nos encontrávamos. Pedófilo não tem classe, cor ou raça, simplesmente fiquei em alerta.

— Nervosa de novo, Luara? — Andressa que estava sentada ao meu lado, perguntou, tocando meu ombro. Sim, tínhamos conseguido reatar nossa amizade e isso tornou tudo mais suportável, ter com quem contar e desabafar.

— Você não percebeu ainda? Outra vez aquele homem sério de roupa social está observando meu filho. Não gosto nenhum pouco disso, tenho medo que ele queira fazer algum mal para o meu garotinho.

— Ele não parece querer fazer mal ao seu filho. Já te disse que ele é apenas um turista. E é um bonitão podre de rico. Amiga, ele pode estar interessado em você e não no seu filho.

Andressa tinha colocado na cabeça que ele estava interessado em mim, entretanto, eu não era cega, ele costumava passar horas analisando meu filho. Poucas foram as vezes em que vi seus olhos sob mim. Algo nele me incomodava muito, sempre solitário e observador. Cruzei os braços indignada.

— Te juro que se isso continuar, vou denunciá-lo para polícia. — disse certa do que faria caso ele continuasse nos perseguindo daquele jeito.

— Não seria melhor falar com ele? Quer dizer, ele não parece ser um maníaco de criancinhas. Você está julgando ele, Luara. É por que ele é branco? Não mente pra mim! Te incomoda o fato dele ser branco e estar interessado em você?

Era absurdo o que ela tinha acabado de dizer. Suspirei, cansada de ser comparada aos meus pais preconceituosos, era isso que ela tinha feito ao dizer que eu estava julgando-o pelo tom de sua pele.

— Eu não sou meus pais, Andressa! Meu filho é branco, caramba! Tenho preconceito nenhum com isso! Por favor, se não tem o que dizer, melhor ficar quieta. Sou mãe e não uma desesperada por homem! Você não entende que esse cara bem ali está sempre olhando estranho pro meu filho? Isso me deixa extremamente preocupada!

Ok, admito que talvez tenha exagerado com as palavras, mas ela precisava se tocar, não vivíamos em um mundo de fantasia. O perigo rondava todos nós em todos os lugares.

— Também não precisava falar assim, melhor eu ir embora. — disse levantando-se e continuou. — Luara, você vive estressada e eu não sei lidar com esses seus dramas. Não sou nenhuma burra, sei bem o que digo. Nós falamos em outro momento.

Ela foi embora parecendo bem chateada. O que eu poderia fazer? Ela não enxergava o mesmo que eu, aquele cara era um molestador de criancinhas e estava interessado no meu filho! Com o perigoso rondando meu filho, decidi ir embora também. Mal adentrei a casa e encontrei meu pai me esperando, isso mesmo, aguardando minha presença com várias pedras nas mãos prontas para serem lançadas em mim.

— Quero que me ajude no trabalho. — direto ao ponto sem enrolação. Revirei os olhos. — Luara, tem quase mês que chegou! O que tem feito além de sair para passear? Nada!

— Já disse, não vou trabalhar com o senhor! Sou frágil para carregar cimentos! Não vê? Coitadinha de mim, no meio daqueles brutos...

Um draminha não faz mal não é mesmo? Meu pai era dono de algumas lojas de construção. Eu não queria passar horas do meu dia trabalhando ao seu lado.

— Resolveu imitar sua mãe, agora? Sabe muito bem que não vai carregar nada! Estou precisando de ajuda para atender os clientes.

— Por que não chama Isabela? — questionei, imaginando qual seria sua desculpa. Ele enrugou a testa, expressando seu descontentamento.

— Não quero sua irmã! Quero você, Luara, agora é mãe, deveria ser mais responsável! — disse ríspido gesticulando com as mãos.

— Não vou trabalhar com o senhor, entendeu? Estou cansada de tanta manipulação! Vem Lucas, seu avô precisa esfriar a cabeça.

Saí puxando meu filho pela mão até o quarto. Trabalhar com meu pai estava fora de questão, tudo que ele queria era um jeito de controlar minha vida. Era sufocante e difícil pra mim.

— Tá triste, mamãe? — Lucas perguntou, fitando-me com seus olhinhos, demonstrando preocupação. Tem como não derreter com um garoto assim? Meu amor por aquele pequenino era maior que o universo inteiro.

— Não, meu amor, mamãe está bem. — respondi beijando sua bochecha rosada.

Peguei meu menino nos braços, enchendo seu rosto de beijinhos. Ele estava crescendo tão rápido e cada dia ficava mais inteligente. Eu queria dar o melhor para ele e que ele se tornasse um grande homem. Um dia meu garotinho seguiria seus sonhos, estaria ao seu lado em todas suas vitórias e derrotas também.

No dia seguinte ficamos boa parte do tempo presos no quarto, ou melhor, em nosso próprio mundinho. Lia um livro enquanto ouvia meu filho brincar com seus brinquedos. O mundo perfeito de amores possíveis e muitas vezes clichês era algo que não cansava nunca de ler. Nunca gostei de ler livros com finais tristes.

A realidade de se amar era amarga e dolorida, não conhecia outro amor que não fosse o familiar como verdadeiro. Não queria novamente passar por outra decepção amorosa. Os únicos romances que eram lindos e perfeitos eram os que costumava ler. Nenhum homem era digno do meu amor. Nenhum deles deixaria pisar no meu coração como Yago fez.

— Filho, quando a mamãe estiver trabalhando outra vez, vou te comprar vários brinquedos novos. — comentei, fechando o livro. Ele parou de brincar, então, me encarou seriamente.

— Quando vamos pra casa, mamãe? Vovó disse que não gostava quando a chamava de vovó. Por que ela não gosta de mim? Fiquei bem triste porque ela brigou comigo...

O relato de Lucas apertou meu coração. Eu não sabia que dona Regina tinha falado uma coisa dessas para ele.

— Sua avó às vezes é um pouco amarga, não ligue muito para o que ela diz. Mamãe precisa de um trabalho, filho, só assim poderemos sair daqui para uma casa nossa. Você já é um rapazinho, conversamos sobre não voltarmos para nossa cidade anterior. Vida nova, lembra? Um novo recomeço.

Esperava que ele entendesse. Tudo que ele fez foi assentir e voltou a focar em seus brinquedos. Seria por pouco tempo que ficaríamos naquela situação. Não queria envolvê-lo em todos os meus problemas familiares. Uma criança não deveria viver em um lugar tão tóxico como aquele. 

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