Maddems
Maddems
Por: Eduardo Miranda
Da Criação - Prólogo

Cerdoc, a entidade eterna, existia num mundo Etéreo. E seu mundo era criado por imagens que ele intuía, imagens de luz e éter, e para Ele isso bastou por incontáveis milênios.

            Mas houve um momento em que decidiu que a todas as suas imagens de luz e plasma daria vida, e assim o fez. Não que Cerdoc se sentisse sozinho, pois Ele é a existência pura, mas decidiu que era chegada a hora de que seus planos primordiais viessem à tona, e dessem origem a toda história que apuradamente já havia predestinado.

            Cuidadosamente dentre suas imagens os primeiros a ganharem vida foram oito seres, chamados por Cerdoc de Vahem Midris. Eles possuíam pureza e luz, e foram instruídos com grande parte dos conhecimentos de Cerdoc, para que soubessem de suas origens e deveres além de todo o potencial de seus poderes. No entanto, nem tudo lhes foi revelado; Cerdoc não revelou qual era o princípio da energia criadora, o equilíbrio das forças, contudo apesar de não ter instruído os Vahem Midris sobre isso, eles também faziam parte da lei de equilíbrio, logo, possuíam em suas essências o bem, o mal, o amor e a ira.

            Cerdoc apenas lhes revelou sobre a energia construtiva, pois temia que se fossem cientes de que para tudo havia um contraponto, eles quisessem entender mais sobre a energia destrutiva e experimentá-la. Ora, tudo que existe, nada mais é do que a dosagem da energia primordial, Cerdoc é a energia primordial, e por isso possui todos os sentimentos, todos os elementos criadores e sabe como manipulá-los; Cerdoc temia que os Vahem Midris não soubessem como manipular de forma correta o bem e o mal, caso tivessem o conhecimento destes princípios; por isso Cerdoc foi seletivo na instrução dos Vahem Midris, ocultando-lhes qualquer informação sobre o que é o mal.                                         

Por um século durou os ensinamentos de Cerdoc e os Vahem Midris compreenderam todo o princípio de cada imagem e cada luz que era emitida por Cerdoc, mas ainda assim não entendiam como Ele as criava, por maior que fosse a sabedoria que lhes fora permitida possuir, não era o bastante para tal compreensão.

            Cerdoc lhes disse que chegara o momento de saírem do mundo etéreo e darem inicio a criação de toda a matéria que por longos milênios fora planejada. Cada um dos oito Vahem Midris sabiam exatamente o seu papel e já aguardavam seu Criador no grande vazio; estavam de mãos dadas formando um círculo e de seus corpos irradiava uma energia de poder constante, cada um entoava as palavras intuídas de Cerdoc, todos falam em voz alta e se acaso houvesse mais alguém no Universo para escutá-los diria que estavam entoando um único mantra; mas não era assim, cada palavra de cada Vahem Midris executava uma ação diferente.

            Cerdoc acompanhava de perto, dando um apoio que muitos, longas eras depois dariam o nome de espiritual. Dele irradiava a luz mais forte e mais bela, era como se o próprio Cerdoc fosse um prisma pelo qual a luz trespassava, pois todas as cores dele irradiavam em direção à energia que era gerada simultaneamente pelos Vahem Midris. A luz de Cerdoc os envolvia como a um manto, alimentando-os ao mesmo tempo em que os protegia e os inspirava.

            Então, aos poucos, tudo o que havia no Universo em que vivia Cerdoc foi tomando forma; todas as imagens de luz e éter que tão detalhadamente foram criadas começaram a ganhar vida, entretanto, esse não foi um trabalho rápido e nem fácil, ao menos, não para os Vahem Midris; se Cerdoc não os estivesse protegendo teriam esvaído todas as suas energias primordiais.

            Dois séculos foram necessários para que toda a criação estivesse pronta, e tudo ficasse de acordo com os planos de Cerdoc. O que antes não passava de um grande vazio foi preenchido por centenas de sistemas planetários e incontáveis números de estrelas. O universo agora brilhava, estava cheio de cor e beleza.

