1 - Ladrilhos Brancos

Ingrid

20 de janeiro de 1999 - 20h30min

Depois de terminar de limpar o quarto que está sendo ocupado por Bianca Martinelli, que novamente dormiu em um quarto separado do marido, praticamente corro pela casa, mantendo-me discreta, de cabeça baixa e escondida dos membros da máfia do norte que estão espalhados por toda a mansão.

      A casa é enorme, dizem que com mais de 800 m2, e possui dez quartos, seis suítes, quatro lavabos em cada um dos três andares, duas cozinhas, três salas e tudo isso se não contarmos o SPA, a área de lazer, o chalé perto da piscina, bibliotecas e as salas, sim, as salas, no plural, mas nada disso se compara ao tamanho da “família”.

      Igor Martinelli é o chefe da família que forma a máfia do norte. Ele é casado com a senhora Martinelli e eles tem um filho, mais ou menos da minha idade, chamado Lucas, mas isso não é tudo. Todo chefe de máfia é visto como o pai de todos, aquele que manda, que protege, que cuida, então o senhor Martinelli frequentemente está com a casa cheia dos outros membros e de seus parentes.

      Nesse momento, a casa está lotada, mais ou menos com vinte pessoas, fora os moradores diários, então todas nós, faxineiras e cozinheiras, estamos sempre em movimento, visto que a senhora Martinelli exige que os banheiros e os quartos, mesmo os ocupados, sejam limpos, as roupas de cama sejam trocadas e as taças de cristal sejam polidas, isso todos os dias. Como se não bastasse, ela briga frequentemente com o marido, então dorme em outro quarto, somando mais um para limparmos.

      Tenho apenas dezessete anos e já trabalho aqui desde os quinze, pois meus pais necessitam de muita ajuda em casa, mas não é o pior emprego do mundo, pois eu poderia ter acabado como dançaria em um bordel ou prostituta em alguma esquina. Não que estas opções sejam as piores também.

      Balanço a cabeça e volto meu foco para o presente, enquanto entro na cozinha que fica na ala leste do primeiro piso, onde minha amiga, Agnes Martins, trabalha e corro em sua direção, sorrindo ao lhe contar que o casal feliz brigou novamente e que precisamos descobrir o porquê.

      - Ei, vocês duas. - Ama, a chefe de cozinha da mansão, chama nossa atenção, repreendendo-nos com o olhar. Ela é uma senhora idosa, com cerca de 65 anos, mas mantêm-se firme e é como uma mãe para nós duas aqui dentro, apesar de ser sempre muito severa. - Parem de ficar fofocando sobre a vida dos patrões e venham comer. - Diz, de forma dura, mas um leve sorriso curva o canto de seus lábios e ilumina seu rosto enrugado.

      - Ah, você fala como se não adorasse ouvir as fofocas também, Ama. - Reviro olhos, de brincadeira, ao passar por ela e ir em direção a pia para lavar as mãos.

      Seco minhas mãos em uma toalha que Agnes me alcança e vamos correndo para um canto da cozinha, onde Ama colocou diversas travessas cheias de comida para nos servirmos e uma jarra com suco de laranja natural, pois ela diz que esse é o único tipo de suco que se toma.

      - Então, me fala o que você sabe sobre essa briga. - Sussurra Agnes para mim enquanto nos sentamos a mesa, cobrindo a boca com a mão para que Ama não nos escute.

      - Não sei de nada, para ser bem honesta com você. - Digo, enquanto sirvo suco nos copos e ela distribui os pratos e talheres sobre a mesa. - As outras faxineiras não sabem de nada também, mas, se você for parar para pensar, levando-se em conta o histórico deles, pode ser literalmente qualquer coisa. - Agnes ri, cobrindo a boca com a mão quando Ama olha em nossa direção, repreendendo-nos.

      O casal Martinelli possui um extenso histórico de brigas que é de conhecimento de todos que trabalham aqui, no entanto, nunca são brigas sérias, são sempre coisinhas minúsculas que fazem com que nenhum deles queira dar o braço a torcer.

      Eu e Agnes pensamos sobre o assunto por um tempo, tentando adivinhar o que poderia ser agora. Certa vez eu os vi brigar para escolher a cor dos azulejos do banheiro do chalé, então as opções são diversas, mas não temos muito tempo para pensar nisso agora, então nos concentramos em comer.

