3

Lázzaro Bartholomeu tentou passar adiante, não era problema dele, mas uma força maior e incompreensível, o fez dar ré. Parando o carro perto da garota, abriu o vidro e sentiu um nó na garganta ao ver o estado em que ela se encontrava.

— Senhorita Hamilton? — chamou-a que olhou imediatamente limpando as lágrimas com o coração batendo rapidamente.

— Ah, olá senhor Bartholomeu. — o cumprimentou soluçando em uma tentativa vã de disfarçar a crise de choro.

— O que ainda faz aqui? — indagou Lázzaro com o olhar confuso.

— Eu já estava indo para casa. Terminei agora o... O trabalho, mas... — tentou dizer mas uma onda de lágrimas novamente se esvaiu dela.

— O que houve? Alguém te machucou? — a impaciência e preocupação disputavam em sua voz.

— Sim. — deu um grande soluço e voltou a chorar — Alguns garotos vieram e... — soluçou de novo — Levaram todo meu dinheiro e também os meus gatinhos. — concluiu e se desesperou novamente.

Porra! Lázzaro nunca havia visto ninguém chorar daquele jeito. Sentiu um grande frio na barriga, seu peito apertando e um grande nó na garganta se formando, não sabia o que era, estava confuso e irritado também por não saber.

Odiava choradeira e se perguntava a todo momento porquê diabos estava se importando com aquela garota ali, e que merda ele estava sentindo ao uma vontade incontrolável de fazê-la parar o possuir.

Ele franziu o cenho muito irado consigo mesmo, bufando saiu do carro e estendeu a mão para a garota sentada.

— Me diga onde posso encontrar esses garotos! — disse mais como uma ordem recebendo o olhar confuso dela.

Lia o olhou com brilho nos olhos, talvez aquele olhar durou mais do que os dois queriam. Lázzaro queria ajudá-la... Ela sentiu seu coração aquecer com o gesto, sentia muito a falta de pessoas bondosas em sua vida, não conhecia nenhuma além das pessoas que a ajudavam com alguma esmola, muitos até mesmo reclamando e jogando o dinheiro no chão para que ela pegasse.

Fazia tanto tempo que Lia não dava um sorriso, que não sabia o que era felicidade. A última vez foi há dois anos, antes de sua mãe descobrir a doença que a matou, desde então foi vivendo entre desesperança, desamor, tristeza e maus tratos causados por sua tia e primos.

Mas por outro lado, ela também não queria incomodá-lo.

— Não precisa se preocupar comigo. — ela tentou dar um sorriso, mas saiu muito mais triste do que pensava — Obrigada pela gentileza de propor me ajudar, mas não quero incomodar.

— Não estou preocupado com você e muito menos sendo gentil. Quero apenas saber onde posso encontrar os garotos. — falou rudemente.

Na verdade ele odiava o fato de que alguém o visse como um homem gentil e bondoso. Seu pai lhe ensinara que deveria mostrar ser forte pondo sua prepotência e dureza acima de tudo e que o contrário disso o deixaria fraco e vulnerável.

Lia engoliu em seco pela indelicadeza do homem, mas queria acreditar sim, bem no fundo que ele era bom e queria ajudá-la. Viu isso em seus profundos olhos escuros.

— Eu não sei ao certo. — respondeu Lia em tom doce.

— Vamos, tente se lembrar! — Lázzaro apressou com impaciência.

— Bem... Após pegarem minhas coisas, eles entraram nessa rua aqui. Depois disso eu não consegui mais ver, até tentei correr atrás deles mas minha costela está doendo e também torci o meu pé. — contou limpando as lágrimas.

Ele engoliu em seco a próxima pergunta, mas foi inevitável, no entanto continuou se odiando por isso. Por estar se importando tanto.

— Uh. Aqui é seguro para você? — inquiriu hesitante.

— Acho que sim. Eu estou sempre por aqui. — disse ela.

— Então continue aqui que eu vou trazer seu dinheiro e seus gatos. E pare logo de chorar! — ordenou.

Lia apenas assentiu e continuou ali, esperando. Enquanto Lázzaro entrava no seu carro e sumia rua dentro no resgate de seu pouco dinheiro e dos seus gatinhos que resgatou da morte.

Por sorte ou por Deus, eles estavam intactos dentro da caixa quando ela desceu o barranco para procurá-los, trabalhou o dia todo com eles e ainda dividiu um pão com manteiga para os três, deixando assim de comer naquele dia.

O homem carrancudo e mal humorado seguiu pelas ruas estranhas e escuras, estava com muita raiva, e não sabia exatamente o motivo, só sentia queimando no peito. Olhando para os arredores ele avistou um pouco mais a frente um grupo de seis garotos grandes até para o seu gosto. Desta forma ele acelerou o carro e parou muito próximo a eles, chamando a atenção para si, quando desceu do carro tomado de antipatia.

— Me devolvam os gatos e o dinheiro que vocês roubaram da moça lá atrás! — ordenou exasperado com as mãos no bolso.

— Olha lá! Quem é você tio? Dando ordem aqui nas nossas quebradas. — um dos moleques disse.

