Capítulo Quatro: O Máximo

Capítulo Quatro

O Máximo

Eu ainda não sabia exatamente o que minha mãe fazia o dia inteiro, mas rumei para o escritório dela assim que saímos da reunião do conselho, com todo mundo atrás de mim. Quando vi que eu estava com uma caravana de sete pessoas atrás de mim, com Karmark se acrescentando assim que cruzamos a porta de saída, percebi que não ia dar muito certo.

O escritório era grande, mas estava adaptado para apenas duas pessoas trabalhando, minha mãe e Violeta e ver toda aquela gente me seguindo para dentro do escritório estava me dando falta de ar. Karmark foi quem percebeu minha cara de pânico e acariciou meu cabelo.

— Acalme-se, criança — pediu.

Violeta pareceu perceber o meu olhar ao redor da sala, contando todo mundo que me seguia e sorriu.

— Entendi — riu. — Sua mãe gosta de usar essa sala porque somos só nós duas, mas — ela apontou para uma porta ao lado de uma estante — ali tem mais umas três salas. Sua mãe as vezes usa a primeira. É um complexo preparado para um conselho real completo, como o seu, mas não é usado inteiro há séculos. Posso pedir que preparem para você, se quiser.

Olhei ao redor, a sugestão dela me pegou desprevenida e me congelei em meu lugar, engolindo a seco.

— Eu não quero desorganizar para quando minha mãe voltar — sussurrei, bem menos incerta do que estava fazendo que na reunião. Karmark estava ao meu lado e apertou meu ombro com carinho, entendendo o meu medo de perder Kathelynn. — Mas acho que posso dar uma olhada depois. Por agora, acho que não precisa ficar todo mundo aqui — dei de ombros. — Vocês não têm aula? — Perguntei às minhas amigas e ao meu irmão.

— Eu não — Lorena disse, enquanto Siena fazia careta. Ellen também deu de ombros e se entregou.

— E você não tem? — Kieran me devolveu, cruzando os braços.

A reação dos meus amigos me fez revirar os olhos e sorrir.

— Pode ficar hoje, Kie — disse-lhe. — Mas você vai ter que voltar ao normal em algum momento. Minhas aulas vão ter que ficar para depois, eu acho.

Ainda estava de pé no meio do escritório, sem saber o que fazer.

— Sim, princesa — Violeta sorriu para mim. — Acho que isso deve tomar boa parte do seu tempo.

Concordei com a cabeça, enquanto Sophia levantou a mão, pedindo para falar. Acenei, pedindo que fosse adiante.

— Gostaria que eu fizesse um compilado das leis que achei divergências em nossa jurisdição, vossa alteza? — perguntou.

Pisquei demoradamente, mas lembrei-me do livro que tinha me apresentado de manhã. Ela tinha dito ter achado outras coisas importantes, então concordei com a cabeça mais uma vez.

— Claro — agradeci-a. — Se puder separar para mim o que quiser que eu dê uma olhada... — ela se animou e saiu para buscar o livro, levando Ellen e Siena, muito decepcionada, junto consigo. — Vocês nunca souberam dessa lei? — perguntei à Violeta.

Ela deu de ombros.

— Não tivemos uma verde em nosso conselho — explicou. — E a nossa azul não era muito favorável às políticas progressistas — percebi que ela deu uma olhada de rabo-de-olho para Lorena, mas a garota não se abalou. Não parecia se importar com o passado de traição de sua mãe, e não devia. Já tinha se provado fiel para mim. — Na verdade, não temos uma verde em um conselho há alguns bons reinados.

— Engraçado — Karmark pontuou. — Meus pais sempre diziam que as verdes eram maioria.

— Elas vivem mais — Violeta explicou. — Mas não são muito propensas à procriação; as amarelas também não. Se aplicarmos essa regra dos dez no conselho geral... Provavelmente ficarão umas duas verdes — deu de ombros.

