Capítulo 3

Bruno

Caralho, no que eu fui me meter? — bati a porta com força e me sentei no sofá verde que havia na minha pequena sala.

Minha casa não era muito grande, na verdade, estava mais para uma kitnet. Em um único cômodo havia a cama de casal onde eu dormia, um fogão, geladeira, uma mesa de bétula com duas cadeiras e o sofá de três lugares onde eu estava sentado. Não havia paredes para separar as coisas, mas a colocação dos móveis estava muito bem organizada. Eu não gostava de bagunça ou coisas fora do lugar e só estava desleixado com a minha aparência por um motivo simples: afastar a atenção das mulheres. Se elas não se aproximassem se mim, eu ficaria bem. Ao menos, era isso que eu pensava até encontrar Aina. A mulher não saía da minha cabeça desde que a vi ontem na mercearia da cidade, e como se a vida quisesse me pregar uma peça, ela foi a pessoa que se matriculou no curso e preencheu a vaga disponível. Dentre tantos moradores daquela cidade, tinha que ser ela? Quando fiz o anúncio sobre o curso, pensei que as únicas pessoas interessadas seriam biólogos ou até mesmo algum guia florestal, honestamente, não pensei que poderia atrair a atenção de uma mulher que trabalhava em um mercadinho.

A lembrança de Aina seguindo sozinha pela estrada não saía da minha cabeça. Se eu fechasse os olhos, ainda podia vê-la me encarando com o rosto tão zangado quanto o de uma leoa que estava prestes a atacar sua presa — E confesso que, lá no fundo, eu queria ser devorado por aquela mulher. Mas então, ela me xingou e foi embora. Sua pele de ébano estava suada pelo calor que fazia naquela tarde e suas longas tranças balançavam acompanhando o movimento hipnotizante dos seus quadris. Apesar da situação tensa que havia entre nós, fiquei admirando a beleza perfeita da leoazinha enquanto ela me dava as costas e se afastava cada vez mais. Não me orgulhei daquilo — Aina era tão nova que parecia ter acabado de atingir a maioridade — mas não consegui resistir. Foi como se o meu corpo agisse por conta própria.

Agora, eu tenho grana para comprar meu equipamento e continuar com o trabalho na savana, mas eu me sinto um trapaceiro cretino depois de ficar com o dinheiro de Aina e ainda encorajá-la a ir embora apenas porque eu estava com medo de ficar sozinho nessa casa com alguém do sexo feminino. Sei que era bobagem achar que aconteceria algo entre nós — principalmente depois da raiva que a fiz passar —, mas meu cérebro não conseguia pensar de maneira inocente quando eu me recordava que quase dividi meu chalé apertado com a mulher que permaneceu em minha mente nas últimas horas.

Deve ser carência. Ficar tanto tempo sem ninguém está começando a afetar o meu juízo.

A ideia de ficar sozinho com Aina me agradava, mas também me deixava desesperado. Eu não queria sofrer de novo, não queria ser enganado, traído e humilhado. Então eu precisava fugir de qualquer brecha que aparecesse em meu caminho. Talvez, eu esteja enlouquecendo depois de tudo...

De qualquer forma, se Aina quis fazer esse curso, era porque tinha interesse no assunto. Eu percebi que ela estava lendo um livro sobre a biologia das aves quando entrei no mercadinho. Me senti extremamente mal por acabar com a expectativa da moça.

Passei os próximos quarenta minutos refletindo sobre o que devia fazer enquanto encarava a TV de LED 32" que estava desligada na parede em frente ao sofá. Por sorte, minha casa possuía um gerador que funcionava à base de gasolina, o que me permitia ter energia elétrica, então eu conseguia me distrair facilmente por aqui sem que precisasse me locomover até a cidade.

Um estrondo ecoou pela região, indicando que a chuva cairia em breve. Não fiquei surpreso com aquilo, estava há tanto tempo morando perto da natureza que acabei entendendo como ela agia. Eu conseguia saber que uma tempestade se aproximava observando o comportamento dos animais ao meu redor ou simplesmente pela temperatura da brisa que soprava no início da manhã.

Normalmente, eu não me preocupava com a chuva, mas hoje era diferente. Aina devia estar andando pela estrada de terra e seria pega pela tempestade no meio do caminho. À essa altura, minha preocupação não era sobre ela trazer advogados atrás de mim ou ficarmos sozinhos sob o mesmo teto, eu estava receoso que a mulher mal conseguisse chegar até a cidade. Quando chovia muito a água inundava trechos mais baixos da estrada, impedindo a passagem de pessoas ou veículos. Por mais que eu odiasse aquele pensamento, eu precisava encontrar Aina. Fui eu quem a trouxe aqui e isso faz com que eu me sinta totalmente responsável por ela.

