04 Como Assim, Jeniffer??

 Entrei em casa sentindo o cheiro divino de bife sendo feito, e minha barriga roncou em alto e bom som. Diferente da hora do intervalo na escola, agora, quase uma da tarde, eu já estava com fome. E muita.

- Oi, oi - cumprimentei Cida, a doméstica morena e gorducha que cozinhava para nós, três vezes por semana.

Além de cozinhar, ela também arrumava a casa. Isso nos ajudava bastante, pois com a minha mãe muito ocupada com seu trabalho, assim como eu e Nina ocupadas com a escola e os cursos, não nos sobrava tanto tempo para cuidar da casa.

Claro que a roupa era por nossa conta, e a organização da casa em todos os dias da semana também.

Mas que era uma benção ter a Cida, isso era.

- Oi, pequena! - Ela exclamou me acenando rapidamente, ocupada com as panelas.

- Isso tá cheirando lá do começo da rua, Cida! - falei.

- Daqui a pouco tá tudo prontinho, por que não vai chamar a Nina para vocês comerem?

- Ah, mas se aquela mocréia ainda estiver dormindo ela vai ver só! - gritei de propósito, subindo as escadas.

Já topei com ela saindo do banheiro, com os cabelos molhados, usando shorts e blusinha branca, com a toalha nas mãos.

- Você não me engana! No máximo tem quinze minutos que acordou - acusei.

- E daí? - Ela deu de ombros.

- E daí que já são quase uma da tarde e você perdeu aula.

- Grandes coisas - disse a mal humorada entrando em seu quarto.

Era engraçado. Nina costumava ser enérgica e alegre quase que o tempo todo, mas eu não conhecia ninguém mais mal humorada do que ela quando acabava de acordar. Bom, talvez eu fosse.

Nós éramos primas por parte de mãe e ela morava conosco há dois anos, desde quando sua mãe morreu após uma parada cardíaca e não quis ficar com o pai, que sempre foi distante.

Apesar de sensibilizada com o momento ruim que minha prima estava vivendo na época, eu não pude deixar de me sentir feliz por tê-la morando comigo.

Ser filha única às vezes era um tédio, e eu sentia falta de alguém, principalmente depois da separação dos meus pais.

Nós éramos bem parecidas fisicamente. A mesma cor de cabelo, com a diferença de que o tom de castanho dela era mais claro, sua pele muito mais branca que a minha e seus olhos azuis eram bem mais claros e marcantes, enquanto que os meus azuis eram bem mais escuros, o que me deixava com um olhar profundo ( como diziam os outros ) e os olhos de Nina a deixavam com a expressão serena.

Mas não se enganem. De serena aquela ali não tinha nada.

Eu entrei no meu próprio quarto, deixei a mochila num canto, troquei de roupa, lavei as mãos e então eu e Nina descemos para o almoço.

***

À tarde eu fazia aula de Inglês no CCAA, quatro vezes na semana.

Nina também fazia há cinco meses, mas faltava mais que tudo. Constantemente ela faltava às aulas de Inglês para ir num estúdio de beleza que havia no nosso bairro ( o mais conceituado ). Os donos do estúdio eram amigos e conhecidos dela, e não se importavam que ela ficasse por ali, conhecendo e aprendendo.

Eu me perguntava porquê ela não se candidatava logo a trabalhar ali, uma vez que pretendia seguir esse ramo de trabalhar em salões de beleza. Mas ela não queria trabalhar. Dizia que trabalhar fixo num salão tiraria seu foco dos estudos. Como se ela tivesse algum foco no que quer que fosse!

Acho que no fundo Nina só não queria se comprometer com nada mesmo, pelo menos por enquanto. Ela tinha um espírito muito livre. E, secretamente, eu admirava isso.






                                     ***

- Jeff foi à aula hoje? - Nina me perguntou, enquanto seguíamos de bike para o curso.

- Sim, ele estava lá - respondi.

Percebi que ela deu uma arqueada na sobrancelha e mordeu o lábio, porém olhando para a frente.

Desconfiei.

- Por quê?

Ela me olhou com aquela cara de sapeca dela e riu, dizendo:

- Ontem nós ficamos.

Quase perdi o controle do guidão.

- O quê?? Mentira! Onde??

- Na sua festa.

- O quê?? Na minha festa??

- Onde mais seria? Dãã... - Ela revirou os olhos.

- Mas que pouca vergonha! Que horas foi isso?

- Assim que a gente terminou de dançar Love Story lá na sala. Lembra que saí e deixei você lá com o Jhony? Pois é, eu fui pra cozinha, ele estava lá, rolou um clima, ele me puxou, me beijou, eu correspondi e nós ficamos - ela contou tranquilamente, como se estivesse narrando um dia no parque.

- Como assim, Jhenifer??? - fuzilei-a com os olhos.

Eu nem estava brava de verdade. Sei lá, só me senti no direto de ralhar com ela um pouco. Afinal, era a minha festa né?

- Que foi, Amber? O que tem demais? Vai me dizer que você e o Jhony também não se beijaram?

- Lógico que não! - falei, rápido.

- Mas é uma songa monga mesmo! - Ela riu, tirando a mão direita do guidão e batendo na própria testa.

Eu torci o nariz diante da ofensa.

- Se não tomar logo uma atitude vai perder ele pra Luísa. Você sabe que ela é caidinha por ele.

Fiquei calada.

- Não sabe? - insistiu a chata, me olhando com aqueles olhos azuis claros insuportáveis.

Ok, não eram insuportáveis, mas no momento ela estava sendo uma peste.

- Sei, Jhenifer!

- Xiiiii... você só me chama pelo meu nome quando tá brava comigo. E já fez isso duas vezes. Que foi que eu fiz, hein?

Nós já havíamos chegado ao prédio do CCAA ( não era muito longe ) e estávamos deixando nossas bikes no estacionamento.

- Hein? Hein? O quê que eu fiz? - Ela provocava, me cutucando na cintura enquanto entrávamos.

- Sai de perto de mim, estrupício! - Empurrei-a, porém já rindo.

- Não posso sair de perto de você, temos aula juntas agora! E outra que você ia sofrer demais se eu te largasse.

Revirei os olhos. Fala sério!






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