            Cada planeta um destino, cada estrela um brilho, todavia, durante a criação alguns Vahem Midris deram preferência para uma ou outra estrela e é por isso que algumas delas brilhavam mais intensamente do que outras. Quando todo o universo estava completo, Cerdoc dividiu a responsabilidade de cuidar da criação, entre todos os oito Vahem Midris, e então eles se despediram uns dos outros e foram cuidar dos espaços que a cada um coube.

            A Lunor coube a parte noroeste do Universo, e assim, ele começou a criar vida em cada lugar conforme os desígnios de Cerdoc, mas em pouco tempo Lunor passou a tratar com maior atenção um lugar ao qual nomeou de Maddems, pois se tornou seu planeta preferido, sua obra prima; Cerdoc também gostou desse planeta e como por muito tempo na sua solidão fez planos para que um lugar fosse o ponto perfeito de sua criação, escolheu que seria Maddems, após ter visitado todos os outros planetas.

            Maddems foi se formando com lugares lindos e diferentes, haviam vales, montanhas, rios, mares, desertos, florestas; tudo era harmonioso e belo, cheio de cores e luz, e Lunor se sentia orgulhoso por ter ajudado a criar um lugar tão puro.

            No entanto, Maddems ainda era vazia de qualquer forma de vida animal e Lunor questionou sobre isso com Cerdoc, ao que ele respondeu que não se preocupasse, pois, belas criaturas ali nasceriam, e assim aconteceu.

            Cerdoc criou cada espécie macho e fêmea, e sempre de acordo com as características de cada região, uma diversidade quase incontável, mas sempre antes de dar existência a cada espécie, as mostrava numa imagem mental à Lunor, que se maravilhava com cada uma.

Quando Lunor viu os animais terrestres achou que eram os mais lindos, mas, ficou surpreendido com os animais aquáticos, suas formas e cores e então teve a certeza que mais nada o emocionaria, mas então vieram os pássaros e seu coração se dividia de exaltação e alegria; ele nunca ousou pensar que aquelas imagens que antes não passavam de plasma e éter e que ele vira quando o universo era um grande vazio, seriam tão belas quando vivas, e nem imaginou que eles iriam existir logo num dos planetas à qual deu vida.

            Então, pássaros diversos se tornaram reais, e suas formas também foram adaptadas às necessidades de cada habitat, e muitas eram suas cores e magníficas suas plumagens, não importava se eles eram pequenos ou grandes, fracos ou fortes, todos os pássaros eram belos aos olhos de Lunor, e seu amor pelos pássaros superou o amor que sentia pelos outros animais.

            Cerdoc encheu-se de júbilo com os resultados, afinal, por muitos milênios havia esperado por aquele momento, tudo fora criado conforme seu desejo, Maddems se encheu de vida, e havia harmonia entre todas as espécies. Lunor perguntou para Cerdoc se já haviam terminado toda a criação, pois em suas lembranças ainda faltava uma raça a ser dado vida, a raça humana.

            Então Cerdoc lhe disse que ainda faltavam duas raças, e neste momento mostrou as imagens na mente de Lunor, como já tinha feito antes, as raças que ainda faltavam. Lunor ficou sem palavras naquele momento, pois além dos humanos havia uma raça de animal que em nenhum momento Cerdoc os havia intuído enquanto era feita a criação, quando os oito Vahem Midris estavam construindo o universo.

            Lunor então perguntou:

            _Cerdoc, meu Criador, que raça de animal é essa que vejo agora? Com certeza até este instante eu ignorava sua existência nos seus planos.

            _Amado Lunor, você não sabe que nem tudo revelei a vocês? A minha sabedoria é infinita e nem todos os meus planos eu os revelei, pois em todo o universo muito ainda farei que vocês não sabem. – disse Cerdoc num tom de um pai, que ao mesmo tempo em que explica uma lição a um filho, também o repreende. E continuou:

            _Esta raça se chama Draco, ainda que na linguagem terrestre eles falarão outro nome, e por outros nomes ainda serão citados pelos humanos. – Terminou Cerdoc já num tom complacente.

            Lunor estava impressionado com a beleza da raça dos dracos, pois agora já consegue vê-los no futuro, cada subespécie que viria, eram grandiosos; haviam dracos terrestres, aquáticos, haveriam aqueles que amariam o fogo, outros que amariam o gelo, pois eram parte da energia primordial desses elementos.

