Capítulo II

Após três meses que havia ocorrido a reunião, meu tio estava mais calmo e não nos incomodava mais. Nós começamos a acreditar que por não conseguir o apoio da família, ele havia desistido de nos atormentar. Mas na verdade não foi o que aconteceu, ele apenas estava esperando o melhor momento de dar o seu último e decisivo golpe.

Embalados pela ideia de que tudo ficaria bem e poderíamos ficar juntos, começamos a planejar nosso futuro. E quando digo planejar, é porque planejamos mesmo, cada detalhe. Falamos de casamento, filhos e tudo mais que tínhamos direito.

A ideia inicial era que: tiraríamos um ano para viajar, fizemos até uma lista dos locais que iriamos conhecer. Depois daquele período voltaríamos ao Brasil e iriamos para a faculdade, morariamos juntos em um apartamento que meus pais tinham na capital e ficava bem próximo a universidade que ambos pretendíamos ir. Eu cursaria artes plásticas como minha mãe e ele faria música, depois a logo prazo entraria o casamento e os filhos. Mas quando seu aniversário de dezessete anos chegou aqueles planos foram por água abaixo.

Meus tios deram uma festa enorme, do jeito que o deixaria extremamente feliz, todos os seus amigos estavam lá, até mesmo os da cidade vizinha, que ele morava antes de sua mãe se casar, mas Ricardo passou a festa toda muito calado. Mesmo que eu o tenha questionado sobre o motivo, só vim saber o porquê a noite, quando a festa já havia acabado e já estava em meu quarto pronta para dormir:

Ouvi um plec na janela, seguido de mais dois, aquele era nosso sinal para que eu abrisse a janela, levantei em um salto e corri para ela a abrindo e me afastando. Ele escalou por uma árvore que fica próxima a minha janela e entrou, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele me abraçou, enterrando o rosto em meu pescoço, respirou fundo exalando meu cheiro e seus braços se apertaram ainda mais em torno de minha cintura, então senti suas lagrimas.

- Hey. – me afastei para olhá-lo com preocupação .

Vendo sua face cheia de dor sentei-me em minha cama e o puxei para que ele sentasse ao seu lado.

– O que houve? – passei a mão em seu rosto, ele pousou o rosto sobre minha mão.

- Meus pais vão se mudar para a Itália. – sua expressão era torturada, sua voz estava profunda e cheia de dor.

Ao ouvir aquela frase senti como se tudo estivesse desmoronando. Meu coração se apertou e meus olhos se encheram de lagrimas quando eu finalmente entendi a proporção do que eu havia acabado de ouvir.

Aquelas palavras reverberam pelo quarto, me inundaram de dor e tristeza. Meu namorado iria embora e não havia nada que nem um de nós dois pudéssemos fazer.

- Quando? – minha voz saiu tão baixa que quase eu não a ouvia.

- Eles já arrumaram tudo, só me falaram hoje antes da festa, o voo é em três dias. – ele fechou os olhos e respirou fundo. - eu pedi a emancipação Lena... eu implorei pra que me deixassem com a vovó, mas meus pais se negam, ele disse que eu terei que ir, mas eu não posso ficar sem você, o que eu faço Lena?

Eu o abracei, enquanto mentalmente buscava uma solução, qualquer coisa que pudesse ajudar de alguma forma a resolver aquilo, mas nada me veio. Eu o olhei, sem nada que pudesse ajudar, agarrei-me a única coisa que pensei. Seria doloroso, mas poderíamos dar um jeito e disse tentando aparentar uma voz empolgada, mas não tive sucesso:

- Ei, só falta um ano para você completar os dezoito, assim que isso ocorrer, você volta. A gente pode se falar todos os dias, um ano passa rápido, podemos fazer isso.

Aquela não era nem de longe a melhor das ideias, eu sabia disso mas eu o esperaria, esperaria a vida inteira se fosse necessário, mas seria apenas um ano, esse era um preço pequeno a pagar se pudéssemos ficar juntos depois e eu o pagaria de bom grado.

- Eu falei lena, que não adiantava, que ele não ia conseguir nos separar, que eu voltaria assim que pudesse e que nunca mais falaria com ele se ele fizesse isso.

- O que ele disse?

- Que se eu for e quando eu for de maior ainda te amar, ele vai aceitar nosso namoro e não vai me impedir de voltar.

- Então, é isso que faremos, você vai. – as lagrimas fluíam ainda mais de meus olhos. – e quando voltar faremos exatamente como planejamos, viajamos o mundo, depois vamos morar juntos, fazer a faculdade, casar e ter nossos três filhos.

Ele assentiu com um leve sorriso e me abraçou.