Depois de praguejar mentalmente, me levantei do sofá e peguei a chave do jeep.

Eu preciso consertar a merda que fiz.

*****

Dez minutos depois que saí a chuva caiu vigorosamente, molhando o solo árido da região. A estrada de terra já estava ficando enlameada e eu torcia para encontrar Aina antes que a noite caísse. Felizmente, não demorou muito até que eu visse a sua silhueta em meio à chuva grossa. Sua bolsa de viagem e as roupas que vestia estavam encharcadas, mas ela não desistiu de seguir seu caminho. Eu tinha que reconhecer que aquela mulher era decidida.

Aina percebeu a aproximação do jeep. Ela olhou para trás e cruzou os braços no instante em que viu o veículo, e então começou a caminhar mais rápido.

—Entra no carro, Aina. — gritei pela janela aberta, ignorando os pingos da chuva gelada que molharam o meu braço.

Ela cessou seus passos quando parei o jeep ao seu lado e abri a porta do carona.

—Não voltarei para aquele chalé com você!

—Prefere ficar na chuva?

Aina hesitou por alguns segundos, mas em seguida deu de ombros. Ela não mudaria de ideia sobre ir embora e por alguma razão aquilo me deixou decepcionado.

—A estrada para a cidade deve estar inundada agora, se não voltar comigo vai passar a noite aqui no meio do nada. Onde acha que é mais seguro?

Ela ainda hesitou.

—Não vou te fazer mal, eu prometo — Gesticulei para que ela subisse no carro.

—É difícil acreditar nas suas palavras depois que você me passou a perna.

—A culpa foi sua por não ler o contrato — disparei sem pensar.

Aina franziu o cenho completamente irritada.

Suspirei. Eu estava estragando tudo, então decidi colocar minhas palavras para fora antes que eu me arrependesse:

—Venha comigo e amanhã cedo teremos uma aula prática experimental. Se não gostar, eu devolverei seu dinheiro e te levarei de volta para a cidade.

—Está falando sério? — perguntou, incrédula.

—Venha logo antes que eu mude de ideia — deixei escapar.

Aina hesitou por mais alguns segundos, mas subiu no banco do carona e fechou a porta. Não consegui controlar um sorriso vitorioso que curvou a minha boca naquele momento, então virei meu rosto para outra direção, assim ela não perceberia a minha felicidade por vencer aquela pequena discussão.

—Como sabia sobre a chuva? — perguntou, enquanto colocava sua bolsa molhada no chão do carro.

—Se fizer o curso, vai aprender que os sinais das mudanças climáticas não estão presentes apenas no céu.

Ela bufou, irritada.

Não falei nada desde então, apenas manobrei o carro e dirigi de volta para o chalé. Aina ficou observando a chuva cair lá fora e não olhou um minuto sequer na minha direção. Aproveitei o momento para encará-la por alguns segundos sem que a mulher percebesse. Seus seios de tamanho avantajado pareciam ainda maiores agora que sua regata azul estava molhada e a calça jeans que cobria suas coxas volumosas também não estava muito diferente. A primeira coisa que eu faria quando chegasse em casa seria dar roupas secas para Aina vestir antes que ela ficasse resfriada. Com certeza, as coisas que estavam em sua bolsa também molharam com a chuva.

Depois de vinte minutos dirigindo naquela estrada enlameada, estacionei o jeep em frente à minha casa e desci do carro, ignorando as gotas de chuva grossa que molharam a minha roupa. Involuntariamente, caminhei até a porta do carona e a abri para que a mulher pudesse sair. Ela pegou sua bolsa molhada e me seguiu para o interior da casa.

O piso de madeira ficou encharcado de água quando pisamos na sala. Aina observava a minha pequena moradia em silêncio então a deixei ali e fui até o pequeno armário onde eu guardava minhas roupas. Peguei uma camisa de flanela e uma calça de moletom cinza que eu usava para dormir e entreguei para ela.

—Tome um banho e vista essas roupas secas — Apontei para a porta do banheiro que ficava em frente ao lado esquerdo da minha cama. — Vou preparar o jantar.

