Três

Antes que eu pudesse abrir os olhos, já percebia a falta dele na cama. O único rastro de sua presença, era o cheiro do perfume que ainda estava impregnado no travesseiro.

Sorrio e passo as mãos pelo meu rosto, relembrando os melhores detalhes da noite passada. Ela havia sido única, maravilhosa e me renderia banhos longos.

Pulo da cama e levanto o colchão. Pego a chave do cadeado e vou até o armário. Depois de abrir o pequeno cadeado, retiro uma lingerie, calça jeans e uma blusa de frio. Tranco-o e vou para o banheiro.

Só tinha um chuveiro, uma pequena pia com um espelho acima e um vaso sanitário. Coloco minhas roupas em cima do vaso e vou para o chuveiro. Deixo que a água quentinha escorra pelo meu corpo e não mexo um músculo. Estava sentindo umas fisgadas no pescoço. Era como se Liam estivesse por ali, raspando sua barba, enquanto sua mão tocava a minha intimidade.

Balanço minha cabeça e arfo.

Por que estou pensando nele? Foi apenas um cliente. Mais um cliente.

Termino o banho rapidamente, evitando pensar em Liam novamente. Seco-me e visto a roupa escolhida. Depois de escovar os dentes, penteio o meu cabelo negro e o prendo em um rabo de cavalo alto. Volto para o quarto e puxo de debaixo da cama, uma bota de cano médio preta. Quando acabo de calçá-la, escuto duas batidas na minha porta.

Era Gabriella. Minha melhor amiga nesse lugar.

— Aonde vamos hoje?

— Sei lá! — me levanto. — Só quero sair um pouco daqui e caminhar.

Ela me olha desconfiada, com aqueles enormes olhos castanhos.

— Por quê? Fiquei sabendo que sua noite ontem foi bem maravilhosa.

— Como assim? Bem, vamos deixar para falar lá fora.

Pego uma bolsa pequena e saio do quarto com ela. Era cerca de dez da manhã, então não havia quase ninguém acordado. A noite havia sido longa.

— Agora fala! — Gabi exclama, quando saímos no frio londrino. — O que você fez com ele?

— Você sabe o que acontece no quarto.

Ela bufa.

— O homem só foi embora às seis da manhã. Eles nunca vão embora quando o sol está aparecendo.

As seis?

— Sério?

— Não sabia? — balanço a cabeça negativamente e atravesso a rua. — Nossa... mas como foi?

— Amiga, foi... diferente. Eu senti aquilo. Foi a coisa mais intensa que já vivi na minha vida. A sensação... foi a coisa mais louca. Nossa... — solto uma risada.

Era só eu fechar os olhos, que as imagens da noite passada invadiam a minha mente.

Faço sinal para o ônibus que vinha e nós subimos.

Quando saio para passear, não costumo ficar pelas redondezas da casa. Aqueles comerciantes dali, não nos respeitam. Ficam nos xingando e expulsando-nos dali. Então eu prefiro pegar um ônibus e ir para o outro lado da cidade.

— E quando ele volta? — ela pergunta.

— Não sei.

— Não falaram sobre?

A olho.

— Não falamos nada! Bem... ele perguntou meu nome de verdade. Fiquei intimidada. Mas depois tudo ocorreu bem.

— Você falou?

— O que?

— Seu nome.

— Ficou louca? — aumento a voz. — Nunca!

— Calma!

Respiro fundo.

Não gosto quando falam sobre meu nome ou pedem para que eu me abra. A resposta sempre será NÃO, para essas coisas. Diante de tudo o que eu já vivi, prefiro me manter na minha.

Ela começa a falar como foi a noite passada, com seu sotaque brasileiro engraçado.

Entramos na primeira cafeteria a nossa frente. Não era nenhuma cafeteria famosa e super frequentada. E sim uma daquelas cafeterias bem antigas.

Nos sentamos nos bancos altos e uma garçonete se aproxima.

— O que desejam?

— Panquecas com um cappuccino. — peço.

— O mesmo.

A menina nos lança um sorriso e se afasta.

— Ah amiga... — Gabi se espreguiça — Estou cansada. Queria uma folga hoje.

— Noite foi pesada?

— Três.

— Nossa. — ela ri. — Novos?

— E lindos. Era aniversário de alguém.

— HAHAHAHA que sorte.

— Está reclamando daquele homem? — ela arregala os olhos para mim.

— Jamais.

Sorrio para ela e focalizo o meu olhar na madeira suja do balcão. Qualquer hora, era hora de pensar na noite passada. Pensar nos beijos dele. Pensar em sua grande mão me tocando.

Como eu queria viver aquilo de novo.

— Mad! — Gabi chama.

— Que?

— O seu pedido.

A olho confusa e então ela aponta para o balcão.

— Ah...

