Amber, Billy e... Cadê a Mary?

Como em qualquer outro dia Amber estava na escola pela manhã. Estava sentada em sua carteira pensando na discussão da noite passada e no visitante estranho que tivera.

Os outros alunos haviam saído da sala, isto devido á troca de professores, um saía e o outro ainda não chegava, então os alunos se aproveitam para perambular pelos corredores da pequena escola. Só estavam em sala ela, Filipe o seu colega geek que criava o computador como bicho de estimação, o aluno novo e Marina a aluna que até o presente inicio de segundo bimestre não fedia nem cheirava. Eis então que o aluno novo se aproxima para conversar com Amber.

Por mais que estivesse cansada da noite anterior e com uma forte dor de cabeça ela procurava mostrar atenção ao seu colega e se reclinava para ouvi-lo. Esperando sua voz ser finalmente emitida.

Para Amber era difícil prestar atenção no que ele dizia, sua boca se movia, mas não se ouvia nada, Amber achava impossível não correr os olhos pelos movimentos tímidos dos braços de seu colega, não prestar atenção em seu interesse, em seu cuidado em parecer descuidado, ele estava perdido nas palavras e ela não esperava essa atitude dele. O imaginava galanteador, misterioso, ao menos um pouco mais complexo.

Muito ela havia deduzido dele, e até especulado com sua amiga Mary, mas não tinha um perfil do que ele de fato era talvez fosse um garoto de outro estado, ou ainda de outra cidade ao menos.

Não tinha percebido sotaque nele, porém ele só havia falado cerca de duas vezes em sua presença. De modo que nada identificou em sua fonética.

Embora fosse de corpo esguio não era atlético, não aparentava ser preguiçoso, na realidade parecia ser uma folha em branco para ela. Nem sempre a primeira impressão se é a correta.

Ele se aproximou ainda mais e sem o menor jeito continuava o diálogo com Amber, se apresentando cordialmente pelo seu nome. Ele parecia tão nervoso quanto ela, pela situação que havia se colocado mentalmente e por isto foi direto.

– Olá meu nome é Billy. Tudo bem?

– Oi Billy sou Amber – Disse ela dando um pequeno resquício de sorriso pelo canto da boca tentando transparecer cortesia. Havia lido em algum lugar que se deveria ser cortês com as pessoas. Era o básico da educação.

– Como deve ter notado sou novo aqui, e gostaria de saber se posso montar dupla com você? A professora Eleonor irá passar uma atividade de formulação de poemas e algo me diz que você deve ser muito boa nisso. Sabe, levo a sério os estudos e notei que os outros não são tão devotos assim.

Amber corou orgulhosa de si, sabia que era ótima com poemas e letras de prosa, mas ouvir isso de alguém… para ela não tinha preço! E ainda numa boa parcela de vergonha nessa situação simplesmente conseguiu dizer – Claro que pode... Sente-se – e parou para pensar. – Nossa! Ele falou devoto? Algo? Leva a sério os estudos? Ou ele é o maior mentiroso da face da terra ou encontrei alguém igual a mim! Ela sequer pensara bem do rapaz, pensava que ele era mais um despreocupado-baderneiro como tantos outros de sua escola. Apenas uma casca artificial, como os rapazes e as moças que vez ou outra era obrigada a conviver de modo que não se isolasse completamente.

A aula passou rápido, já por volta da metade do período Amber largou sua caneta e disse a Billy que havia acabado.

– Mas já! Deixe-me ver.

– Não sei se é uma boa idéia...

– Bobagem – Falou o menino sorrindo para ela.

Amber refletiu vendo os traços de Billy e se sentiu segura. Então deixou que ele lesse ao poema. Ele lia os versos correndo os olhos, lendo para si mesmo em sua voz interior:

Em meu diário anotei

Na capa negra de folhas mofadas.

Com caneta de ponta afiada

Igual a uma adaga.

Que aos poucos rabiscava meus sentimentos

Como uma pedra rolante

Anotando todos os dias

Corte de sentimentos não quero os ouvir!

Em meu diário anotei

O que me causa medo.

O que me faz falhar

E eu quero ver onde isso vai dar

Quero dizer algo? Ou só quero brincar?

Billy viu a beleza que havia nos sentimentos de Amber. Sua poesia era vivência, ela transformou um acontecimento de sua vida num relato presente. Embora não fosse um amante de refinadas artes sabia o que havia ali. Um alguém de muito talento e uma atitude que estaria longe de ser frágil. Talvez fosse esse o mais alto poderio de uma memória, traçar uma reta entre acontecido e fato trazendo um olhar poético para confundir e enganar. E ela havia descrito seu medo, talvez a assombração da noite passada, mas no fim indagou que poderia não estar tão amedrontada assim, o medo se mesclava com curiosidade.

