Capítulo 4

Aina

Não entendi porque Bruno correu para o banheiro. — Talvez esteja com dor de barriga? — pensar naquilo me fez rir.

O homem era um ignorante, mas eu precisava admitir que ele sabia cozinhar. Acho que nunca comi uma omelete tão boa em toda a minha vida, mas eu não diria isso para ele, é claro — pelo menos, não até que o homem começasse a usar alguns hábitos de boas maneiras.

Terminei minha refeição em silêncio enquanto pensava em tudo que aconteceu no dia e comecei a me sentir exausta. Agora que eu estava relaxada, comecei a sentir os efeitos da longa caminhada que fiz mais cedo. Minhas pernas doíam e meus pés latejavam, eu não estava acostumada a percorrer longas distâncias a pé. Bruno estava há mais de meia hora no banheiro e eu não sabia quando ele sairia de lá, então lavei o prato que comi e resolvi deitar na cama que havia ali. Ela era espaçosa e estava forrada por um cobertor verde musgo. Como o leito possuía apenas um travesseiro, concluí que Bruno faria a gentileza de dormir no sofá para que eu pudesse descansar melhor o meu corpo. Então me esgueirei para baixo das cobertas e apoiei minha cabeça no travesseiro macio de fronha branca. Aquela cama possuía um cheiro delicioso e incomum que por algum motivo fez minha intimidade ficar úmida. Franzi o cenho, estranhando a reação involuntária do meu corpo e me forcei a descansar depois daquele dia turbulento.

Já estava cochilando quando algo cutucou minhas costas. Bocejei e me virei para ver o que era. Meus olhos quase saltaram das órbitas quando vi Bruno em pé ao lado da cama, usando apenas uma toalha branca enrolada ao redor da sua cintura. Para um sujeito que parecia desleixado com a aparência, seu físico estava em perfeito estado. Ele possuía um abdômen sarado, braços musculosos e um tórax firme com direito a alguns pelinhos para dar um charme. — Se Bruno fosse um pouco mais gentil, eu até que acharia ele atraente. Acho que está na hora de eu admitir: há alguma coisa nesse sujeito que desperta a minha curiosidade. Agora que ele está só de toalha na minha frente eu percebo isso com mais clareza.

Infelizmente, meu pequeno momento de euforia interna durou pouco. Quando meus olhos saíram de seu peito e subiram até o seu rosto, percebi que ele estava com a mesma expressão carrancuda de algumas horas atrás quando deixou a cozinha e se trancou no banheiro.

—O que foi? — perguntei sonolenta, deixando evidente o meu mau humor para que ele soubesse que não era a única pessoa que estava irritada por ali.

—A cama é minha. Você vai dormir no sofá — resmungou.

É brincadeira, né?

—Minhas pernas estão doloridas por causa da caminhada — reclamei, com preguiça de abandonar o meu conforto.

—A culpa é sua... foi você que decidiu ir andando até a cidade. — Cruzou os braços diante do peito. — Se não levantar, vou me deitar aí do seu lado, e acredito que você não quer isso.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre as minhas opções. Seria tentador ter um homem com aquele corpo tão próximo a mim, mas ele era um completo estranho e ainda podia ser considerado o meu professor. — Aquele pensamento me fez levantar da cama e caminhar até o sofá de três lugares que ficava próximo dali. Havia uma TV pregada na parede à sua frente, mas estava desligada.

Quando me acomodei no sofá, percebi que ali havia um lençol xadrez em cima de uma pequena almofada. Esta será a minha cama nos próximos quinze dias? Porra.

Apesar de tudo, eu estava cansada demais para debater sobre o assunto, então decidi me deitar naquele leito improvisado sem reclamar.

—Durma logo — Bruno instruiu e eu voltei meu olhar para ele. O homem escorregou seu corpo para baixo do cobertor verde-musgo e se cobriu até a altura do peito. — Amanhã sairemos cedo para a sua aula experimental.

Enquanto eu pensava no que responder, o homem fez uma movimentação estranha sob o cobertor e segundos depois tirou dali a toalha que cobria o seu corpo, jogando o tecido no chão.

Ele vai dormir pelado? — Uma mistura de apreensão e ansiedade me invadiu.

Fiquei sem atitude enquanto encarava o homem se acomodar na cama como se aquilo fosse perfeitamente normal. Seus olhos encontraram os meus por alguns instantes e eu me encolhi de volta no sofá, instintivamente. Afundei minha cabeça na almofada, sentindo o meu estômago borbulhar como se eu fosse uma adolescente excitada.