            Podia-se dizer que se Lunor tinha uma alma, ela ansiava em se tornar um draco, e este desejo dominou toda a energia da qual Lunor era feito. Ele quase podia sentir a sensação de bater as asas e voar por sobre as montanhas, sentir o ar gelado no rosto; ele podia praticamente sentir a emoção de dar um voo rasante sobre o mar ou subir muito alto no céu em direção do Sol e voar entre as nuvens.

            Cerdoc tirou Lunor de seus pensamentos e lhe perguntou

            _Você tem certeza que é isso o que deseja?

            Lunor não sabia o que responder, e por isso um silêncio perdurou durante muitos dias.

            Mediante tal situação, tanto a criação dos dracos quanto à dos homens foram suspensas por Cerdoc, Ele sabia o que se passava na essência de Lunor, mas não o reprimia por isso, ainda que soubesse que tal decisão pudesse ter algumas consequências. E por muitos dias pensou Lunor, tentando avaliar todas as possibilidades que acarretariam uma decisão de tamanha magnitude. Afastou-se de Maddems, aproveitando que suas obrigações ainda não haviam terminado nos outros planetas. Da mesma forma como antes, Cerdoc o ajudou com a criação de vidas nos outros mundos, assim como Ele fazia com todos os outros Vahem Midris. O universo ganhava vida, forma, cor, destino, e o tempo passava.

            Era uma tarde límpida, o sol brilhava forte, a vida pulsava em Maddems. Lunor estava em frente ao mar, perdido em seus pensamentos, por fim sua decisão foi tomada. Em pensamento chamou Cerdoc e Este já estava ao seu lado em segundos.

            _Muitos dias se passaram, mas em sua essência foram como longos anos Lunor. – foram as primeiras palavras de Cerdoc. Não parecia preocupado, seu olhar transmitia compaixão e conforto. _Sua decisão foi tomada Lunor, Eu sei. Mas você está pronto para pronunciá-la e vive-la? – Seu tom foi solene.

            _Cerdoc, meu Criador – A voz de Lunor era cheia de futuro e medo. _ A minha decisão o Senhor já leu em minha essência, eu estou pronto.

_Então será feito Lunor, mas advirto que Vahem Midris nunca mais voltará a ser, ainda que se passem mil milênios. Sofrerás o passar do tempo conforme a espécie, envelhecerá e um dia morrerá. – As palavras de Cerdoc eram duras, era uma chance de voltar atrás que não se repetiria.

            _Muito já pensei, em tudo que vou deixar para trás e em tudo que vou viver daqui por diante – a voz de Lunor era emocionada, pois sabia que o momento havia chegado.  _Meu corpo anseia pelo voo, minha mente anseia em ajudar os povos humanos com todo o conhecimento que possuo. Não me culpe por querer ser parte da sua criação novamente, mas o que posso fazer se minha essência se encheu de amor ao ver na minha mente a raça dos dracos? – Lunor não teve certeza se fazia essa pergunta à Cerdoc, ou a si próprio.

            _Lunor, serás então o primeiro da raça dos dracos, no entanto não tirarei de você nada do que ensinei ou instrui, dentre todos os dracos que virão você será o de maior poder e grandeza, mas por isso mesmo será o único que não poderá procriar. – Cerdoc estava olhando muito mais do que nos olhos de Lunor, Ele olhava para sua essência primordial, algo como o que humanos chamaram de alma.

            Lunor se surpreendeu com as palavras que ouvia, e se entristeceu por saber que não poderia dar continuidade à sua linhagem. Então perguntou a Cerdoc.

            _Meu Criador, por que eu não poderei ter uma companheira da mesma espécie como todos os outros animais que vivem em Maddems, e assim como eles procriar?

            _ Então não lhe disse que nada tirarei de você? – Cerdoc foi duro, mas logo percebeu que Lunor não compreendia e sentiu pena. _Lunor, se você procriar, então seus descendentes terão o mesmo poder que você e isso Eu não permito.

            Na verdade, Cerdoc pela primeira vez sentia medo. Lunor não sabia o que podia significar ter outros dracos com o mesmo poder que ele. A força primordial destrutiva parecia querer se manifestar, pensava Cerdoc, e ninguém além dele sabia suas implicações, ninguém além dele sabia como dominá-la, pois ninguém além dele sabia que o mal existia.