Tento - em vão - afastar as lembranças de ontem e começo a comer. Estava muito bom. Panquecas com caramelo era realmente um vício. Já não sabia viver sem.

Era domingo e estava quase na hora do almoço, então aquele lugar estava lotado. Enquanto eu tentava arrastar Gabriella para a livraria, ela queria ficar encarando e flertando com os meninos que tinham por ali.

— Se você não quer, pelo menos me deixa paquerar alguém. — reclama e se enfia em um dos corredores da livraria, soltando-se de mim.

Reviro os olhos e faço o mesmo que ela.

Passo meus dedos pelos livros expostos e suspiro. Eram todos de romance, daqueles bem impossíveis.

Viro-me e observo a segunda fileira da estante. Um livro grosso, com uma linda menina de olhos azuis na capa, chama minha atenção. Ele se chamava Belle.

Passo os dedos na capa e viro, para ler a descrição.

" Belle Cooper só tinha 15 anos quando sua vida muda para sempre. Morava em um bordel em Londres, administrado por sua mãe, mas nunca entendeu de fato o significado que esta casa tinha. Era proibida de circular pela casa à noite e sua mãe era uma mulher dura, de poucas palavras e quase nenhuma emoção evidente. Mog, a empregada, era praticamente sua mãe verdadeira. Não a teve, mas foi ela que cuidou de Belle, que a colocava para dormir e fez dela a adolescente inteligente, educada e esperta. A mãe de Belle, Annie, fez questão que ela frequentasse a escola, mas não queria enviá-la a uma escola interna, longe do bordel, longe delas. Quando Belle conhece Jimmy Reilly, o sobrinho de Garth, dono de um bar vizinho, percebe que, pela primeira vez na vida, ela acredita que terá um amigo.

Porém Belle, neste mesmo dia, acaba descobrindo o significado de bordel e prostituta quando ficou presa no quarto de uma das garotas da Casa de Annie. Mais do que o ato em si, ela presencia o assassinato de Millie. Dias depois é sequestrada pelo assassino e vendida a um bordel em Paris. E é a aí que o livro começa a chocar. Abusada, explorada e ferida, Belle quase morre, mas é comprada por outra pessoa e enviada a New Orleans. Presa e obrigada a viver em um bordel, Belle decide aproveitar a vida como cortesã e juntar dinheiro o suficiente para poder voltar para casa. Mas é preciso ter coragem para perder a inocência. E nada é tão fácil quando se é uma prostituta. Para muitas delas, é um caminho sem volta."

Arfo.

Parecia que a minha vida, estava exposta naquele livro. Bastou eu ler aquela descrição, para que um filme passasse na minha mente e me fizesse chorar.

— Você está bem?

Soluço e me afasto do menino que havia aparecido. Ele ainda tocou o meu ombro.

— Sim. — respondo, sem o olhar.

— É bom?

Passo a mão pelo meu rosto e o olho.

— O que?

Ele aponta para o livro.

— Não sei. — coloco o livro no lugar.

O garoto era bonito. Devia ser mais novo que eu. Uns dezoito, eu diria. Cabelos loiros e olhos de um verde bem vivo.

— Eu vi quando você entrou. — ele diz. — Você é linda.

— Obrigada. — murmuro.

Então começo a andar para longe dele. Eu achava que ele iria entender o recado e iria embora. Mas não. Ele começou a me seguir.

— Ei! Não quer falar comigo por quê? Tem namorado?

— Não.

— Então pare. Converse comigo.

Eu paro e me viro.

— Eu não acho que eu seja digna de conversar com um garoto como você.

— Mas você é...

— Sou uma mulher muito complicada. E você, um garoto com um brilhante futuro pela frente. Vá atrás disso. Vá atrás de uma menina que se pareça com você e não... comigo.

Ele me olha torto e totalmente confuso com o que eu disse. Simplesmente suspiro e me afasto dele. Procuro Gabriella pelos corredores, até finalmente encontrá-la na porta da livraria, conversando com um menino.

— Estou indo embora. — informo, ao passar por ela.

— Mad? MADDIE, ME ESPERA.

Eu não espero. Ela precisa correr para me alcançar.

— O que houve? — pergunta. — Eu vi você conversando com um loiro.

— É.

— Ele fez algo errado?

— Não. Ele só foi... homem.

— Então... ?

Paro e a olho.

— Gabi, esse não é meu mundo. — abro os braços. — Essa vida — aponto para um casal aos beijos — eu nunca terei. Nunca serei uma garota normal. Nunca terei um namorado ou marido, pois eles nunca irão querer ter uma ex prostituta em suas vidas. Isso é, se um dia, eu deixarei de ser isso. Enfim, vamos embora.

Ela não protesta e nem responde. Apenas entrelaça seu braço ao meu e caminha ao meu lado.

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