      A casa é muito grande, mas o senhor Martinelli não gosta de muita gente aqui que não seja de confiança, ou seja, da família, então somos apenas dez faxineiras e cinco cozinheiras. O que, levando-se em conta o número de hóspedes que ocupam a mansão no presente momento, significa que estamos trabalhando por horas sem pausa e, consequentemente, estamos famintas e exaustas quando finalmente paramos um pouco.

      A comida de Ama, um macarrão com almôndegas e molho de tomate, é simplesmente divino, então eu e Agnes apenas comemos, apressadas, sabendo que em breve teremos que voltar ao trabalho.

      Enquanto como, no entanto, não consigo deixar de pensar em meus pais e meus irmãos, todos os cinco, que são mais novos do que eu. Sei que eles têm o que comer, pois deixei a geladeira bem abastecida antes de sair esta manhã, mas ainda assim me pergunto se meus pais largaram a agulha, ou o pó, tempo suficiente para preparar algo para os pequenos, ou se Camille, com doze anos, precisou tomar as rédeas da situação novamente.

      - Ei. - Ao ouvir a voz de Agnes, percebo que estou encarando o prato vazio a minha frente por muito tempo. - Eles estão bem, tenho certeza. - Ela coloca a mão sobre a minha e aperta meus dedos levemente, me transmitindo força.

      - Lamento interromper meninas, mas vocês precisam voltar ao trabalho se querem ir para as suas casas antes da meia noite. - Diz Ama, parecendo muito cansada por trás do semblante sério e determinado, enquanto retira os pratos e as travessas.

      - Você precisa de ajuda? - Pergunto para Agnes, enquanto as ajudo a levar a louça que usamos para a pia.

      - Não, pode deixar que eu me viro aqui. Tenho tudo sobre controle por hoje e amanhã haverá uma empresa aqui para assumir o buffet da celebração. - Agnes revira os olhos, como que insinuando que a comida de uma empresa qualquer, mesmo que escolhida a dedo pela senhora Martinelli, jamais poderia ser mais saborosa do que a dela e de Ama, coisa com a qual eu concordo, mas apesar disso, ela suspira, parecendo aliviada.

      - Vai folgar amanhã então? - Pergunto, verificando se meus dentes estão limpos na superfície de uma chaleira lustrosa que aquece sobre o fogão.

      - Não, não. A senhora Martinelli nos ofereceu um bônus para ficarmos. - Ela suspira e sorri para mim. - Finalmente vou conseguir terminar de pagar o meu curso, Ingrid. - Seu sorriso se alarga e eu não consigo evitar sorrir junto com ela, incrivelmente feliz por essa conquista tão merecida.

      Assim como eu, Agnes vem de uma família simples e sem muito dinheiro, mas, ao contrário dos meus pais, os dela trabalham e o dinheiro dela é todo voltado para seu curso de enfermagem. Agnes também não tem irmãos, o que facilita muito. Pelo que viemos conversando nessa semana, sei que faltava apenas uma parcela para ela terminar de pagar e conseguir seu certificado.

      - Ai amiga, fico tão feliz por você. - Ando até ela e nos abraçamos, mas então me lembro do horário já avançado e a solto. - Certo, vou indo nessa então, pois ainda tenho que limpar o quarto do príncipe da máfia. - A última parte eu digo em um sussurro que a faz rir, enquanto Ama me espanta, falando para eu parar de dizer besteiras e fazer meu trabalho logo.

      Saio da cozinha, massageando meu braço que já está dolorido por eu ter passado horas esfregando banheiros e espanando pó, mas me mantenho determinada enquanto pego os utensílios de limpeza no armário mais próximo do quarto de Lucas Martinelli e ando naquela direção.

      Até isso é minuciosamente programado, penso, entrando no quarto e olhando ao redor para me certificar de que está realmente vazio. A senhora Martinelli não permite que a gente ande pela casa com baldes e esfregões, então há dezenas de armários de limpeza espalhados pela mansão, em pontos estratégicos, para que a gente pegue o que precisamos e não fiquemos andando por aí carregadas.

      Largo o balde no meio do quarto, que é enorme, pego meus fones de ouvido, coloco uma música para tocar no último volume e começo limpando o banheiro. Quem teve a ideia de fazer um banheiro todo de mármore branco? Questiono em pensamento, enquanto esfrego o sexto vaso branco do dia, só pode ser quem não limpa e nem nunca limpou nada na vida.

      Quando o banheiro está cheirando a capim limão e os ladrilhos brilhando de tão limpos, volto para o quarto e começo a arrumá-lo, surpresa, pois, por incrível que pareça, está bem arrumado para um adolescente de dezesseis anos.