Em seus braços eu sentia-me completa, como eu poderia viver sem aquilo? Mas isso era algo que eu sabia que teria que descobrir.

Ficamos apenas sentados nos olhando como que para memorizar cada detalhe do outro por um bom tempo. Até que os olhares vieram acompanhados de pequenos toques, os toques passaram a vir seguidos de beijos, e depois dos beijos as camadas de roupas que separavam nossas peles foram tiradas.  Nos necessitávamos um do outro como nunca havíamos necessitado. Cada movimento, gesto ou olhar deixava isso claro, ambos ainda tínhamos lagrimas nos olhos quando nos encaixamos, foi como se duas peças de um mesmo quebra cabeça, tivessem sido postas no local e a sensação de completude me tomou

Aquela seria uma noite que eu lembraria por muito tempo com um grande carinho mas também com muita dor no coração. Eu nunca havia sentido nada igual, não só por ter sido minha primeira vez, mas porque cada pedacinho de mim soube que sempre pertencia a ele e que jamais pertenceria a ninguém com a mesma intensidade.

Ambos ainda estávamos nus e ofegantes quando ele disse:

- Foge comigo? – as suas palavras saíram tropegas, desesperadas e cheias esperança.

Eu acariciava seu peito, parei e olhei em seus olhos. Eu vi tudo que poderíamos ser, tudo o que com aquela simples frase ele ofertava. Desejei por aquilo, assim como o desejava, com todas as forças de meu infame ser, só nos dois juntos e ninguém mais para nos atrapalhar.

Eu conseguia me ver aceitando, fugindo com ele, mas então vieram as perguntas: como meus pais reagiriam? O que nos faríamos depois? Então vieram as certezas, aquilo decepcionaria cada uma das pessoas que ficaram ao nosso lado, e poderia abalar profundamente as relações da família inteira.

Foi com lagrimas novamente nos olhos que eu falei:

- Eu não posso fazer isso. – a dor atravessou meu peito, eu pude jurar, que ao ver a expressão de pura agonia em seu lindo rosto, aquela expressão se instalou em minha alma e nunca mais saiu.

- Desculpa Lena, - ele fez que não, irritado com sugo. - não devia nem ter perguntado é claro que não pode, eu sei, eu sei não chora. – sua voz estava complacente, mas seus olhos estavam tristes e vazios.

Eu dei um beijo suave em seus lábios e fiquei o observando, olhava para cada pedaço seu, tentava memorizar, seus olhos castanhos esverdeados, cabelos do mesmo tom sempre caindo pela face, maxilar marcante, desci o olhar, notei seus braços musculosos que sempre me serviam de casa, seu peitoral definido que várias noites foram meu travesseiro, e por último aquela parte recém-descoberta por mim, que pulsava enquanto ele acariciava a lateral de meu corpo. Meu coração estava acerelado, quase explodindo por causa dele, das sensações que ele me causa.

Sorri ao perceber que o quanto aquela sensação era boa, mas logo a tristeza tomou-me novamente, o que o futuro nos reservava parecia não ser algo possível de suportar. Nossos olhos se cruzaram e vi a mesma dor refletida em seu olhar.

Foi um péssimo momento, mas diante da eminente separação as palavras que eu nem sabia que precisavam ser ditas, vieram, e eu soube que elas estavam a tempo demais esperando para sair e foi um alívio imenso dizê-las.

- Eu te amo... – ouvi-las me mostrou o quanto eram verdadeiras, foram apenas três palavras, mas elas fizeram meu coração se quebrar e colar, batendo descompassado e por fim lamentei não as ter dito antes.

Ele olhava-me com olhos brilhantes, soltou um pequeno sorriso, mas no lugar de responder com as palavras que eu queria ouvir, ele me abraçou protetoramente e deu um beijo em minha testa dizendo apenas:

– eu sei!

Não ouvir as palavras que eu nem sabia que necessitava ouvir, foi como se apunhalada e meu peito se apertou ainda mais.

Ele se levantou, eu o observei caminhar até a minha mesa de estudo, e pegar um estilete. Ele me olhou e sorriu suavemente, depois caminhou até a janela, em seu arco gravou um coração com nossas iniciais no centro. Depois voltou até mim e disse pousando os lábios nos meus:

- Isso é para que você sempre se lembrar de mim. – acariciou meu rosto. – sempre se lembre de nós. – e me beijou.

Eu sorri entendendo o seu gesto, mas ainda assim gostaria de ter ouvido aquelas três palavrinhas em seu lugar.

                                                             ...

Os três dias seguintes passaram como um furacão, nós passamos cada minuto deles juntos e quando não estávamos juntos estávamos trocando mensagens, combinamos que não pensaríamos no dia da viagem, que apenas aproveitaríamos intensamente os dias que nos restava juntos e assim fizemos, mas então, rápido demais chegou o dia da sua mudança.