– Eu sei é estranho...

– Achei lindo! Maravilhoso mesmo! Gosto de escritas obscuras, algumas rimas de escritores consagrados são muito infantis. Leia o meu.

Amber pegou o caderno de Billy, sua capa era feita de collagens, ela conseguiu notar microorganismos e células, mais ao fundo uma guitarra Stratocaster nos moldes de uma Fender. Sem mais delongas começou a ler o poema.

Lá de longe vejo

Em silêncio, em chamas.

Em puro desejo

Sem lembranças.

Não a conheço,

Mas conhecerei

Seu belo nome

Peloamenos já sei.

– Muito bom, está um pouco curto, mas não perde o charme. Contudo não o entendi.

– O poema?

– Não, aonde quer chegar com ele!

– Isso depende de você. – Disse inocentemente de forma erronêa naquela situação.

– Como assim de mim? – Disse ela em dúvida. Estava desconsertada, não esperava aquele tipo de cantada por parte de Billy, não naquele momento.

Amber pensara que assim como ela Billy tivesse aplicado um evento à poesia e rapidamente deduziu que ele estava transpondo na mensagem uma cantada escrota.

– Até a saída você pode me dizer... Amber – Disse o menino que reforsou sem querer a tese da jovem Amber.

Mil coisas perpassaram-se sob a cabeça dela, mas uma única prevaleceu, pois era o argumento mais forte e sensato. Algo que qualquer garota decente diria. – Vou dizer agora, acabei de lhe conhecer colega e se acha que vai fazer comigo o que quiser está enganado!

– Fale baixo alguém pode ouvir! Isso não passou pela minha cabeça eu juro, só estava brincando – Disse o jovem com medo que alguém ouvisse a interpretação errada de Amber.

– E o que queria ouvir de mim como disse no poema...

– Que um dia vou ser seu amigo.

– Como assim? Você deve ter muitos amigos, suponho.

Ela já não entendia bem o que estava acontecendo, pensava que ele tentava se aproveitar dela, com cantadas fúteis e toscas, enganá-la e surrupiar seus sentimentos, mas não era nada disso o que estava acontecendo.

Amber não teria como saber o que estava ou não prestes a acontecer. Nunca havia passado por uma situação como aquela, ouvia muito de garotos só que na realidade sabia pouco deles. Não sabia que poderiam ser sentimentais ou que se importassem com o que falavam deles. Ber não lhe contava tais coisas, quase nunca conversava destes assuntos com ele e sempre que tentava ele mudava de assunto o mais rápido possível, fugindo de perguntas como o Cascão foge da chuva.

Ela estava acostumada com seus colegas de sala que, bom, existem os baderneiros e os “Filipes”, que transitavam entre o calmo-pacífico a selvagem-irracional.

– Te achei tão legal, vim de uma cidade pequena ao sul chama-se Alcatrane chutz, na verdade tá mais para um vilarejo de colônia alemã, além do que tinha poucos amigos, mas ótimos e agora não me resta nenhum. Não creio que viajarão quatro horas de carro para me visitar sempre. Minha mãe disse que seria bom eu fazer amigos sabe, por ter acabado de me mudar.

– A fama que nós garotos levamos, de oportunistas, surrupies de vergonhas, nem todos nós somos assim, os pais das meninas devem falar tantos exageros que elas até ficam com o pé atrás no primeiro passo para uma amizade. – Pensava Billy em seu interior tempestuoso, por se abrir tão intensamente para sua colega que havia acabado de conhecer. Não costumava agir assim, na realidade preferia manter seus sentimentos imersos de modo que ninguém os visse.

– E eu que achei que você estava me caçoando. Sabe você pode vir na minha casa, depois da aula, claro se quiser, sinto muito por ter causado um mal-entendido. Fui com seu rosto desde quando nos falamos, mas ao ler o poema… não sei o que me deu.

– Mas e seus pais, não iriam brigar de um menino visitando uma garota? Ainda mais que tecnicamente não nos conhecemos?

– Eu moro com a minha mãe, ela trabalha o dia todo e meu irmão também! E acho que ninguém precisa ficar sabendo de tudo. Entende-me? O povo é muito maldoso.