Não acreditei que eu estava abalada por aquele homem. Bruno era rude, impaciente — e gostoso pra cacete... Respirei fundo e me esforcei para m****r aquele pensamento embora. Eu estava delirando pelo cansaço do dia, essa era a única explicação para os meus pensamentos incoerentes.

*****

—Levante! — Bruno gritou e bateu em uma panela para fazer barulho e chamar a minha atenção. — Saímos em meia hora.

Ainda confusa, me sentei no sofá e esfreguei os olhos. Minhas costas doíam pela noite que passei dormindo naquele móvel duro e mal acolchoado.

—Que horas são? — balbuciei, enquanto reprimia um bocejo.

—Já está amanhecendo — respondeu e me entregou um prato com ovos mexidos e salsichas picadas.

—Ainda é madrugada? Por que não me acordou mais tarde?

—Lição número um: se quiser sobreviver na savana acorde antes dos predadores.

—Não existem predadores dentro deste chalé — argumentei.

—Está enganada, Aina Nkosi. — Bruno me lançou um olhar estranho e pegou uma chave que estava pendurada ao lado da porta. Ele usava uma calça tática caqui e uma camiseta cinza que deixava seus braços musculosos à mostra. — Termine o seu café da manhã e vista a roupa que deixei para você no banheiro. Vou esperar no carro.

O homem tirou um óculos estilo aviador do bolso da sua calça e colocou no rosto antes de sair do chalé, fechando a porta atrás de si.

Franzi o cenho e comecei a mastigar o meu café da manhã. Novamente meu paladar foi surpreendido pelo sabor maravilhoso da comida. O que Bruno coloca nesses ovos?

Enquanto eu mastigava, resolvi checar se havia alguma mensagem de Akin. Caminhei até o canto da porta onde deixei minha bolsa na noite passada e percebi que minhas roupas estavam faltando, além disso, vários dos meus pertences foram organizados em um canto do chalé para que pudessem secar. Não consegui esconder meu sorriso. Era difícil imaginar que Bruno, aquele homem rude e zangado, faria uma gentileza dessas.

Deixando o prato vazio em cima da mesa, peguei minha bolsa do chão e revirei seus bolsos internos em busca do meu celular, mas não o encontrei. Um desespero me atingiu. Tinha certeza de que guardei o smartphone ali quando começou a chover.

Por sorte, o chalé de madeira não era muito grande. Só precisei observar algumas superfícies com atenção e logo encontrei meu telefone em cima do criado mudo que havia ao lado da cama de Bruno. Caminhei até lá e o peguei, apertando um botão para que a tela ascendesse, mas nada aconteceu. Irritada, sacudi o aparelho e algumas gotas d'água saíram de dentro dele. Ah não... isso não pode estar acontecendo. Infelizmente, eu não possuía um celular com tecnologia de ponta capaz de resistir ao contato com a água. Nunca me importei em acompanhar a evolução dos smartphones, eu só comprava outro quando o meu antigo parava de funcionar. — Pelo jeito, eu terei que fazer essa troca em breve.

De qualquer forma, eu precisava falar com Akin. Talvez, Bruno possuísse algum telefone para me emprestar apenas para que eu pudesse entrar em contato com o meu irmão. Decidi que pediria isso a ele quando estivéssemos no carro e me apressei até o banheiro para trocar de roupa. Quando entrei no pequeno cômodo que possuía apenas um vaso sanitário, um box de vidro e uma pequena pia com espelho, percebi que havia uma muda de roupa pendurada em um gancho para toalhas na parede de ladrilho marrom. Reconheci de imediato a minha camiseta verde com padrões florais e shorts cinza. Essa é a roupa que Bruno escolheu? Com certeza, eu não posso esperar qualquer noção sobre moda vindo de um homem que mora sozinho e se veste como a versão pobre daquele apresentador do À Prova de Tudo.

Revirei os olhos e me livrei da camisa de flanela que Bruno me emprestou na noite anterior. Após tomar um banho rápido, vesti a roupa que estava pendurada na parede e escovei os dentes. Prendi meu cabelo trançado em um rabo de cavalo para que o calor do dia não me incomodasse, calcei minhas botas de caminhada e saí do chalé.

Uma vez do lado de fora, percebi que mal estávamos nas primeiras horas do dia. O céu ainda estava escuro e os pássaros noturnos cantavam em sinfonia com os grilos que estavam escondidos na vegetação rasteira ao lado da casa. Haviam pequenas poças d'água no chão — resultado da tempestade de ontem. A brisa fresca que soprava por ali me fez sentir frio e só então percebi que a minha roupa ainda estava húmida.

