Capítulo 5 - Incendeia-me

“A única coisa certa do planejamento é que as coisas nunca ocorrem como foram planejadas.”

Lucio Costa.

Flash back on

Elisa, vá brincar na piscina com suas amiguinhas. – a professora de educação física disse. - Elas não são minhas amigas. – sussurrei.

- Você precisa entrar. Como poderei avaliá-la se você não fizer o que eu digo?

- Não me avalie. – disse enquanto olhava fixamente para um ponto qualquer.

Meus olhos nunca encontravam os daquela mulher. Na verdade, meus olhos não encontravam os de ninguém.

- Elisa, agora estou falando sério. Ou você entra ou eu pessoalmente irei jogá-la na piscina! – as crianças já começavam a me encarar. Seus olhos pareciam queimar minha pele. Eu só queria sair daquele lugar. – Elisa, estou falando com você! – Ela precisava parar de falar, a voz dela parecia explodir minha cabeça! Tapei os ouvidos na tentativa de amenizar a dor. Fechei os olhos.

Quando percebi, já estava sendo carregada no colo em direção à piscina.

- Não! Não! Não! Por favor, não! – as pernas ainda pequenas se debatiam descontroladamente. Quanto mais próxima à água, maior era o pavor. – Por favor, por favor! Isso não! – as lágrimas já desciam descontroladamente.

Nada disso foi suficiente para evitar o banho. As meninas riam, e o peso da humilhação era o suficiente para me afundar. Mas para as crianças, aquilo estava longe de ser o pior. A diversão havia apenas começado.

- Onde pensa que vai, Elisa? Não adianta fugir, você sempre será a estranha da turma! – uma das garotas me segurava pelos cabelos.

- Me solta! – de todas as maneiras eu tentava me libertar, mas as outras crianças passaram a jogar água no meu rosto.

- Minha mãe disse para não me aproximar de você. Disse que você é suja. – o garoto ria. Eu tentava permanecer forte, juro que tentava. Mas eu queria chorar e sair daquele lugar.

Alguém puxou meu pé, me fazendo afogar. O desconforto da água entrando pelo nariz, os olhos ardendo, a tentativa desesperada de firmar os pés num chão que ficava a alguns centímetros a mais do que eu poderia alcançar. Eu só queria que aquilo acabasse. Tossia desesperadamente.

- Não toque nela! Você não sabe que tipo de doença ela tem! Vai que ela infequita você.

- É infecta, sua burra!

- Burra é sua mãe!

- Tá achando que a minha mãe é a mesma que a dessa garota? – jogou água no meu rosto.

- Claro que não! Se fosse você seria bem pior. – as crianças riam. Tentei aproveitar o momento e nadar até a escada, mas me seguraram pelo maiô.

- Que tal voltar pro lugar de onde você veio, hein?

- O que você vai fazer? - perguntei com a voz trêmula.

- Pessoal, vamos afogar ela!

- Por favor...

Não tive a chance de terminar a frase. Eu tentava lutar pra respirar, pra conseguir um pouco de ar que fosse, um pouquinho já era o suficiente. Meu corpo parecia queimar, tudo parecia se tornar um flash. Meus pés não se firmavam no chão. Eu tentava fazer com que parassem tentando arranhar as pernas deles, mas parecia não adiantar. No fim, eu já não tinha mais forças, então desisti.

Flash back off

Não sei ao certo o que aconteceu enquanto estava desmaiada. Mas sei que não morri. Ou será que estava enganada? Ao abrir meus olhos vi Daniel me apoiando em seus braços para que eu pudesse respirar. Estava fraca, mas me sentia segura. Descansei a cabeça em seu peito e sorri.

– Nunca mais me dê um susto desses. – senti o alívio em sua voz.

– Pode deixar. Nunca mais chego perto de nada mais fundo que uma banheira. – sorri.

– Como pode brincar com algo assim após quase morrer afogada?

– Porque não morri. – senti um arrepio na espinha ao dizer.

Quando ele ia falar algo, alguém gritou:

– ELISA! – vi Marisa saindo do lago correndo em nossa direção que nem uma abestada.

– Obrigada, Daniel. – e então desmaiei.

Ao retomar a consciência, novamente, percebi que estava de roupão deitada no sofá da sala de estar. Eu estava com a cabeça apoiada na perna de Marisa e na poltrona ao lado estava meu irmão. Os dois conversando. Marisa começou a me cutucar perguntando se eu estava bem logo que percebeu que eu havia despertado. Tive que dizer que sim umas dez vezes para que ela se acalmasse.