– Não sei não, acho que seria estranho como você mesmo me interpretou errado há alguns segundos. Sua mãe não estará presente entende? Não quero deixá-la mal falada por nada.

Amber não queria ser fútil, mas a situação pedira isto. Deixou o rapaz constrangido com sua interpretação equivocada sem contar que estava petrificada de medo da assombração do dia anterior, então uniu o útil ao agradável.

– Vamos lá! Que se dane os outros, também me entendem errado nem por isso é o fim do mundo. É uma cidade pequena de toda forma terão o que falar só do fato de termos feito amizade.

– Tá bem. Mas por que a insistência? Sou tão irresistível assim? – Perguntou em risos.

– Vi algo estranho em minha casa e sempre que estou sozinha tenho arrepios, já procurei por Rosemary minha amiga, mas não a achei, acho que ela saiu com sua mãe, e Filipe… veja só – Apontando para o jovem que falava do computador de novo com um colega mal-humorado, que parecia saber exatamente do impressionante desempenho de um computador com 512 de memória RAM.

– Tudo bem quando sairmos da escola irei com você, acho que vai ser bom para mim sabe? Construir amizades, além do que se tem uma assombração na tua casa gostaria de ver!

– Então não temes a um espírito agourento? Ora, pois eu aqui morrendo de medo de ficar só em casa e você aí louco para ver um. – Disse imitando sotaque de uma velha portuguesa.

– Sim, acho que temeria, mas até hoje não os vi. Embora acredite que vagam por aí sabe.

– Tem sorte de não os ter visto.

– Sorte? É muito mais difícil acreditar no que não vejo.

– Vai por mim é bem melhor para tu não os ver. – O seu semblante mudara, dando a entender que de fato via coisas sobrenaturais.

– Então você os vê mesmo? E como é? – Disse Billy surpreso. Por um momento achou que era uma brincadeira da garota, embora não fosse o melhor tema para uma brincadeira, Billy pensara melhor e chegara a essa brilhante conclusão. Se sentiu aliviado da jovem não ter se ofendido, provavelmente não havia interpretado seu julgamento maldoso, em sua cabeça fazia sentido que tudo isso fosse uma grande mentira dela.

– São seres comuns acho… na medida do possível, embora haja alguns muito amedrontadores. São como a pessoa viva compreende? Só que com uma personalidade inflada, mortos são muito sensíveis.

A conversa se seguiu pelo restante da aula e Billy reunia detalhes que automaticamente faziam sua tese cair por terra. Afinal se ela mentia como conseguia reunir tantos detalhes sem cair em contradições?

...

No intervalo Amber rodava e rodopiava atrás de Mary numa esperança que sua amiga tivesse vindo à escola e que apenas não tivessem se esbarrado no pátio. Afinal queria contar tudo a ela, mas onde Mary haverá se metido?

Pelo visto ela não havia vindo de fato à escola. Ela adorava sair de Granada com sua mãe e ir ao Rio grande do Sul visitar lojas e centros urbanos, era algo mágico para as duas. Quando faziam isso passavam o dia inteiro fora e só voltavam tarde da noite, pois além da viagem ser longa, ficavam também absortas diante de tantas opções, de uma infinitésima diversidade para se escolher o que comprar.

– Fazer o quê? Vou passar o intervalo com o Billy, ele também está só – Pensava Amber aliviada ao ver o jovem no canto, pois não teria de passar seu tempo livre só. Poderiam passar o intervalo a “sós-juntos”?!

Quem parecia não gostar nada disso era Filipe. Olhava feio para os dois juntos, poderiam estar só se falando, porém para ele parecia que estavam fazendo obscenidades enquanto comiam o lanche da escola.

Billy estranhou o lanche. Estudavam de manhã e por isso a comida consequentemente era de café da manhã. Havia duas opções, mingau de chocolate ou pão com ovos e leite com café. Billy escolheu a segunda, pois lhe parecia a mais consistente, além de não ser tão doce, detestava algo doce pela manhã. Na outra escola comia a refeição do almoço.

Amber ficou durante todo o intervalo de conversa com Billy. E assim se passou este seu dia na escola, ela não conhecia bem a Billy, mas sabia que Filipe não iria com ela, justamente por estar com a recém-chegada internet em sua casa, então só restava a este colega, o recém-chegado.



N.T: Adaga é uma espécie de lâmina com cabo semelhante a um punhal ou a uma faca.

N.T: Memória RAM é o modo de medição de velocidade de um computador ou dispositivo eletrônico, representa o valor de uma peça dentro do aparelho.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo