6 - O Primeiro Emprego

Angel Camille

15 de março de 2016 - 22h40min

Faz cerca de três horas que tia Agnes foi embora, levando Anne Louise com ela e me fazendo prometer quer, assim que eu chegar em casa, vou ligar para ela para lhe contar como foi meu primeiro dia de trabalho.

      Nesse momento, já de banho tomado e cabelo escovado, estou de pé em meu quarto, analisando o uniforme de bartender que Leopoldo me entregou a tarde e disse para eu vestir para a noite.

      A roupa é ridícula, não há outra forma de descreve-la. Para “trabalhar”, terei que vestir uma saia de couro preta de, no máximo, 35 centímetros de cumprimento, um top de lantejoulas prateadas e com alças finais, uma meia calça arrastão e uma bota preta de cano alto com um salto agulha de dez centímetros.

      Reviro os olhos e, mesmo a contragosto, visto meu uniforme de bartender, resmungando durante todo o processo. Já vestida, amarro meu cabelo em rabo de cavalo bem no alto da cabeça, deixando algumas mexas caindo sobre meu rosto para deixar o penteado mais despojado e moderno, tentando dar uma quebrada no estilo de vadia da noite... Não funcionou 100%, mas está bom do jeito que está, não há como fazer milagre.

      - Que merda de roupa é essa, Angel Camille Dalavia? - Céus, que nome horrível. Puxo o zíper da bota para cima e olho para a porta onde minha mãe, parecendo dividida entre a semiconsciência e a lucidez, me olha dos pés a cabeça. - Onde você pensa que vai vestida assim, menina? Está parecendo uma prostituta. - Sério? De uma hora para a outra, após meses me ignorando, ela resolve voltar a ser minha mãe?

      - Hoje é o meu aniversário de dezesseis anos, caso você não tenha percebido, ou esquecido, então estou indo trabalhar. - Paro na frente do espelho, analisando minha aparência enquanto aplico uma leve quantidade de gloss em meus lábios e espalho com o dedo.

      - Você está indo para a boate? - Ao entrar no quarto, Ingrid tropeça e se apoia em minha escrivaninha, derrubando algumas folhas da escola que estavam ali em cima.

      - Tenho escolha? - Olho para minha mãe, com a sobrancelha erguida, enquanto me abaixo e recolho as folhas que se espalharam pelo chão do meu quarto.

      - Sempre temos escolha em nossas vidas, Angel, então não me venha com essa resposta idiota. - Ela cruza os braços sobre o peito, me olhando como se estivéssemos em um tribunal. Nesse caso, eu sou a acusada e ela a juíza, julgando todos os meus atos... Quanta hipocrisia da parte dela.  

      - Então essa foi a sua escolha? - Indignada, paro de frente para ela, com as mãos na cintura em sinal de desafio. - Você escolheu abandonar as suas duas filhas e viver drogada no sofá? - Ingrid recua, como se eu tivesse lhe dado uma bofetada no rosto.

      Não sei o que me deu para falar assim com ela. Nunca falei dessa forma com ninguém, muito menos com minha mãe, mas essas palavras estão entaladas em minha garganta a tanto tempo que eu apenas solto todas elas.

      - Angel... - Minha mãe começa a protestar, provavelmente querendo me colocar no meu lugar, mas ela suspira e parece desistir. - Certo, faça o que você quiser, mas depois não venha chorar para o meu lado. - Ingrid sai pela porta, me deixando sozinha com meus pensamentos conflituosos.

      O que foi isso? Ela quis ser minha mãe por alguns minutos e eu a rejeitei? Ou ela só queria se achar superior e me colocar para baixo? Não sei e, olhando para o relógio, percebo que não tenho tempo para pensar sobre isso agora. Quando ligar para minha tia, falarei com ela sobre o que aconteceu e ela me ajudará a pensar melhor sobre as ações de Ingrid.

16 de março de 2016 - 01h40min

Sirvo oito doses de tequila e as equilibro em uma bandeja, entregando para a garçonete impaciente que me encara, estourando bolas de chiclete e torcendo os lábios em sinais claros de reprovação.

      O pessoal aqui não é muito gentil e não suporta esperar, o que ficou muito claro para mim desde o início, mas aos poucos, conforme vou me acostumando com o designer do bar, vou ficando mais ágil e conseguindo preparas as bebidas mais rapidamente, o que também não parece estar deixando eles felizes.

      Não sei o que motiva o mal humor delas, mas deve ser essa roupa ridícula que estamos vestindo no momento. Apesar de ser filha do dono, também estou tendo que usar essa combinação horrorosa, mas não estou tratando ninguém mal por causa disso, eu apenas continuo sorrindo e contando as horas para tudo isso acabar e eu poder voltar para casa.

      - Angel. - Meu pai se aproxima de mim por trás, perto demais, tão perto que sinto o cheiro de álcool em seu hálito. - Que tal mais uma dose de whisky para o papai? - Sem pensar ou retrucar, sirvo uma dose generosa da bebida, acrescento duas pedras de gelo e lhe entrego o copo de volta.

      Ele pega o copo e se afasta, já tomando um gole do líquido cor de ambar, enquanto pego uma coqueteleira limpa e começo a preparar o próximo pedido, duas caipirinhas de abacaxi, antes que a garçonete loira e mal-educada me xingue novamente ou fique me olhando daquele jeito.

      - Então, o que sua mãe falou quando você saiu? - Enquanto balanço a mistura na coqueteleira, olho para meu pai, tentando entender o que motiva sua pergunta.

      - Ela estava apagada, como sempre. - Minto, voltando-me novamente para minhas tarefas, colocando gelo em dois copos, preenchendo-os com a bebida e os depositando sobre a bandeja da loira, que sai sem nem mesmo agradecer.

      - Bom, isso não é novidade alguma para nós, certo? - Ele entorna o restante da bebida de um gole e larga o copo na pia que há em um canto. - Venha comigo, preciso lhe mostrar uma coisa.

      Reviro os olhos, mas ainda assim não tenho coragem de ir contra suas ordens, então termino de limpar o balcão rapidamente e praticamente corro atrás dele, que está indo em direção ao depósito de bebidas que fica em um canto escuro e afastado do palco onde as dançarinas seminuas dançam e os homens se aglomeram, jogando notas de dinheiro sobre elas.

      - Precisa de ajuda para pegar algumas bebidas? - Pergunto ao entrar no depósito depois de Leopoldo.

      - Preciso da sua ajuda para outra coisa, na verdade. - Assim que entro atrás dele, meu pai fecha a porta, deixando-nos na completa escuridão.

      - Pai? Onde está o interruptor? - Questiono, tateando as paredes a sua procura.

      Na minha opinião, não há coisa mais forte em nossas vidas que os nossos instintos. Eles nos guiam e nos mantém vivos e a salvos e, nesse momento, o meu grita para que eu saia daqui, para que eu corra sem olhar para trás.

      Desesperada, fico tateando a procura da porta, querendo mais do que tudo não ter entrado aqui. Alcanço a maçaneta e a gira, com a intenção de abrir a porta e sair daqui, mas Leopoldo a segura fechada, impedindo que eu saia.

      - Relaxe, Angel, você está muito tensa. - Ouço sua voz e sinto o cheiro de álcool de seu hálito se espalhando pelo ar, me deixando enjoada.

      - Não quero relaxar, quero sair daqui. - Grito, em pânico, quase chorando de desespero.

      Meu pai me bate, as vezes muito, as vezes pouco, mas nunca me assustou dessa forma. Quando ele vai me bater, suas intenções são óbvias, mas agora, sozinha com ele, no escuro, só há uma coisa na qual eu consigo pensar que talvez ele queira... Céus, eu preciso sair daqui agora.

      Afasto-me dele, esbarrando em uma prateleira de bebidas. Para minha sorte, nem uma cai no chão, mas Leopoldo ainda assim profere palavrões em minha direção, parecendo furioso.

      - Menina estúpida. Pare de fugir, vai acabar quebrando algo e me dando mais prejuízo do que já dá. - Uma de suas mãos se fecha ao redor de meu punho, enquanto a outra tapa minha boca, impedindo-me de gritar.

      Todas as vezes que meu pai avançou em minha direção para me bater, eu apenas fechei os olhos e aceitei a situação, mas neste momento, não quero aceitar, não quero ficar quieta, então reúno todas as minhas forças e mordo seus dedos.

      Ele grita e afasta a mão, sacudindo-a no ar, mas o momento não dura muito. Leopoldo se recupera e me dá um tapa, com muita força, no rosto, fazendo meus olhos lacrimejarem de dor.

      - Sua putinha...

      - Afaste-se dela. - A porta se abre e, para minha surpresa, minha mãe entra, ainda parecendo muito drogada, mas firme.

      - Saia daqui, Ingrid, ou vou fazer o mesmo com você. - Ele me pega pelo pescoço, apertando com tanta força que o ar começa a fugir de meus pulmões.

      Um aviso: quando estamos morrendo, nossa vida não passa na frente dos nossos olhos quando ela não valeu de nada, mas, enquanto luto para respirar, tudo o que vejo é Anne, seu rostinho rosado de criança e só consigo pensar no quanto quero estar com ela e proteger ela dessa vida.