— Me dê a porra do dinheiro e os gatos! Só vou pedir uma vez. — os meninos se juntaram todos a frente dele e levantaram os queixos em sinal de desafio.

— E o que vai fazer se a gente não quiser devolver as coisas daquela piranha? — um deles provocou.

A fúria que Lázzaro sentiu foi tão gigantesca que ele pegou o maior dos pivetes pela camisa levantando-o do chão, com um olhar de demônio raivoso um dos garotos gritou para devolver.

— Devolve, devolve. — o medo era aparente nas vozes deles.

— Muito bem. — satisfeito ele pegou a caixa com os gatos no chão e também o saquinho de dinheiro que foi deixado no asfalto.

Olhou para o lado e lá estavam, os garotos correndo de medo dele. Nunca tinha descido a um nível tão baixo, sua raiva pela garota só aumentou porque era culpa dela, ela quem o fez ficar estranho e sentindo coisas que nunca imaginou existir possibilidade de sentir.

— Aqui estão suas coisas! — exclamou quando voltou.

Ela levantou animada e muito aliviada.

— Obrigada, obrigada, obrigada! Eu não sei como te agradecer por isso. De verdade, eu não posso nem imaginar o que seria de mim se eu não levasse esse dinheiro pra casa hoje. — agradeceu com grande alívio percorrendo seu corpo antes angustiado e tenso.

— Isso não me parece muito dinheiro. Pelo seu desespero eu pensei que fosse uma quantidade maior. Você me fez quase bater em um garoto imbecil por causa de meros trocados! — grunhiu com irritação. Ela se encolheu e acariciou um dos gatinhos.

— Me desculpe... — murmurou sentida — Eu só não poderia voltar para casa sem nada, não me deixariam dormir do lado de dentro se eu não levasse pelo menos vinte dólares. Ainda tem os gatinhos, eu tenho quase certeza de que ela não deixará eu ficar com eles mas eu simplesmente não conseguiria viver sabendo que deixei os bichinhos inocentes na rua, sozinhos, com frio e fome. — concluiu ela.

O brilho nos olhos dela, a bondade, a pureza que exalava por sua face, era algo raro e único na vida cheia de maldade de Lázzaro na qual um queria passar por cima do outro não se importando com mais nada além de si mesmos.

Lia Hamilton era para ele, além de linda e delicada, também boa e pura, não via maldade, malícia em nenhuma parte dela. Nada que pudesse fazê-lo recriminá-la. Se viu surpreendido pela garota e quase sentiu naquele momento que poderia confiar nela.

— Seus pais seriam capazes de deixar você do lado de fora por causa de dinheiro? — indagou.

— Minha tia. Eu moro com ela e meus três primos. — respondeu ela.

— E seus pais? — a curiosidade era insolente para ele que não conseguia evitar fazer perguntas.

— Não os tenho... — Lia deu uma fungada segurando o choro, soluçando inevitavelmente.

Não sentia-se pronta para falar sobre aquela dor que era tão intensa quanto no dia que acontecera. A aflição em sua voz fez o coração de Lázzaro apertar-se, e nunca apertava por alguém além dele mesmo, no entanto percebeu que ela não queria falar sobre aquilo.

— De qualquer forma, tome cuidado da próxima vez.

— Obrigada. — ela mordeu o lábio e suspirou - Bom, eu já vou... E muito obrigada novamente. — deu seu mais sincero e puro sorriso.

Ainda assim, uma dúvida martelava dentro de sua mente, claro que não queria criar ilusões impossíveis, não era tola, mas não hesitou em parar e perguntar.

— Se me permite, o que o senhor estava fazendo por aqui? Mora perto?

— Estava dando uma volta quando vi você, e não, eu não moro perto. — respondeu ele com a sombrancelha arqueada — O que? Pensa que eu estava seguindo-a? Que vim até aqui por sua causa? — soltou uma risada incrédula e Lia se retraiu sentindo uma pontada no peito esquerdo.

Também não precisava dar gargalhadas.

— Não, é claro que não. — tratou de contornar a situação.

— Que bom, porque isso não faz o menor sentido. — a jovem se sentiu ofendida e engoliu uma saliva dolorosa.

— Exatamente, por que você viria atrás de alguém como eu, não é mesmo? — o timbre ferido não deixou escapar a tristeza.

Sempre era tratada com indiferença pelas pessoas, olhares de nojo e maliciosos, contudo estranhemente ela se sentiu intensamente abatida pelo comentário de Lázzaro. Como se o que ele pensasse, fosse importante para ela.

— Exatamente. — ela apenas se virou sem dizer nenhuma palavra a mais. Já era o bastante, não precisava de mais humilhação.

Se pondo a caminhar para longe, a menina foi para casa com a imagem do rosto encantador mas também as palavras rudes de Lázzaro martelando em sua cabeça. Sentia-se péssima, mais do que qualquer outro dia.

Era como se ele dá mesma forma intensa que fizera se sentir mais cedo quando cuidou de seu machucado, também fosse capaz de destruir seu coração com apenas uma palavra. O que não fazia o menor sentindo para ela já que havia o conhecido a poucas horas.

Mas, naquela noite o sofrimento de Lia estava apenas começando.

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