Aina ficou confusa por um tempo, mas logo assentiu e largou sua bolsa no chão, seguindo para o banheiro. Ela parecia envergonhada. Deixando a mulher de lado, fui até a minha geladeira bege de duas portas pegar ingredientes para preparar uma omelete. Não sabia se Aina gostava daquele tipo de prato, então decidi colocar alguns aperitivos a mais para dar um gosto melhor caso ela não quisesse comer apenas ovos.

Passei os minutos seguintes cortando pimentões, tomates e cebolas em pequenos cubos e os misturei na massa que bati para a omelete. Quando coloquei no fogo, acrescentei alguns pedaços de salsicha e orégano e deixei cozinhar. Aproveitei o momento para preparar o ambiente, colocando dois pratos de vidro transparente sobre a mesa de bétula que estava em frente ao fogão. Aquele momento me fez lembrar de Helena. Eu preparava o jantar para ela todos os dias e ficava a esperando para comer, depois de horas a vadia ligava dizendo que não chegaria a tempo porque estava fazendo hora extra.

Hoje eu sei que a hora extra de Helena era sentar no pau do seu chefe de trabalho. — Aquela lembrança me provocou uma onda de raiva e eu bati meus punhos na mesa com uma certa força.

— Não. Eu não passarei por isso outra vez — rosnei em voz alta.

—Bruno? — Aina me chamou com a voz preocupada.

Fui pego de surpresa e inexplicavelmente a minha raiva sessou tão rápido quanto veio. Não me lembrava de ter dito o  meu nome para ela em momento algum. Quando me virei para encará-la quase perdi o fôlego

Ela usava a minha blusa de flanela azul e suas pernas torneadas estavam à mostra já que o tecido xadrez da camisa cobria apenas metade das suas coxas. A visão daquela mulher parada ao lado da minha cama e vestida com a minha roupa fez meu pau endurecer. Virei meu rosto na direção oposta e tentei afastar a série de pensamentos sujos que vieram em minha mente. Eu devo me controlar. Aina é apenas uma aluna e está aqui para aprender, eu não posso tentar qualquer investida romântica com ela. Preciso cortar esse breve interesse pela raiz antes que fique maior e eu me machuque outra vez.

—Onde está a calça que eu te dei? — perguntei, enquanto me dirigia até o fogão para tirar a omelete do fogo.

—Não serviu em mim — falou. —Meu quadril é um tanto volumoso caso não tenha percebido.

Inspirei profundamente, tentando afastar a lembrança do seu corpo de costas que veio em minha mente.

—Acha que eu não percebi? — retruquei, aborrecido e cortei a omelete ao meio. — Não me interessa se a calça não entra, dê um jeito de cobrir suas pernas. — Eu não queria parecer rude, mas não havia outra saída. Esse era o único jeito de manter Aina à uma distância segura de todas as imoralidades que pairavam em meu cérebro. Que merda está acontecendo comigo?

—Minhas roupas estão molhadas. — Ela ignorou o meu aviso e caminhou até a mesa. — Qual vai ser o jantar?

Queria que fosse você... — o pensamento surgiu sem que eu pudesse contê-lo.  Decido a  ficar em silêncio antes que a minha boca me traísse também, apenas suspirei e coloquei uma fatia da omelete no prato vazio.

—Por que você é tão rude? Se quer que eu fique para fazer o curso, o mínimo que pode fazer é ser um pouco mais gentil. — Aina resmungou enquanto se sentava na cadeira e puxava o prato com omelete para si.

—Seremos professor e aluna pelos próximos 15 dias, então precisamos manter respeito um com o outro — respondi, me sentindo um pouco mais aliviado por Aina ter escondido suas pernas volumosas e perfeitas em baixo da mesa. — Sei que acharia desrespeitoso se eu andasse de cueca pela casa, então não ande de calcinha por aqui.

—Mas eu não estou de calcinha. Se esqueceu que as minhas roupas estão molhadas dentro da bolsa? — ela disparou, irritada, mas logo fez uma careta ao perceber o que havia dito.

Um silêncio desconcertante pairou entre nós depois daquela frase. Meus batimentos ficaram acelerados e meu corpo quase entrou em colapso. Aina está usando apenas a minha camisa de flanela para cobrir o seu corpo? Não... isso é mais do que um homem que está sem ninguém há sete anos pode suportar.

Sem dizer nenhuma palavra, me afastei da mesa o mais rápido possível e fui para o banheiro. Talvez, depois que eu me  aliviasse, toda a atração que eu sentia por Aina iria desaparecer. Eu estou carente, essa é única explicação para o meu corpo reagir com tanta empolgação na presença dessa mulher.

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