Encarei Lorena com minha cabeça explodindo e ela também deu de ombros, mas sorrindo. Não fazia ideia do que fazer.

— Posso usar a outra sala, talvez? — Pedi, vendo Violeta se acomodar na mesa que costumava usar. — O que é preciso que eu faça?

Quase me arrependi de ter perguntado. Ela me passou uma série de documentos e cartas que eu não conseguia ler, com rotas de comércio, pedidos de extração, demandas de terras vassalas, problemas em vários locais do reino e demandas internas, das fadas, que só essas acumulavam uma pilha de pelo menos meio metro. Ela sorriu, um pouco encabulada, e notei que algumas coisas deveriam ter se acumulado porque ela não sabia exatamente o que fazer no lugar de minha mãe.

— Eu vou dar um jeito — murmurei. — Se quiser, pode ir vê-la. Vou dar uma olhada nessas coisas e separar o que eu tiver dúvidas para quando você voltar.

Ela ficou muito grata.

Então, éramos apenas eu, Kieran, Lorena e Karmark na sala bagunçada. O último percebeu que não seria nada útil no momento e, com toda delicadeza que tinha, reverenciou-me e saiu atrás de Violeta.

Kieran levantou-se em um pulo e cruzou a porta das outras salas.

— Não sei você, mas eu vou dar uma olhada aqui — e saiu por ela.

Não tinha muito tempo para brincadeiras, mas ficaria bastante satisfeita em encontrar um lugar para trabalhar que não atrapalhasse a dinâmica de minha mãe quando ela voltasse, então peguei uma pequena porção dos papéis e o segui, com Lorena em meu encalço.

— Não precisa ficar assim tão nervosa — ela me sugeriu, quando atravessamos a porta para um corredor. — A gente está aqui pra te ajudar. E sua mãe vai ficar bem, só não podemos fazer nenhuma besteira tão grande até ela melhorar.

Sorri para ela, um pouco triste. Não tinha certeza se minha mãe conseguiria ficar bem, não depois do que tinha visto. Queria visita-la novamente, mas ainda estava apavorada com a visão e... Estava sendo covarde.

Deixei meus pensamentos de lado para observar o corredor. Kieran estava indo à frente, abrindo as portas e soltando muxoxos decepcionados, fazendo Lorena rir, mas eu parei à primeira porta, notando a maçaneta cravejada de pedras rosas. Olhei dentro e era um escritório simples e estava limpo, o que indicava que era o que minha mãe costumava usar. Coloquei a pilha de papéis na estante e chamei a luz com apenas uma mão, iluminando melhor o aposento. Satisfeita, segui adiante. A porta seguinte era cravejada de pedras tons de laranja, a terceira tinha pedras verdes, mas Kieran tinha alcançado o fim do corredor e soltou uma exclamação animada que me fez ir até ele.

A última porta era a cravejada de pedras vermelhas e olhei para trás, percebendo que cada porta era dedicada à uma casta. Contei sete, franzindo a testa. Talvez houvessem salas de reuniões. Dei de ombros e segui para dentro da sala vermelha, ouvindo Lorena:

— Isso aqui é que é um escritório de uma rainha!

Estava empoeirado, com toda certeza, mas empurrei a luz para dentro, vendo que era muito maior que a sala rosa que eu tinha entrado. Aquela era uma sala que dava para atender todas as pessoas que me acompanharam, com certeza. A mesa de trabalho estava um pouco desgastada e a cadeira, apesar de antiga, parecia bastante confortável; havia uma estante grande cheia de livros velhos e empoeirados, bancos de madeira e uma grande mesa para reuniões. Tinha uma porta ao lado da área de trabalho e eu abri-a, curiosa, tossindo ao cheio de mofo para encontrar um quarto ainda maior que o da torre da quebra e um banheiro no fundo.

Com certeza, alguns móveis precisavam ser trocados e algumas redecorações poderiam ser necessárias, mas Lorena tinha razão. Não entendia porque minha mãe não fazia uso daquelas salas.