            Ainda assim, respeitava a decisão de Lunor, porém, queria ter certeza que ele respeitaria suas ordens.

            _Diga-me Lunor, compreendeu o que te falei? Será o maior dentre todos da espécie de dracos que darei vida, depois que você se tornar o primeiro da raça, mas, no entanto, não lhe será dada permissão de procriar – Cerdoc procurava ler na mente de Lunor uma resposta, contudo ela demorou para vir.

            _Ainda que não entenda o seu designo, eu o aceito. – No íntimo Lunor lamentava, e continuou; _ Pois o Senhor também aceitou o meu desejo sem contestar, eu lhe serei grato enquanto viver e respeitarei o que me pede.

            Cerdoc sabia que Lunor era sincero em suas palavras e isso aquietou sua mente. Olhou para Lunor como um Vahem Midris pela última vez. Um brilho intenso envolveu o corpo de Lunor, no começo irradiava branco e aos poucos foi ganhando inúmeras tonalidades, até finalmente se tornar verde, como se uma esmeralda fosse posta contra a luz, um verde suave e vivo.

            Quando o grande brilho se apagou Cerdoc olhava para o primeiro draco e sorriu. Lunor abriu as asas pela primeira vez e esticou todo o corpo, atingindo o máximo de sua envergadura, como se tivesse acabado de sair de um ovo. Lunor se tornara um draco com escamas brilhantes, suas asas totalmente abertas tinham mais de vinte metros de comprimento, e recebiam o calor do sol causando uma sensação nunca sentida antes, e naquele momento em que o silêncio se estabelecia contemplando a magnitude de uma nova vida, Lunor sentiu o seu coração pulsar. “Um coração!” – Pensou Lunor. “_Eu tenho um coração!”

            Lunor olhava para Cerdoc e lágrimas brilhavam em seus olhos de verde muito intenso, como se fosse a própria essência da cor. Nada mais precisava ser dito, mas ainda assim Lunor disse o que de mais simples lhe parecia e, no entanto a única palavra que poderia esclarecer o que sentia:

            - Obrigado!

            Cerdoc balançou a cabeça afirmativamente, pois sabia que um momento mágico como aquele não precisava de palavras.

            Depois de alguns momentos Cerdoc falou:

            _De agora em diante será chamado de Karbeth, que significa o primeiro a voar na sua língua, amanhã quando o Sol se pôr outros de sua raça já estarão com você, alguns serão de espécies diferentes como você já sabe e sua será a responsabilidade sobre todos os que virão, portanto, tenha sempre em mente tudo o que aprendeu ao longo dos séculos em que foi um Vahem Midris, pois essas lições lhe serão úteis enquanto viver. – Cerdoc sorriu, e se afastou alguns passos.

            - Agora vá! Faça justiça a seu nome, voe!

            Karbeth assentiu com a cabeça, olhou em direção de uma cordilheira, o céu estava límpido, o sol brilhava forte, era como um convite. Karbeth deu a primeira impulsão de sua vida, voltou a abrir as asas, deu um impulso e as bateu fortemente, ele sobe a uns cinco metros do chão seguindo em frente e mergulha, e no queixo, com linhas de chifres acima das sobrancelhas. O nariz se assemelha a um focinho e tem um pequeno chifre. Uma o draco tem chifres que se estendem para trás sobre o pescoço, orelhas com barbatanas, e chifres menores nos lados da face barbatana começa atrás da cabeça e se estende até a ponta da cauda. O dragão cheira a fumaça e enxofre, e suas escamas brilham em tons de carmesim e escarlate, a sua calda tem 15 metros de comprimento, e no final uma ameaçadora ponta em forma de flecha, super afiada. Começou a bater as asas, no começo de forma meio desajeitada, e depois com uma propriedade como se nunca houvesse feito outra coisa na vida, e voou para o alto da montanha, em direção ás nuvens como tinha desejado há alguns dias, foi ganhando altura até desaparecer na paisagem.

            Cerdoc acompanhou toda a cena e ficou contente por Karbeth, pois sabia que o coração dele era puro. Mas ainda assim, algo lhe perturbava, pois sabia que sem contrapontos não seria possível estabelecer parâmetros e criar sua obra infinita.                                          

           

“E ainda que Cerdoc nada houvesse revelado sobre o mal... ele surgiu.’’

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