O jeep de Bruno se encontrava posicionado na beira da estrada e eu podia ver a silhueta do homem lá dentro enquanto ele mexia o rádio. Caminhei até lá apressadamente, fazendo uma nota mental para me lembrar de que eu ainda tinha a escolha de voltar para cidade no final do dia, caso não gostasse da aula.

—Você demorou — Bruno disse quando me acomodei no banco do carona e fechei a porta.

—Estava me arrumando — respondi.

—Se arrumando para ver os animais? — ele fez uma careta como se achasse aquela ideia estranha.

—Claro — assenti, empolgada. Sempre gostei de observar a fauna da região de perto, mas infelizmente não fazia isso desde que me formei, meu turno diário no mercadinho não me dava tempo para essas coisas. — Que animais veremos hoje?

—Eu não sei. — Deu de ombros. — Essa aula experimental não estava planejada.

—Julgando pelo seu modo de agir, acho que nenhuma aula está planejada — sussurrei com ironia, mas para o meu azar, o homem ouviu.

—Está duvidando da minha capacidade profissional?

—Estou — admiti. — Como sei que você tem capacidade para ensinar biologia? Você parece um caçador...

—Sou biólogo. — Ele me interrompeu. — Tenho licença para dar aula, mas não exerço a profissão há algum tempo.

—Então o que faz para se manter aqui? — me intrometi, deixando a curiosidade falar mais alto.

Bruno ficou em silêncio e deu partida no carro, nos levando pela estrada de terra no sentido oposto à cidade.

—Eu observo os animais da região. Gravo vídeos e tiro fotos das suas rotinas, depois vendo o material para sites e canais de TV.

Fiquei boquiaberta por alguns segundos. Era uma profissão interessante, eu tinha que admitir.

—Se ganha dinheiro com isso, porque resolveu dar aulas de sobrevivência na savana? — questionei.

O homem virou seu rosto em minha direção por um breve momento, em seguida, voltou a prestar atenção na estrada. Ele ainda estava usando óculos de sol — o que não fazia sentido pois devia ser no máximo 4 horas da manhã.

—Meu equipamento de filmagem quebrou — respondeu vagamente. — Eu precisava de dinheiro para comprar outro ou ficaria sem trabalho aqui e teria que voltar para o meu país de origem.

—De que país você veio? Seu sotaque é um pouco estranho — observei.

—Brasil — suspirou.

— Que legal! A terra do samba e do Neymar? — me empolguei.

—Não tem apenas samba e futebol no Brasil — respondeu, irritado.

— Claro que não, também tem feijoada e as praias... Sempre quis comer feijoada, parece ser delicioso — confessei.

Bruno ficou em silêncio e passou a marcha. O veículo aumentou a velocidade imediatamente.

—Tem mais alguma pergunta irrelevante que queira fazer? Isso está parecendo uma entrevista de emprego — resmungou, aborrecido.

Franzi o cenho com a mudança de comportamento imediata do homem. Estava claro que ele não gostava de se abrir para os outros.

—Na verdade, tenho apenas mais uma pergunta idiota — comentei ironicamente. — Por que está usando óculos de sol durante a madrugada?

—Porque me deu vontade — respondeu com um sorriso zombeteiro.

Suspirei e virei meu rosto para observar a paisagem, agora que o céu já estava ficando azulado a vegetação à distância era mais visível.

—Por que decidiu fazer esse curso? — Bruno perguntou com a voz baixa, me pegando de surpresa.

Fiquei em silêncio por um tempo, mas logo decidi responder.

—Achei que seria uma coisa interessante para colocar no currículo — admiti.

—Já terminou a faculdade?

—Há dois anos, mas ainda não consegui emprego na área em que me formei. — Encolhi os ombros.

—Em que área você se formou?

—Zoologia.

Bruno virou seu rosto em minha direção e ficou me encarando por tanto tempo que tive medo dele perder o controle do veículo e bater em alguma árvore na beira da estrada.

—Está falando sério? — perguntou incrédulo. — Quantos anos você tem?

—Quem está fazendo perguntas irrelevantes agora? — retruquei, aproveitando a oportunidade.

O homem suspirou e voltou sua atenção para a estrada.

—Vinte e cinco. — Me encolhi no banho do carro, me sentindo um pouco envergonhada por revelar a minha idade.

—Não pensei que tinha tudo isso. — Ele suspirou, um tanto aliviado. — Sou sete anos mais velho.

—Por que está comparando nossas idades?

—Apenas comentei. — Bruno deu de ombros e tensionou seu maxilar. Ele não parecia muito disposto a continuar o assunto, então resolvi ficar quieta e deixar que o homem se concentrasse na estrada.

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