Quando saí do quarto, apertando o nariz, senti meu corpo inteiro relaxar ao ver meu pai parado à porta da sala, parecendo curioso e impressionado. Corri em sua direção e apertei-o em um abraço, chamando a atenção de Kieran, que estava cutucando uma planta morta há muito tempo, no canto da maior janela do escritório.

— Oi, filha — ele beijou minha cabeça e Kieran se jogou contra nós dois, e ele o beijou também. — Oi, filho.

Lorena arriscou uma leve reverência em nossa direção e discretamente saiu da sala. Imaginei que ela iria procurar a sala com pedras azuis, com certeza.

— Desculpa por ter te chamado, está tudo uma bagunça aqui e eu... não sabia o que fazer — murmurei para ele.

Sentia sua amargura em meu toque, a dor que ele estava sentindo com o que estava acontecendo com minha mãe, com sua traição. Ele mal conseguia me olhar nos olhos e imaginei que fosse nossa semelhança que lhe causava desconforto.

Nós testamos os bancos da mesa de reuniões e dei um geral do que havia acontecido desde que chegamos.

— A amarela que está cuidando dela disse que a gravidez está avançando rápido — Kieran contou o que havia descoberto naquela manhã. — Que a mamãe não estava grávida quando viajou para Agulha no aniversário da Mi.

Ele desviou o olhar, envergonhado com a sugestão no ar, mas eu precisava ir adiante.

— Se for verdade, pode ser sua? — perguntei, sem rodeios.

Tharlion estava lívido e era difícil dizer quem estava mais encabulado, ele ou Kieran, mas concordou com a cabeça.

— Mas... você disse que ela parece estar com a gravidez avançada — ele ponderou e eu concordei. — Não conheço nenhum caso assim entre os elfos e nem em outra espécie.

Eu meneei a cabeça.

— Não sei, pai — dei de ombros. — Mas pode ser algo na mistura de vocês que deu errado, mesmo que tenha dado certo antes — era minha esperança. Se fosse, nossa magia era compatível e ia dar para ajudar minha mãe. — Só sei que ela está muito mal e eu... eu preciso que você vá vê-la e tente fazer algo por ela. Por favor. Não consigo sozinha.

Tharlion piscou e deixou um sorriso triste em seus lábios. Beijou minha cabeça com carinho.

— Você não está sozinha, minha criança — disse-me. — E nunca vai ficar. Tudo bem? — engoli a seco ao vê-lo olhar em meus olhos pela primeira vez desde que chegara, me deixando lê-lo através de nossa ligação pelo fogo. Estava fazendo menção ao passado da primeira híbrida, que ficara sozinha e destruíra nosso mundo, mas, ao mesmo tempo, pude ver seu sofrimento, suas noites sem dormir e a amargura que sentia de minha mãe agora ser transferida para ele mesmo, com a ideia de que talvez ela não o tivesse traído. — Vamos, então. Qualquer segundo importa.

Pedi para Lorena dar uma olhada nos papéis que deixei na sala rosa quando passei por ela, no corredor. Estava parada ao lado da porta, espiando a sala azul com curiosidade. Ela concordou, sem ponderar, e segui meu pai e meu irmão para a torre da quebra.

Não conseguia entender as escolhas de minha mãe e não conseguia entender como aquela gravidez poderia deixá-la tão doente. Nunca tinha visto nada assim na Terra e embora não tivesse visto nenhuma gravidez mágica, também não achava que aquilo fosse normal.

Quando entramos no quarto de minha mãe, Violeta estava sentada à sua cama e contava alguma coisa para ela com um sorriso, acariciando seu rosto. Ao nos ver, contou para minha mãe que estávamos ali, os três, e ela virou o rosto em nossa direção com dificuldade. Meu coração se partiu ao ver os dois se olhando, minha mãe com lágrimas nos olhos e meu pai com o corpo rígido com a visão do sofrimento dela. Ele foi o primeiro de nós a caminhar em sua direção e ajoelhou ao chão, no pé da sua cama. Sua mão procurou a dela e a acariciou com cuidado, com medo que se quebrasse.