E de todos os momentos que vivemos, aquele dia sempre foi o mais difícil de tirar da minha cabeça. Também foi o mais vivido de todos.

Eu passei toda a amanhã angustiada sem saber se conseguiria me despedir. Quando minha mãe me chamou para irmos eu desci em silencio, entrei no carro em silencio e permaneci em silencio até o aeroporto. Eu queria gritar, queria chorar, mas não conseguia, não tinha forças para nada, então permaneci em silencio deixando meus pensamentos vagarem por tudo que havíamos vivido.

Quando cheguei ao aeroporto meu coração estava estilhaçado. Lembro do vazio que sentia em meu peito, da sensação de perda que senti assim que o vi:

Ele estava sentado de cabeça baixa, sua irmã estava deitada com a cabeça em sua perna. Nas expressões de ambos estava nítido que nenhum deles queriam ir e me perguntei o que sua irmã, ainda tão novinha, poderia estar abandonando. Foi ali que eu descobri o peso do ódio, pois era o que estava sentindo por meus tios e ele veio junto com um gosto amargo e uma vontade desesperadora de gritar. Eu não gostei nenhum pouco daquela sensação.

Eu quis ir até ele, abraçá-lo dizer que o amava. Mas minhas pernas estavam pesadas demais, meu corpo não respondia a ordem de se mexer, e eu não tinha forças para lutar com ele para me mover.

A Luci, foi a primeira a me ver. Ela levantou em um salto e correu até mim que me abaixei e a abracei apertado, só então percebi que as lagrimas haviam começado a cair em meu rosto. Ela se afastou, me olhando com os olhinhos tristes e pesados, olhar esse que nunca deveria estar em uma criança.

- Eu não quero ir Ellena. – sua vozinha estava cabisbaixa, sem a euforia e alegria de sempre, eu a abracei novamente e lhe disse.

- Eu sei pequena. Mas sempre que quiser pode pedir seu irmão pra me ligar ta bom?

- Você promete que vai me ver? – aquela pergunta fez eu morder a parte interna de minha boca com tanta força que senti o gosto de sangue e olhei para meu tio que não nos olhava, depois olhei para ela. – eu não acho que seja possível pequenina.

Ela abraçou-me apertado, depois correu para o colo do irmão que nos observava, no exato momento em que Clarisse se pôs entre nós e estendeu a mão para me ajudar a levantar. Eu a peguei com relutância, não sabia o que esperar daquele gesto, afinal ela carregava parte da culpa por aquela mudança. Minha tia olhou nos meus olhos e vi uma pontada de dor nos seus quando ela disse:

- Ellena, sei que vocês dois não entendem o que estamos fazendo, mas temos nossos motivos, é melhor afastarmos vocês antes que seja tarde demais.

- Tarde para que tia? Para partimos o coração um do outro? Isso são vocês quem estão fazendo. – suas palavras fizeram meu sangue ferver, as palavras saíram mais alto do que eu pretendia, atraindo diversos olhares para nós.

- Eu sinto muito querida! De verdade. Eu sinto muito. – ela aproximou-se para me dá um abraço, mas me desvencilhei sem entender o real motivo daquelas palavras.

Meu tio deu um passo cauteloso em minha direção eu apenas fiz que não e dei um passo para trás, ele não insistiu apenas abaixou a cabeça e sentou com a filha chorosa no colo.

Ricardo se aproximou nessa hora, ficamos parados nos encarando, ambos com lágrimas correndo pela face, e eu juro que podia sentir meu coração também chorar. Ele não se moveu, eu também não conseguia fazer, por mais que eu quisesse beijá-lo, abraçá-lo, eu não consegui me mexer.

- Ellena. – ele disse meu nome como se fosse a mais preciosa das orações.

Ele chegou mais perto, quando o encarei senti um vazio imenso, ele ainda não havia ido mas foi naquele momento que eu soube que o estava perdendo.

 – Eu te... – Ele começou a dizer as palavras que eu tanto quis ouvir, mas naquela hora eu sabia que nem elas adiantariam, mas se ele as falasse eu iria me agarrar a ele e começaria a implorar para que ele não fosse.

Então antes que ele pudesse concluir a frase dei um passo para trás seguindo de outro e balancei a cabeça tentando secar as lagrimas que me atrapalhavam a enxergar. Vi ele estender a mão para tentar me alcançar, nós olhamos uma última vez.

Então meu corpo se moveu, mas não em sua direção, sim para longe dele, para fora daquele lugar que parecia me sufocar.

Senti meu coração se quebrar em mil pedaços, quando o ouviu chamar meu nome pela última vez e depois nunca mais o vi.

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