– Me perdoe, Elisa. Você sabe, né? Daniel infantil do jeito que é começou a discutir comigo e eu acabei me distraindo. Me perdoe. - dizia enquanto eu me levantava.

– Ainda bem que você é super madura, né Marisa? – ironizou.

– Mas é claro. – ela me ajudava a manter a estabilidade enquanto estava parada de pé. – Vamos Elisa, vou te ajudar a trocar de roupa pra gente jogar Twister.

– Twister? – ela queria acabar comigo?

– Marisa, hoje não. – Daniel parecia estressado.

– Quer saber? Eu topo. Vai ajeitando o tapete que eu vou trocar de roupa. – queria me divertir, cansei de tanta preocupação.

– Tudo bem. Se é assim, eu rodo a roleta. Quero ver o que vocês duas vão aprontar. – falou Daniel com um sorriso no rosto. Provavelmente já estava imaginado o que iria acontecer.

Subi para meu quarto e tomei um banho rapidamente. Coloquei uma calça skinning e uma blusa colada no corpo. Jogar Twister com roupas largas não dá muito certo, aprendi isso da pior maneira. Fui para a sala de jogos e Daniel e Marisa já me esperavam. Daniel rodando o ponteiro pensando na vida e Marisa se aquecendo.

– Vamos? – perguntei.– Mas é claro! Só estávamos esperando você! – dizia minha mais nova amiga.

Passamos o resto da noite jogando. Depois de ficar em cada posição que nem eu imaginava que existia, acabei ganhando. Isso porque Daniel e eu trapaceamos. Fizemos ela rir e acabar perdendo o equilíbrio.

Marisa foi embora umas onze horas da noite. O chofer dela tinha vindo buscá-la. Meu irmão foi para a cozinha e eu o acompanhei. Daniel fez algo pra comermos e ficamos conversando.

– Pensei que morreria. – comentou Daniel lembrando do que acontecera mais cedo.

– Eu também. – disse olhando fixamente para o prato.

– Por favor, Elisa, tome mais cuidado.

– Tentarei. Minha sorte é que tinha um médico só pra me salvar. – sorri.

– Exatamente. Sou médico, não salva vidas.

– Mas você salvou minha vida. – apoiei o queixo nas mãos enquanto falava.

– Eu sei, mas prefiro não correr o risco. Helen me mataria se acontecesse algo com você e eu também.

– Então se prepare porque eu já caí do cavalo, me afoguei, devo ter quebrado algumas costelas jogando Twister e também devo estar envenenada. – comecei a rir.

– Não fale da minha comida. Ela não merece isso.

– Tem razão. Me desculpe. Eu esqueci que faz parte da profissão intoxicar as pessoas pra não perder a clientela. – ele olhou pra mim com uma cara que me deu medo.

Daniel começou a se levantar pra correr atrás de mim. Eu me levantei rapidamente e comecei a fugir. Não sabia se ria ou se corria. Descobri que ele tinha uma grande parte da personalidade da mamãe. Já estava acostumada a correr dela quando tocava em assuntos como idade ou quando não tocava em assunto nenhum, ignorando-a. Eu gritava, com medo do que poderia acontecer se ele me pegasse. Mas tive o azar de tentar abrir uma porta que estava trancada. E essa foi a deixa pra ele me alcançar.

Ele me pegou pela cintura, colocou-me em seus ombros e me levou até a sala de estar. Me jogou no sofá e disse:

– Agora terei minha vingança. – mostrou um sorriso malicioso.

Ele começou a fazer cócegas em mim. Eu me contorcia de tanto rir. Fui caindo no chão e ele continuava a me fazer rir. Quando não conseguia mais respirar Daniel parou. Abaixou-se na altura do meu ouvido e disse:

– Não brinque com fogo, Elisa. Você pode se queimar. E nunca mais fale mal da minha comida, ok? – fiz que sim, afirmando que tinha aprendido a lição.

Ele levantou a cabeça na altura do meu rosto e ficou olhando fixamente em meus olhos. Aquilo me deixava sem graça, vermelha e sem reação. Minha respiração começou a ofegar mais ainda. Até que ele começou a se aproximar mais e mais. Fechei os olhos e me preparei para o que viria depois. Então ele deu um beijo em minha testa. Estremeci com o toque de seus lábios.

– Vá dormir, Elisa. Você precisa descansar. – disse ele com sua doce voz. Assenti. Mas eu sabia, que a última coisa que eu faria naquela noite era dormir.

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