Capítulo 1

Tô te esperando já faz tempo

Tipo assim a vida inteira

Eu já te amava em pensamento

Juro não é brincadeira

(Até que enfim – Ferrugem)

MALU

O restaurante estava cheio. Realmente parecia ser um lugar aconchegante e o aroma da comida me lembrou de que ainda estava em jejum. Fiquei um pouco ansiosa e senti o coração acelerar. Bateu um tremendo arrependimento e uma vontade gigantesca de dar meia volta e fugir do restaurante. Mas, já que estava ali, precisava seguir adiante. De onde estava, perto da recepção, dei uma checada pelo ambiente até que encontrei o tal João em uma mesa mais ao fundo. Usava camisa branca e gravata azul marinho e o corte de cabelo parecia bem melhor ao vivo do que na foto que a Tati me mostrou. Respirei fundo e caminhei até ele.

— Boa tarde. Você é o João?

Ele levantou os olhos do cardápio e um belo par de olhos verdes me encarou. Esse detalhe a Tatiana se esqueceu de mencionar. Os cílios eram perfeitamente viradinhos, fazendo uma moldura perfeita. E eu gastando rios de dinheiro com rímel quando ele tem isso naturalmente.

— Sim, me chamo João.

Ele deu um sorriso tímido e me olhou com curiosidade. Parecia me medir dos pés a cabeça. Será que eu estava tão diferente de quando ele me viu com a Tati?

— Eu sou a Malu. Desculpe pelo atraso.

Não entendo tanto assim de regras de etiqueta, mas ele não deveria se levantar para me cumprimentar? Já que o protocolo parecia ter sido quebrado por ele, resolvi puxar a cadeira em frente a ele e me sentei.

— Vou ser muito sincera com você, João. Eu nunca estive em um encontro às cegas antes. Então, se eu cometer alguma gafe, peço desculpas antecipadamente.

Ele continuava me olhando de maneira indefinida. Parecia hipnotizado. Em alguns momentos ele piscava sem parar, chamando ainda mais atenção para o par de olhos verdes. Mordeu levemente os lábios e deu um sorriso torto em seguida.

— Malu, acho que empatamos. Também nunca estive em uma situação como essa.

— Ótimo! Vamos combinar o seguinte. Eu finjo que não noto qualquer situação embaraçosa e você faz o mesmo.

— Combinado.

João deu um sorriso de tirar o fôlego. A Tati não mentiu, esse homem realmente é o meu tipo.

Fomos interrompidos pelo garçom querendo tirar nossos pedidos.

— Minha amiga Tatiana disse que você vem toda semana aqui. O que me sugere, João?

— Ah, a Tatiana disse? — Ele mordeu os lábios novamente e, apesar de notar que fazia aquilo por estar tão nervoso quanto eu, não deixava de ser um tanto sexy. — Eu gosto muito do medalhão de filé mignon com molho madeira e arroz à piamontese.

— Aceito sua sugestão.

— Então, Gilberto, serão dois filés. Eu quero mais uma água... E você, Malu?

— Uma água com gás, gelo e limão.

— Por enquanto é só isso. Obrigado, Gilberto.

— Por nada, doutor João.

Educado com o garçom, que o conhece pelo nome. Tô gostando! João me deu outro sorriso de tirar o fôlego, tomou um gole da água e me encarou com curiosidade. Em algum momento ele ia parar de me olhar daquela maneira?

— Malu... Gostaria de saber mais sobre você. Trabalha aqui perto?

— Não, trabalho em casa. Eu sou designer. Trabalho na criação de sites, marcas, logotipos, material publicitário, essas coisas. Mas as capas de livro realmente me fascinam, é a parte que mais gosto.

 — Parabéns! Trabalhar com criatividade deve ser muito divertido. Eu gosto de ser advogado, mas ler pilhas e pilhas de processos é cansativo às vezes.

— Assisto muitos seriados com advogados, tribunais e grandes julgamentos. Acho muito legal quando uma testemunha surge na última hora provocando um tremendo burburinho e o juiz batendo o martelinho.

Quando eu fico nervosa, disparo a falar sem parar. Será que o nome do troço é martelinho mesmo?!

— Como eu sou advogado corporativo, lido mais com fusões e assuntos administrativos. Desculpa decepcionar você, meu trabalho é bem mais burocrático.

— Você não me decepciona. De forma alguma...

Ah, se ele soubesse que eu nem queria vir e que agora preciso me controlar para não olhar para aqueles lábios carnudos. Posso afirmar com todas as letras que não existe qualquer decepção da minha parte.

Talvez por ser um restaurante perto de vários centros comerciais e escritórios com horários apertados de almoço, nossos pratos vieram em tempo recorde. A fome estava quase me matando e não me fiz de rogada quando cortei o primeiro pedaço daquele filé suculento.

— Hum, está delicioso!

Acho que gemi além da conta, pois João ficou novamente me olhando, hipnotizado. Ele sorriu, cortou um pedaço do seu medalhão e assentiu.

— Eu gosto muito de ler, Malu. Prefiro livros de suspense ou policiais. Será que você é a responsável pela capa de algum deles?

— Fiz a capa do último livro do Chris Louis, A Noite Seguinte. Você leu?

