Rompendo o preconceito
Rompendo o preconceito
Por: Vania Grah
Capítulo 01

Luara Arantes 

Deixei de lado meu medo e retornei para cidade que jurei nunca mais voltar. O tempo não apagou tudo que havia sofrido por ser ingênua. Do que estou falando? Estou falando de ter assumido a culpa de um incêndio local para defender o babaca por quem era cegamente apaixonada. Meu avô infartou com toda a confusão que saiu até na televisão. O sobrenome Arantes era bem conhecido pela cidade, porque nossa família foi uma das primeiras na fundação dela. Eu não sabia o que me aguardava, pois não tinha avisado a ninguém da minha chegada, muito menos comentei sobre o pequeno Lucas, meu filho de coração. Ele foi um presente de Deus e acreditava que eu era seu anjo por ter cruzado seu caminho. Minha família não sabia do meu filho de cinco anos. Não era um dos melhores momentos para todos saberem dele, não queria que meus pais soubessem que ele não tinha nosso sangue, portanto, seria um segredo.

Depois de alguns minutos sentada no banco da praça com meu filho, busquei forças e decidi que era a hora certa de encarar minha família. Eu precisava deles desesperadamente por causa do meu menino. Perdi o emprego e por consequência fui despejada de casa. Era humilhante, sabe? Estar de volta como uma fracassada.

— Lucas, não esqueça o que combinamos, está bem? — avisei, para o meu pequeno travesso de olhos negros lindos.

— Não vou esquecer, mamãe. — respondeu, dando um lindo sorriso.

Segurei firme em sua mãozinha e respirei fundo. A casa da minha família conseguia vê de onde estávamos. Ela continuava igualzinha desde a última vez que a vi. Éramos uma família classe média. Nossa casa estava há gerações na família. De um lado trazia comigo a pequena mala de rodinhas com minhas roupas. A mochila azul que trazia nas minhas costas era as coisinhas do meu filho. Após atravessarmos a rua pavimentada, senti um pouco de angústia. Eles não ficariam felizes em me reencontrar com um filho. Abri o portão que fez um barulho escandaloso. Queria ser discreta, no entanto, tudo tinha ido água abaixo.

— Luara? — minha irmã Isabela, questionou assustada. — Mãe! Corre aqui, mãe! Luara trouxe um garoto branco com ela! Mãe, ele tem os cabelos loiros! É muito branco! Sinto que vou cegar, mãe!

Esqueci de mencionar que éramos uma família negra, como éramos descendentes de escravos, minha família tinha um dilema muito preconceituoso, em relação a qualquer pessoa de pele alva, para eles essas pessoas mereciam ser castigadas, mesmo sem razão alguma pra isso. Minha irmã idiota, saiu berrando casa adentro que eu havia trazido um garoto branco. Como era ter uma família racista? Uma droga!

— Filha? — dona Regina disse levando uma das mãos ao peito. Eu sabia que o drama começaria. — Aí! Estou com falta de ar! Sinto que estou morrendo! De quem é esse menino branco, Luara? Por favor, diga pra sua mãe que não é o que estou pensando...

Revirei os olhos. Lucas assustado apertou com força minha mão. Aquilo tudo era uma palhaçada, um drama muito mal atuado!

— É o seu neto, mamãe! — afirmei, com um sorriso nervoso nos lábios. Adentramos a casa e tentei ignorar os gritos da minha mãe vindo logo atrás de mim.

— Luara! Não acredito que você deu pra um burguês! Foram nove meses com você na barriga! Quase um ano! Sofri tanto em cima da cama pra parir! Pra isso? Por que me odeia desse jeito? Te ensinei desde cedo que deveria sempre se prevenir! Meu Deus, por que me deu uma filha dessas? Por quê?!

— Mãe! Não vê que está assustando o seu neto? Olha pra ele, completamente, assustado!

