Capítulo V

Passava pouco das dez horas quando chegamos. O aroma inconfundível da minha infância emanou de todos os cantos, com ele veio diversas lembranças, todos os cantos têm uma história a contar. Algumas das quais eu não quero ouvir e esse foi um dos motivos para eu ficar mais de seis meses sem ir até aquele lugar.

Assim que estacionei o carro ela saiu correndo para se juntar ao meu pai que cuidava de alguns bichos próximo a casa, ainda de dentro do carro observei o lugar onde cresci: A casa estilo colonial, a ponte de dormentes sobre o rio que fica mais a frente

Meu coração aqueceu e percebi o quanto sentia falta daquele lugar, mesmo que eu ame a vida movimentada da cidade, o tumulto de meu escritório e saiba que por inúmeros motivos e memorias eu jamais conseguiria viver ali. Aquele rancho ainda havia sido o lugar que vivi muitos dos melhores momentos de sua vida.

Peguei as coisas da Lai no porta-malas e estava indo para dentro quando minha mãe saiu de sua oficina de arte, onde ela passa grande parte do seu dia, ela é uma excelente artista plástica, pinta quadros e esculturas como nunca vi. Vê-la fazer o que ama me enche de alegria, visto que, devido ao derrame que teve a mais de quinze anos atras achamos que ela nunca mais conseguiria fazer aquilo. Mas ela diz que toda inspiração vem daquele lugar e que foi aquilo que a curou.

Ela sorriu e me abraçou.

- Então você achou o caminho de casa de novo menina? Achei que tinha esquecido como se vinha pra cá! – disse pondo as mãos na cintura.

- Oi mãe, também estava com saudade, mas não finja que quer estar aqui falando comigo. – ri revirando os olhos. - a Laila está com o papai lá trás. - E sem falar mais nada ela saiu para ver aquela que faz com que eles me liguem todos os dias só para ver o sorriso dela.

Subi até meu antigo quarto que já não uso a mais de quinze anos e foi passado para a Laila na última férias que passou ali. Coloquei a mochila sob cama e se sentei. De todos os lugares da casa aquele sempre foi o que me causa mais nostalgia e também mais dor, por isso o abandonei antes mesmo de minha viagem pelo mundo a tantos anos atras.

Olhei para aquele quarto que um dia foi meu refúgio, quase nada havia mudado desde a última que vez que eu o havia chamado de meu, exceto as imagens dos porta-retratos que foram alteradas.

Ali sentada na cama de dossel, várias lembranças me inundaram, algumas incríveis como as marcas feitas no marco da porta marcando cada centímetro que cresci no decorrer dos anos. Sorri ao notar que agora acrescidas a essas estava as da minha filha; Mas outras nem tanto, como as iniciais E&R gravadas dentro de um coração, feitas com um estilete na madeira da janela.

Ao lembrar delas levantei-me e fui até a janela para verificar se ainda estavam ali, por um instante desejei que em algum momento alguém as tivesse apagado. Mas é obvio que ainda estavam lá, para me lembrar que as vezes algumas coisas simplesmente não são para ser e lutar contra isso só causa mais dor.

Passei a mão sobre aquelas ranhuras na madeira e senti um aperto no peito, olhei para cama, juro que eu pude ver tantos anos atras o exato momento em que meu coração se quebrou:

Eu tinha dezessete anos, estava namorando a quase dois quando ele entrou pela janela com a expressão torturada, trazendo a notícia que fez meu coração ser estilhaçado, depois de muito tentar seu pai havia conseguido um jeito de nos separar, eles se mudariam para a Itália, tentamos arrumar outra saída, mas não havia nada que pudéssemos fazer. Depois de muitas lagrimas acabamos cedendo ao desejo que a tanto tempo estava nos corroendo, eu estava nua em seus braços quando disse que o amava, e ele não respondeu, no lugar levantou e foi até a janela por onde ele sempre se esquivava a noite e gravou nossas iniciais.

