Capítulo 2

Ainda bem que te encontrei

Agora sou mais feliz

Igual não tem

Me trata bem

Do jeito que eu sempre quis

(Ainda Bem – Thiaguinho)

JOÃO

Entrei no escritório e dei “boa tarde” para a recepcionista e a assistente da diretoria de forma mecânica. Ainda estava meio tonto com o que tinha acabado de acontecer. Ao chegar à minha sala, afrouxei um pouquinho o nó da gravata e fui para a mesa. Em cima dela, um monte de pastas para analisar. Mas, entre os meus dedos, girava um cartão de visitas de uma mulher espetacular e que me deixou completamente fascinado: Malu Carvalhal.

Peguei o telefone e disquei para o ramal da Tatiana. Atenderam no terceiro toque e reconheci a voz da sua assistente.

— Boa tarde, doutor João Marcelo. A doutora Tatiana está em reunião. Posso ajudar?

— Pode sim, Adriana. Preciso falar com ela assim que essa reunião terminar. É um pouco urgente. Peça para ela vir até a minha sala. Preciso resolver um assunto com ela pessoalmente.

— Darei o recado assim que a reunião terminar.

— Obrigado.

A parte da manhã tinha sido um festival de aborrecimentos. Reuniões improdutivas, tarefas burocráticas sem fim e a notícia que teria que assumir um caso que era de responsabilidade do Mário, o advogado mais insuportável do escritório. Ele  recebeu outra proposta de emprego e pediu demissão no fim do dia anterior. Com isso, todos os seus casos foram distribuídos para cinco advogados e, para meu azar, eu fui um deles. A parte boa de tudo isso é que ele vai direcionar suas piadas sem graça com seu humor de qualidade duvidosa para outras pessoas a partir de agora.

Saí mais cedo para almoçar, pois se existe uma coisa capaz de me alegrar é uma boa comida. Esse meu lado guloso me faz treinar além da conta na academia para compensar. Por sorte a minha mesa preferida estava vaga e pedi uma água para acalmar os nervos antes de pedir meu prato. O ideal seria beber uma boa taça de vinho, mas tive que adiar esse prazer para quando estivesse no meu apartamento.

Estava completamente perdido em meus pensamentos quando ela surgiu na minha frente. Linda, sorridente, com um perfume delicioso. Ela se apresentou, pediu desculpas pelo atraso e sentou-se diante de mim esbanjando simpatia e sensualidade. Eu já ia falar que deveria ser algum engano, mas quando ela mencionou o nome da Tatiana, recuei. Aquela safada tinha armado uma pra mim!

Conheço a Tatiana desde a época da faculdade. Ela namorava meu melhor amigo, Diego, e são casados há um ano. Desde então, Tatiana enfiou na cabeça que eu precisava me casar para promover jantares de casais na casa deles. Eu ria de toda aquela ladainha. Aos 31 anos eu ainda me achava novo para casar.

Ouço duas batidas na porta. Ela entra.

— Olá, Joãozinho. — Ela se senta sorridente na cadeira diante de mim. — O que há de tão urgente para falar comigo?

— Você não tinha o direito de fazer aquilo. — Tentei falar sério e fiz minha melhor cara de bravo, mas na verdade queria rir. Ainda mais depois de ela fazer uma genuína expressão de apavorada.

— O que foi que eu fiz?! — Ela levou a mão aos lábios e me olhou confusa.

— Armar um almoço surpresa com essa sua amiga Malu. Imagina a minha cara de idiota olhando para ela quando percebi que você tinha armado o encontro às cegas.

— João, peraí. Que história é essa?

— Para de teatrinho, vai. — Desfiz a expressão brava e relaxei na cadeira. — Ela é linda. Não gostei da armação, mas você acertou em cheio no meu gosto.

— Continuo sem entender nada. Que papo de maluco é esse? Quem é Malu? Não conheço Malu alguma, João Marcelo.

Ela não falou Joãozinho ou João. Falou João Marcelo. Será que ela realmente não estava fingindo?

— Aqui está o cartão de visitas da sua amiga para refrescar a sua memória. Fiquei de entrar em contato para marcar outro encontro. E não vai demorar muito, posso te garantir.

Tatiana pegou o cartão e continuou com a expressão confusa. Leu atentamente, ajeitou os cabelos de forma nervosa e cruzou os braços em cima do peito. Depois passou a jogar o pequeno cartão de uma mão para outra como se ele estivesse pegando fogo.

— João, não tô brincando. Eu não sei quem ela é. Por favor, me explica desde o começo. Essa garota disse que foi almoçar com você por que eu tinha marcado um encontro? E que ela era minha amiga?

Tatiana parecia realmente nervosa e confusa. Ela gostava de brincar, contar piadas, pegar no meu pé, mas nunca nesses anos todos havia me pregado uma peça. Resolvi acreditar que ela realmente não sabia de nada e contei tudo desde o início. De ter chegado ao restaurante sozinho como sempre, da Malu ter vindo ao meu encontro, do almoço agradável e da troca de contatos com uma promessa para um próximo encontro.

— João, essa história é sensacional e mirabolante! Estou desconfiada que ela realmente tinha um encontro nesse lugar e confundiu você com o cara. Um encontro do Tinder, talvez?

— Tati, não faz sentido algum! Não foi encontro marcado por aplicativo. Ela sabia meu nome, que eu era advogado e tinha uma amiga chamada Tatiana.