João largou os talheres, boquiaberto.

— O livro é muito bom! Eu não conhecia esse autor... — Ele ajeitou os cabelos e riu de si mesmo, como se recordasse de algo. — Preciso confessar que eu comprei o livro pela capa. Se eu pudesse adivinhar que conheceria a designer tão pouco tempo depois...

— Uau. — Precisei até tomar um gole d´água depois daquela revelação. — Adorei saber disso. Ainda bem que o livro é realmente bom. Já pensou se não tivesse gostado da história? Estaria me xingando neste momento por ter feito você comprar um livro ruim.

Rimos da minha brincadeira e seguimos para outros assuntos. Como o inverno estava se fazendo presente, acabamos falando sobre viagens para lugares frios. Ele já havia visitado uma estação de esqui e achei aquilo o máximo. Eu nunca tinha visto a neve a não ser através dos tradicionais filmes natalinos.

O papo estava ótimo, parecíamos velhos amigos. Um assunto puxava outro e nunca ficávamos sem ter o que falar. Porém, cerca de uma hora depois, o celular do João fez um sinal sonoro. Ao checar o aparelho, pela primeira vez durante o tempo do almoço, ele fez uma expressão contrariada.

— Malu, infelizmente preciso voltar para o escritório. Se eu pudesse imaginar o quanto esse almoço seria divertido, teria cancelado todos os compromissos da tarde.

— Quando a Tatiana marcou esse encontro, eu sabia que não seria demorado. Fique tranquilo.

Enquanto ele acenava para o garçom para pedir a conta, pegou um cartão de visitas e me entregou.

— Vamos manter contato e agendar outro dia, dessa vez com mais calma? — Sugeriu ele enquanto eu também entregava o meu cartão de visitas.

— Claro. Será um prazer.

Nem tive tempo de sugerir para dividirmos a conta. Sim, eu sou dessas. Mas antes mesmo que eu pudesse abrir a boca, João estendeu seu cartão de crédito quando o garçom veio com a maquininha.

— Tem algum compromisso aqui no centro agora?

— Não. Vou pedir um Uber. Tenho bastante trabalho em casa me aguardando.

Não quis contar que tinha que começar a montagem de 80 cestas para o Dia dos Namorados. Não tenho vergonha do que eu faço, não é isso. Mas é que ele ficou tão empolgado com a capa do livro que eu fiz que decidi manter essa pose de designer famosa só mais um pouquinho.

— Vou aguardar seu carro chegar então.

Quando peguei o celular para chamar o Uber, me deparei com cinco chamadas não atendidas da Tatiana, além de várias mensagens no W******p. Ela teria que esperar mais um pouquinho. Coloquei os dados no aplicativo e recebi a confirmação do carro para dois minutos depois. Quando a gente mais precisa o carro está longe. E, naquele momento, queria uma desculpa para ficar um pouquinho mais com aquele homem deslumbrante. Mas não deu muito certo. Maldito motorista competente!

Quando enfim levantamos da mesa e andamos na direção da saída do restaurante é que pude perceber o quanto ele era alto. Calculo que deva ser 1,85m no mínimo. E também foi impossível não notar as pernas torneadas apesar da calça social.

Saímos do restaurante e assim que reconheci a placa do carro que o aplicativo havia fornecido, demos os tradicionais dois beijinhos de despedida no rosto. O perfume dele era muito bom.

— Oi, Tati! — Telefonei assim que o carro deu partida. — Não li as mensagens ainda. Acabei de sair do restaurante, estou no Uber voltando pra casa. Todas essas chamadas perdidas são de ansiedade, é? Hahahaha! Menina, que homem é esse? Estou encantada! Deu tudo certo.

Deu tudo certo? Como assim, Malu? Do que você está falando, criatura de Deus?! — A voz dela estava esganiçada do outro lado da linha, como se eu tivesse falado algo completamente absurdo.

— Helloooo, sua doida! O almoço com o João, o advogado. O encontro que você marcou. Perdeu a memória? Obrigada, amiga! Mil vezes obrigada! Vou ter que reconhecer que você foi excelente no seu papel de cupido. Mas aqui vai uma bronca... Você não me disse que ele tinha olhos verdes deslumbrantes.

— Malu, você bebeu? Ele não foi para o almoço, está preso no fórum até agora. Por isso te liguei trocentas vezes pra avisar. Claro, você e essa sua mania de deixar o celular no silencioso e enfiado dentro da bolsa. Um dia eu ainda te mato por causa dessa sua mania estúpida.

— Peraí, Tatiana. Tem alguma coisa errada aí nessa sua história. Eu acabei de ter um almoço incrível com um advogado chamado João.

— Malu, presta atenção. Você até pode ter almoçado com um advogado chamado João, mas eu não tenho nada a ver com isso. O meu João não tem olhos verdes, são castanhos.

— Você está me assustando. — Senti meu coração disparar e reparei o olhar curioso e fofoqueiro do motorista do Uber pelo retrovisor. — Então... Com quem eu acabei de almoçar e ter um encontro maravilhoso?

— Não faço a menor ideia, Malu. Mas, pelo o que você está falando, acredito que talvez esse possa ter sido o maior encontro às cegas da história!

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