Não demorou muito até meu avô Alfredo adentrar a sala de estar com sua bengala como suporte.

— O menino é branco! — disse apontando a bengala na nossa direção e continuou. — Luara, cadê o pai desse garoto? E por que não está com uma aliança no dedo? Quem foi o infeliz que te engravidou e abandonou? Pensei que gostasse de negão e não de mandioca branca! Você tem vinte e três anos! Esse garoto tem que idade?

Olhei para Lucas e estalei a língua, era o sinal para ele agir como tínhamos combinado. O pequeno logo entendeu e se jogou no chão. Acharam mesmo que eu ia chegar em uma família racista sem um plano? Acharam errado!

— Barriga, doendo, mamãe...

Que orgulho do meu garotinho. Ele conseguiu chamar atenção da minha família, por estar se contorcendo no chão, feito uma cobra com cãibra. O que eu poderia fazer? Deixar que todos me julgassem sem sequer ouvir uma palavra minha? Eles teriam muito tempo pra isso ainda, pros seus julgamentos ao meu respeito! O interrogatório parou e aparentemente meu plano estava dando certo.

— Vocês podem parar? Falaram tanto que deixaram o menino doente! — resmunguei, gesticulando com as mãos.

Peguei meu filho no colo que continuou com sua bela atuação de menino doente.

— Liguei para o papai e contei tudo! — Isabela disse, me dedurando com um sorrisinho de deboche no rosto. — Luara, tá ferrada!

Por que minha família era tão sem noção daquele jeito? Crescer em uma família de loucos foi um verdadeiro desafio.

— Esqueceu dos seus remédios hoje, Isa? Esses peitões estão engolindo seu cérebro! Coitadinha! — desdenhei.

Minha irmã tinha acabado de completar dezoito anos, entretanto, continuava com a mentalidade de uma garota de doze. Usava seu corpo de mulherão para me humilhar sempre que surgia oportunidade. Ela nunca foi uma irmã de verdade que pudesse ser um apoio, sempre foi um castigo.

— Invejosa! Sou a mais linda da família, aliás, agora vejo que sou também a única sensata. Querida irmã, sou eu ou você que escondeu um filho? Nosso pai, vai te dar uma surra!

O barraco estava armado e quando o senhor Osvaldo nosso pai chegasse, talvez a casa viesse abaixo. Eu precisava guardar toda força que tinha para encará-lo de frente sem fraquejar. Depois de alguns minutos de pura confusão consegui colocar minhas coisas no meu antigo quarto. Lucas ficou sentado jogando no meu telefone, enquanto eu guardava algumas coisas na cômoda marrom poluída de adesivos de caderno.

— Filho, não se mexa tanto, essa cadeira tem uns mil anos. — resmunguei, preocupada. A cadeira de madeira poderia acabar derrubando ele.

— Sou forte, mamãe. Não caio nunca! Sou um super-herói, o super Lucas!

— O super Lucas precisa se cuidar também, viu? Não quero nenhum roxinho em você.

Ser mãe nunca tinha passado pela minha cabeça até vê-lo pela primeira vez. Seu rostinho bochechudo me fez apaixonar de imediato. Recordar da mãe biológica dele causava-me revolta, pois a mulher tinha uma pedra no lugar do coração. Evitei do pequeno Lucas ir parar em uma lixeira ao lado do hospital, como um lixo descartável. A mulher segurava uma caixa de papelão e ao perceber minha presença fugiu, deixando a caixa no chão. Se não fosse a atitude suspeita dela nunca teria me aproximado daquela caixa. Consegue imaginar como fiquei? Em choque! Era um bebezinho frágil, largado como se não significasse nada. Levei o recém-nascido comigo até o hospital para ser examinado e depois fui até a polícia, assim descobri que ele tinha apenas dez dias de vida. Mesmo sendo jovem, me responsabilizei pela criança e adotei. Foi amor desde o início e por ele era capaz de tudo.

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