      Troco os lençóis e arrumo a cama, organizando as almofadas e travesseiros por tamanho e cores, da forma como a senhora Martinelli gosta. Tiro pó da estante e de todas as superfícies já lustrosas dos móveis antigos, pesados e caros, muito caros.

      Quando estou espanando o pó da mesinha de cabeceira de madeira brilhante, cantarolando alegremente, acidentalmente esbarro em uma caixinha de joias de veludo preto, que cai no chão e rola para baixo da cama.

      - Merda. - Xingo, enquanto me jogo no chão, sem cerimônias, esticando o braço e tateando debaixo da cama até finalmente encontrar a caixinha e conseguir pega-la. - Caramba, essa foi por pouco. - Equilibro a caixinha em minha mão, tentando conter minha curiosidade, mas acabo falhando.

      Abro a caixinha e engasgo ao ver, de contra um forro de seda azul noite, um anel de ouro branco e com um diamante enorme. Coloco a aliança em meu dedo a afasto a mão, girando-a na frente de meu rosto para analisar melhor a pedra.

      Em seus melhores momentos, antes de se tornar um viciado desempregado que depende da filha para se sustentar, meu pai foi um joalheiro e ourives e me ensinou muito sobre joias, mais especificamente, sobre diamantes e outras pedras preciosas, suas queridinhas. Este, por exemplo, é um ótimo exemplar. A pedra está limpa e brilhante, não há manchas no ouro branco e nem um arranhão por todo ele. Deve ter custado uma fortuna, mas acho que isso não importa para os Martinelli.

      - A pedra... - Sussurro, passando um dedo pelo diamante cristalino e perfeito.

      - O que tem a pedra? - Inicialmente, me pergunto se realmente ouvi algo, mas então me lembro que estou de fone e os retiro de meus ouvidos, olhando para os lados para me certificar se estou sozinha ou não.

      Na porta, suado, despenteado, lindo e exibindo uma barriga incrivelmente definida, está Lucas Martinelli, o filho dos donos da mansão e o dono do anel que... Ai meu Deus, o anel do príncipe da máfia está preso em meu dedo.

      - Senhor Martinelli, eu sinto muito. - Levanto-me do chão, onde estava ajoelhada, e, ainda tentando arrancar o anel de meu dedo, encaro Lucas.

      Ele é tão lindo que é praticamente impossível parar de encará-lo, enquanto entra no quarto, ainda nu da cintura para cima, e fecha a porta atrás de si. Sua pele é perfeita e bronzeada, devido as horas que ele passa sob o sol praticando esportes, seus cabelos loiros que ficam caindo sobre os olhos quando ele abaixa a cabeça, seus olhos incrivelmente verdes e seu sorriso, branco e perfeito, que ilumina seu rosto e o cômodo ao nosso redor.

      Pigarreio, desviando o olhar de sua perfeição absoluta e voltando para a minha tarefa: tirar essa aliança linda e ridiculamente cara do meu dedo calejado de empregada doméstica. Ai, penso, pois me ver dessa forma, por mais que seja verdade, me parece meio depreciativo... Faço o que faço porque preciso, não escolheria isso se tivesse escolha, mas também não há vergonha em limpar.

      - Então, o que tem a pedra? - Lucas cruza os braços sobre o peito bronzeado e suado, encarando-me com um leve sorriso em seus lábios. - Você sabe falar, menina, ou suas habilidades se resumem a mexer nas coisas dos outros? - Tusso para limpar a garganta e ganhar algum tempo, enquanto olho para ele com determinação.

      - Sim, eu sei falar, e meu nome não é menina. - Ele arqueia uma sobrancelha e seu sorriso aumenta um pouco.

      - Qual é o seu nome, então? - Ele dá um passo em minha direção, confiante e cheio de determinação. Determinado a que eu não imagino, mas também não sei se quero saber.

      Ele está flertando, percebo, de repente. Posso ser uma criada e ter apenas dezessete anos, mas estou longe de ser considerada feia. Minha pele é escura, quase da cor de cacau, mas é lisa e sedosa, meus cabelos são pretos, cacheados e compridos, embora no momento estejam presos em um coque, firme, no alto da cabeça, meus olhos são pretos, como obsidiana, sou pequena e delicada e meu corpo... Bem, meu corpo deixaria muitas mulheres com inveja. Com isso em mente, resolvo entrar na sua brincadeira. Que vença o melhor, Lucas Martinelli.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo