3. Continuação

Quando o corredor desembocou em uma área mais ampla, que dava acesso à escadaria, tomei ainda mais cuidado com os meus movimentos. O chão é as paredes brancas estavam repletos de manchas de sangue. O cheiro era tão forte que me obrigou a trancar a respiração.

O cheiro ou a meia dúzia de monstros que se reuniam no canto da sala. 

Eu pude ver algumas partes que apareciam por baixo de montoeira de corpos: pernas, braços, cabeças completamente desfiguradas. As coisas banqueteavam-se em meio a cadáveres ensaguentados e me obriguei a desviar o olhar para não enlouquecer. O impulso de vomitar me dominou de novo, mas precisei ignorá-lo.

Passei a me mover lentamente as costas coladas na parede atrás de mim sem me importar se manchava a blusa polo branca do meu uniforme. Estavam distraídos, faziam sons guturais e era possível ouvir o barulho de carne se rasgando conforme jogavam as cabeças para trás, puxando violentamente pedaços em seus dentes. O cheiro de morte e podridão fazia meu nariz doer.

Logo ao chegar na escadaria vi que três deles- dois com uniforme, mas que eu não consegui identificar e outro que eu conhecia: uma professora do jardim de infância - subiam vagarosamente as escadas. O barulho do banquete de seus colegas os atraíra pensei. Assim que seus olhos pousaram mim, percebi seus movimentos se acelerando, conforme os olhos cheios de veia se arregalaram. Entraram em modo de caça pensei comigo mesma.

Subi as escadas com pressa, rumando para o terceiro andar do prédio de salas de aula, ignorando o barulho que eu estava fazendo. Como eu queria gritar igual a uma idiota em perigo e esperar ajuda. Por que eu precisava continuar correndo?

Eu estava completamente fraca de medo, tendo noção que o terceiro andar era o último daquele prédio. Havia outra escadaria além da que eu usava, mas ficava no final de um longo corredor e seria a minha única saída, caso aquele andar estivesse ainda pior do que o de baixo. Eu corria como um rato e temia estar em direção a armadilha que eu mesma criará.

Tropecei no último degrau movendo as pernas rápido para não cair no chão, mas me desequilibrando. Olhei pra cima com medo de ter chegado atraindo a indesejada atenção de qualquer coisa que gostaria de comer a minha cara.

Os olhos verdes que captaram os meus porém não tinham nenhuma semelhança com os olhos dos meus predadores.

Parei aí me equilibrar e fechei os olhos no menino que saia da sala da coordenadora como se fosse um dia comum em que ele acabará de levar uma bronca. Usava o mesmo uniforme que eu seus olhos eram verdes, os cabelos castanhos claros e seu nome era Guga. Ele também estava no terceiro ano e estudava na sala C enquanto eu estudava na B. Estava completamente inteiro, se não fossem algumas gotas de sangue no pescoço, manchado levemente a gola da camiseta. Eu não consegui identificar qualquer sinal de machucados ou da infecção.

Com a mesma surpresa ele me encarou de volta, imóvel. Senti que meu coração cavalgava, provavelmente diante da surpresa de ver outra pessoa viva. Pensei que ele deveria estar se sentindo o mesmo. Ficamos parados nos olhando por pouco segundos, mas o tempo pareceu parar por anos enquanto meu corpo se enchia da alegria em ver algo diferente daqueles monstros, ainda que fosse uma pessoa que eu mal conhecia. Uma brisa chegou até o meu corpo, causando uma sensação gélida e arrancando-me do transe.

Guga? A pergunta era neurótica. Seu nome era Guga Benedito Ferreira e eu sabia disso, embora nunca tenhamos trocado mais do que duas palavras (se quer havíamos conversado algum dia?) Na vida. Eu estava naquele mesmo colégio desde o quinto ano enquanto Guga entrou somente no ensino médio. O motivo de saber o seu nome era porque ele também praticava esportes e mais de uma vez já fomos a campeonatos nacionais de esporte no mesmo ônibus escolar, mas também porque minha amiga Duda estava sempre falando dele.

Ele usou as sobrancelhas franzindo a testa. Não sabia o meu nome. Não senti qualquer ressentimento afinal meu contato com os terceiranistas de outras turmas era resumido as garotas que treinavam handbol comigo.

Sua expressão clareou.

Roberta - falou para minha surpresa. Ouvir a sua voz me causou um alívio conforme percebi que era a primeira voz - não gritos - não humana que chegava até meus ouvidos em horas.

Então os grunhidos atrás de mim nos arrancaram de nossos devaneios bobos. Guga começou a correr vindo em minha direção.

Anda, vem! Senti sua mão se fechando em torno do meu pulso e uma paixão logo antes dele começar a correr. Sem qualquer delicadeza ele me arrastou atrás de sua enquanto eu tentava encontrar equilíbrio. Não protestei apesar de não ter gostado nada - tem mais gente viva aqui em cima...

Ah sim...

Eu estava salva então!

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