      Ouço um barulho alto de vidro quebrando e então caio de joelhos no chão, tossindo e desesperada para que o ar entre em meus pulmões novamente e para que a dor amenize.

      - Venha comigo, Angel. - Fala Ingrid, puxando-me pelo braço para que eu levante e a siga.

      Corremos porta a fora, deixando o corpo inconsciente de Leopoldo no chão do depósito de bebidas enquanto avançamos por entre as pessoas, saímos da boate e subimos pela escada lateral, indo para dentro de nosso apartamento que fica logo acima.

      Lá dentro, minha mãe parece abandonar a letargia das drogas, correndo de um lado para o outro, colocando coisas em bolsas de viajem e falando algo com Agnes, que veio correndo da cozinha assim que nos ouviu chegando.

      - O que você está fazendo aqui? - Pergunto para tia Agnes, mas ela me ignora completamente enquanto escuta palavra por palavra do que minha mão fala.

      - Angel, prepare suas malas. - Ingrid fala, empurrando-me em direção ao meu quarto.

      - O que? Como assim? Para onde vamos? - Percebendo que não me mecho, tia Agnes coloca Louise em meus braços e vai para o meu quarto, carregando dois sacos de lixo pretos.

      - Nós não, querida, vocês vão com Agnes para bem longe daqui. - Minha mãe abre o cofre de Leopoldo, que fica na parede da sala, atrás de um quadro, e retira bolos de dinheiro, enfia dentro da mochila de fraldas de Lou e depois coloca em minhas costas.

      - Mãe...

      - Coloque Anne no bebê conforto. - Ela diz, enquanto pega alguns sacos de lixo cheios e começa a sair pela porta com eles.

      - Faça o que ela diz, Angel. Pegue Anne e venha conosco. - Tia Agnes diz, saindo do aparamento logo atrás de minha mãe.

      Respiro fundo, tentando manter a calma, e prendo Lou no bebê conforto. Na saída pego o saco de lixo restante e desço as escadas correndo indo atrás de minha mãe e minha tia, querendo desesperadamente saber o que está acontecendo.

      Colocamos todos os sacos de lixo dentro do carro de tia Agnes, e entramos, na parte de trás, esperando que minha tia entre e nos tire daqui, levando-nos sei lá para onde.

      Quando Agnes entra no carro, olho para minha mãe através do vidro. Ela está me encarando enquanto lágrimas escorrem por seu rosto. Não sei ler lábios, nunca estudei nem treinei essa habilidade, mas posso jurar que, enquanto o carro começa a se mover, minha mãe fala que me ama.

      - Angel? - Minha tia chama, após alguns minutos de viajem. - O que aconteceu? Por que seu rosto está marcado? - Levo minha mão até minha bochecha, percebendo que ela está quente e inchada no local onde Leopoldo me bateu.

      - Não importa. - Digo, fazendo pouco caso da situação, enquanto pego uma mamadeira de leite em temperatura natural, torcendo para que Lou não seja muito seletiva no momento.

      - Preciso que você me conte o que aconteceu, minha querida. - Suspiro, lutando com o cinto para dar de mamar para Louise, que está impaciente.

      - Por favor, tia Agnes, não me faça falar sobre isso agora. - Suspiro novamente, aliviada ao conseguir colocar a mamadeira na boca de Lou de forma que possibilite que ela se alimente e pare de resmungar.

      - E quando falaremos sobre isso? - Ela bufa, parando o carro em frente a sua casa.

      - Que tal nunca? - Minha tia me olha, parecendo muito braba, mas está com pressa demais para discutir comigo agora, então apenas balança a cabeça e corre para dentro.

      Ela demora apenas cinco minutos para voltar, com outros dois sacos de lixo e um pano branco nas mãos. Ela entra, coloca os sacos no banco do carona, se prepara para sair e, enquanto sai com o carro da vaga, em direção a auto estrada, joga o pano para mim. Dentro dele, percebo, satisfeita, há gelo.

      Ao mesmo tempo que pressiono o pano gelado contra a minha bochecha com uma mão e seguro a mamadeira com a outra, fico olhando para Louise, admirada com a paz que ela transparece em meio a tanto caos.

      Acho que nunca pensei muito sobre isso, sobre ser mãe, mas, enquanto minha tia entra no carro e nos leva para longe da mulher que era para ser a nossa mãe, só consigo imaginar que posso ser uma mãe melhor do que ela, que eu serei uma mãe melhor do que ela para Lou.

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