Naquela época eu entendi aquilo como a forma dele dizer que também me amava, mas depois, nos anos que se seguiram eu soube que aquele gesto nada mais foi do que uma forma de se esquivar do peso das palavras que eu havia dito.

 Já fazia mais de quinze anos, mas a forma com que as coisas terminaram ainda doía em mim. Quando ele se foi não perdi apenas meu namorado, perdi também meu primeiro amor e meu melhor amigo.

Normalmente eu consigo deixar a dor pelo passado de lado. Na verdade, isso é bem fácil se eu parar para analisar tudo que tenho hoje, uma vida estável, uma profissão que adoro, uma filha incrível e um marido que amo.

Mas quando me deparo com esses pequenos detalhes, como aquelas malditas iniciais, ainda machuca e faz eu me perguntar o que se deu dele. Faz eu me perguntar se o reconheceria se o visse.

Permiti-me olhar mais uma vez aquelas iniciais, depois sai deixando para trás aquelas lembranças, assim como o passado.

O quarto que uso desde que me casei foi escolhido muito cuidadosamente por mim. Peguei um que da vista para os campos e para a curva do rio, sendo possível ver parte do parreiral o que dá uma vista sensacional que nunca me canso de ver.

Fui até meu closet e sorri ao me deparar com minhas roupas, aquelas são roupas que uso apenas ali, elas jamais combinariam com uma advogada sênior então nem faria sentindo levá-las para a cidade. Tirei meus saltos de verniz doze centímetros, a saia lápis e a camisa social, no lugar coloquei minha bota, uma calça de montaria, uma regata branca, prendi o cabelo em um rabo de cavalo e desci.

Agora me sentia pronta para encarar as poucas horas que passaria ali. O Caio costuma dizer que eu encaro essa coisa de sair de casa e da rotina muito a sério, porque sempre que volto para casa dos meus pais, por exemplo, eu entro de cabeça deixando minhas roupas e meus costumes da cidade tudo para lá.

Mas isso não é proeza somente dali, também acontece sempre que viajamos, acontece que eu gosto de estar adequada ao local e me sentir confortável nele, então adapto-me ao ambiente e me deixo levar por ele. Essa foi uma das coisas boas que aprendi com meu passado, adaptar-se ao novo e aproveitar ao máximo.

Depois de me trocar fui direto para baia dos cavalos, tem um potro novo, então eu sabia que estariam todos lá, meu pai fala desse potrinho desde que a égua emprenhou, sempre dizendo que ele já tinha dona. E eu faço ideia de quem seja essa dona.

A vozinha de admiração da Laila ao ver aquela coisinha linda era incrível, os olhinhos dela olhavam dentro dos olhos do animal e os dois pareciam se entender, nenhum dos dois pareciam ter medo.

- Olha que lindo filha, o vovô já deu nome para ele? - me aproximei, dei um beijo no rosto do meu pai. - Oi pai. - Ele sorriu e me deu um abraço meio sem jeito.

Meu pai é um homem incrível, eu e ele sempre fomos muito próximos, mas qualquer demonstração de carinho em público continua deixando-o extremamente encabulando e ele ainda não aprendeu como reagir.

- É faísca mamãe, o vovô disse que se eu quiser ele pode ser meu e eu posso montar ele quando tiver treinado. Eu posso ficar com ele mamãe? Posso por favor? - Os olhinhos cheios de expectativas fizeram eu lembrar de mim mesma quando ganhei meu primeiro potro e sorri.

- Claro que pode, vamos vir aqui ver ela algumas vezes para ele não esquecer de você antes das férias ok? - Agora deixa a mamãe tirar uma foto sua com ele para m****r pro papai.

Ela mais que de pressa abraçou o potro e sorriu, ficamos mais um tempo vendo os animais, havia também leitõezinhos novos e ela estava doida para entrar no chiqueiro para pegá-los, eu obviamente não deixei, mas imaginei que em algum momento dos próximos dias aquilo ocorreria,

O almoço foi servido, nos limpamos e entramos.

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