— Kath, o que você fez? — perguntou, em um sussurro.

Ele beijou a mão da minha mãe e se encolheu sobre ela.

— Podem nos deixar a sós? — Pedi para Violeta, e a azul e a amarela, Ana e Marcela, que estavam de plantão. Elas se levantaram e se retiraram, prestativas, ao momento de intimidade entre meus pais.

Minha mãe se esforçou para acariciar os cabelos loiros de meu pai com a outra mão. Sua barriga parecia maior desde o dia anterior, ou talvez ela tivesse se encolhido um pouco mais.

— Meu amor... — sussurrou. Sua voz tinha melhorado um pouco, ao menos isso. — Eu... eu fui... longe demais.

Meu pai levantou o rosto para olhá-la e senti um calafrio em minha espinha. Não sabia o que significava e sondei-o pelo fogo para ter sua impressão; ele tampouco. Mas ambos sabíamos que não significava boa coisa.

— Crianças — ele chamou, sem conseguir tirar os olhos dela. — Venham aqui. Deem as mãos — fizemos o que ele pediu, sem nem questionar. — Vou filtrar o fogo de vocês. Principalmente de você, Michelle. Vou precisar de tudo.

Kieran e eu concordamos com a cabeça, sem nos importarmos. Eu aceitaria ficar pior que minha mãe se isso lhe fizesse melhorar; apostava que Kieran e Tharlion se sentissem da mesma forma.

Kieran se sentou ao lado de meu pai e eu permaneci de pé, com as mãos em suas costas. Minha mãe olhou pra mim e sorriu; eu continuava em minhas roupas de gala e com minha coroa na cabeça, tal como Kieran. Minha escolha provavelmente a agradava.

Meu pai também levou as mãos à barriga de Kathelynn, como eu e Kieran fizemos no dia anterior. Fechou os olhos e eu empurrei meu fogo pelas suas costas, sentindo Kieran fazer o mesmo em seu braço. A corrente estava tão forte que as veias de meu pai ficaram em laranja brilhante em seu braço claro, refletindo em suas mãos em contato com a bola protuberante da barriga de Kathelynn.

Peguei-me rezando para minhas crenças cristãs, pedindo que isso ajudasse minha mãe de alguma forma. Em Lammertia, as pessoas cultuavam a natureza e apesar de ter minha ligação completa com cada um dos elementos, acabei voltando a pedir para o Deus que fui ensinada a acreditar; talvez, no fundo, fosse a mesma coisa, afinal.

Não estava dando certo. Dobrei meus joelhos e respirei fundo, fechando meus olhos e pedindo ainda mais ao fogo para seguir para meu pai. Tossi, sentindo minha barriga doer com o esforço, bem onde meu pai disse que era o ponto central do poder. Mordi meus lábios e deixei uma lágrima escapar porque eu sabia que não estava dando certo. Sentia no fogo, sentia através do meu pai.

Mas ninguém desistiu. Kieran caiu aos pés da cama, quase desmaiado com o seu excesso alcançado. Eu e meu pai ainda tínhamos alguns giros para rodar, mas minha mãe segurou em seu braço.

— Querido... chega — pediu. Meu pai parou, contrariado, e empurrou-me um pouco do fogo de volta, ao que eu aceitei, ajoelhando-me ao seu lado, exausta. — Está... está tudo bem. Eu amo vocês. Obrigada.

Apertei o ombro de meu pai, querendo lhe passar algum conforto que eu mesma não tinha. Ofereci uma das mãos para Kieran, que estava um pouco tonto, mas tinha conseguido se sentar novamente. Ele aceitou e eu ajudei-o a se levantar.

— Vem — chamei em um sussurro. — Vamos deixar eles.

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