— Coincidências. Não consigo achar outra justificativa.

— Não acha que tem coincidências demais nessa história? — discordei.

Tatiana estalou os dedos duas vezes e fez aquela expressão típica de quando tem uma ideia sensacional.

— Vamos fazer uma pequena investigação? — Apontou para o meu notebook de um jeito que só me restava obedecer. — Entra aí na sua conta do F******k. Com certeza ela deve ter perfis nas redes sociais. Não deve ser algo difícil de encontrar, o sobrenome dela, Carvalhal, não é muito comum.

Até parece que eu não tenho o que fazer para perder tempo em rede social! Respirei fundo, um tanto contrariado, mas precisava investigar aquela história sem pé nem cabeça. Acessei meu perfil e realmente foi muito fácil encontrar o da Malu. Sorri ao olhar a sua foto, constatando o quanto ela realmente era perfeita. Meu sorriso não passou despercebido pela Tatiana, tanto que ela fez a sua tradicional careta de quando quer me zoar.

— Muito bem. Até que a garota é bonita. Faz bem o seu tipo mesmo... Vamos ver agora a lista de amigas dela e achar a tal Tatiana. Clique aí, mocinho.

— Pois não, doutora — debochei do jeito mandão dela.

Por sorte a lista de amigos estava disponível para consulta. Duas Tatianas apareceram na pesquisa e entrei no perfil da primeira. Quando lemos que ela trabalhava na Mendes Tavares Associados, minha amiga bateu palmas.

— Ahá! Já matei a charada. A Mendes Tavares fica na mesma rua do restaurante, praticamente ao lado. Aliás, aqui na quadra existem muitos escritórios de advocacia. Portanto, encontrar um advogado chamado João nos arredores não deve ser coisa difícil. Suspeito que o seu xará deve trabalhar na Mendes Tavares também. Vamos fuçar se ela tem algum João nos contatos dela.

— Tatiana, você está me assustando. — Tive que rir, pois seus olhos brilhavam de satisfação ao investigar vidas alheias. — Não sabia desse seu dom de fuçar pessoas na internet. O Diego sabe dessa sua, digamos, habilidade investigativa?

— Seu amigo Diego é um molenga e sempre dorme antes do que eu. Sabe o que me resta fazer? Assistir episódios seguidos de seriados de investigação até ficar com sono. Estou quase virando uma detetive criminal. E se tem uma coisa que eles ensinam bem nos episódios é rastrear as pessoas na internet.

— Coitado do meu amigo... Diego se casou com uma stalker em potencial.

— Anda logo e para de me zoar! Procura aí, homem! A curiosidade está me matando!

Acessei os amigos da tal Tatiana, a amiga da Malu, e tinha apenas um João. João Carlos. Ao acessar seu perfil, vimos que de fato ele trabalhava na Mendes Tavares e, para nosso completo espanto, nós éramos muito parecidos fisicamente.

— Por isso ela se confundiu. — Apontei estarrecido para a foto. — A Malu estava procurando esse cara, só pode ser!

— Os dois até podem se parecer fisicamente, mas você ganha disparado. Ele não tem esmeraldas no lugar dos olhos.

— Para de ser cafona, Tatiana. Esmeraldas? Sério?

— Será que ela já sabe que almoçou com o cara errado? — Ela começou a andar de um lado para o outro na minha sala, excitadíssima em bancar a detetive. — E o outro João? Levou um tremendo de um bolo! — Ela riu alto e depois tampou a boca, ao perceber que havia quebrado o silêncio do escritório. — Você não notou esse cara lá?

— Não... Acho que se um cara tão parecido comigo estivesse lá seria impossível não notar. Que história mais maluca!

— E você ficou a fim dela, João Marcelo. Essa confusão toda até que foi positiva, hein? O que pretende fazer? Você tem um concorrente, amigo. Um concorrente que tem o mesmo primeiro nome, a mesma profissão e que parece seu irmão gêmeo.

— Pior que eu realmente gostei dela... E eu querendo te matar por ter me pregado uma peça e tudo foi uma tremenda confusão. Ela almoçou com o João errado.

— Posso te dar um conselho, já que sem querer caí de paraquedas nessa história? Afinal, se existe uma Tatiana metida nesse encontro às cegas eu me acho no direito de opinar. Eu acho que você...

Tatiana foi interrompida pela campainha do meu ramal. Atendi.

— Pois não, Adriana. Sim, ela está aqui. Darei o recado.

— Acabou a hora do recreio? — suspirou ela, contrariada.

— Acabou. O doutor Olavo está te aguardando para outra reunião. Depois conversamos. Sabe que ele detesta esperar.

Tatiana saiu correndo da minha sala e fui obrigado a encarar a pilha de pastas de processos. Quando finalmente o escritório colocaria tudo no formato digital? O meu recreio também havia terminado. Mas, antes de guardar o cartão da Malu na minha carteira, senti um sorriso involuntário no rosto. Olhei para a tela do computador, onde a foto do outro João ainda estampava. Sinto muito, amigo. Não tenho culpa se a Biologia nos fez parecidos, se as nossas mães nos deram o mesmo primeiro nome e a vida nos pregou uma peça. Eu estava no banco de reservas sem nem saber. Agora que eu entrei no jogo, vou ficar na partida até o final. E pretendo marcar o gol da vitória.

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