4

Elisa narrando

     Novamente a semana está passando correndo, já é terça feira novamente e eu super mentiria se dissesse que não estou ansiosa para rever a Fernanda

Será que ela vem?

     Me perguntava a cada 5 minutos, como ela era a última do dia me preparei calmamente, (só que não) atendi todos os pacientes, fiz todo o processo como sempre, e novamente me senti grata por vê-los sorrindo verdadeiramente após o fim de cada 1hr.

      O penúltimo paciente sai de meu consultório e eu começo arrumar o mesmo, tentando deixa-lo um pouco mais confortável para Fernanda, eu quero que ela se sinta bem comigo, quero que ela confie em mim e me conte tudo.

      A função de um psicólogo não é te obrigar a falar oq se passa em sua mente e sim fazer com que a pessoa se sinta a vontade para falar sobre qualquer assunto e isso que eu quero que a Fernanda sinta, a confiança de se abrir pra mim.

      Coloco alguns bombons em cima da mesinha e uma jarra de água, pego o caderno com o nome da paciente, uma caneta e me sento na poltrona esperando a mesma chegar.

"Boa noite Elisa" a garota entra sem ao menos bater na porta e se senta na poltrona

"Boa noite Fernanda" estendo minha mão para a mesma e ela a - pega sem exitar "aceita bombom?" Estendo um para ela e ela pega

"Vou começar a vir aqui somente pela comida" sorri abrindo o mesmo

"Acho interessante vc dizer isso" rimos e eu vejo a sinceridade em seu sorriso

"Está tentando me conquistar pela barriga Elisa?" Ela semicerra seus lindos olhos verdes para mim

"Longe de mim doninha" ela ri "mas me diz, como foi a sua semana?" Ela para de sorrir e abaixa a cabeça enquanto mastiga seu bombom

"Temos mesmo que falar sobre isso hoje?" Ela hesita em sua pergunta

"Já falei que temos 1hr para gastarmos da maneira que vc quiser, se sente bem hoje?" Mudo o assunto ainda estando nele

"Me sinto bem, eu acho" ela se apoia na poltrona "quantos anos vc tem?" 

"tenho 23" ela sorri e abaixa a cabeça

"É estranho falar com vc" cruzo os braços e olho para a mesma

"Está me chamando de velha?" Ela semicerra os olhos

"Vc quem está dizendo isso" ela gargalha e eu ganho meu finalzinho de noite com aquele som gostoso "vc é diferente, vc n me pressiona a falar sobre o que eu não quero, vc faz isso com todos os pacientes?"

"Como eu te disse Fernanda, por essa salinha, passa pessoas com inúmeros tipos de problemas, cada psicólogo tem seu modo de trabalhar e esse é o meu, gosto de fazer com que os pacientes se sitam a vontade, não se sintam pressionados a alguma coisa, é como aquele ditado de vendedor de loja, conhece?" Ela nega " 'o cliente sempre tem razão' e comigo é assim, se vc se sente a vontade para falar dos seus problemas, eu estarei aqui prontinha para te ouvir, mas se vc não quiser falar sobre eles, eu também vou estar aqui, mas eu quero que saiba, que os seus pais, eles querem te ajudar, e não tem como eu ajudar eles a te ajudar se você não quiser ser ajudada" sorrio para a menina a minha frente e ela se remexe na cadeira

"Então eu posso falar sobre o que sinto com você? Vc não vai me julgar? " eu nego com a cabeça e ela assente "sempre fui uma garota anti social, nunca gostei de estar no meio da bagunça nem nada do tipo, eu me acostumei a ficar sozinha, quando alguém se aproximava eu sentia que poderia machucar essa pessoa, sentia que poderia acabar destruindo esse ser, então eu me afastava, sem ao menos me explicar, mas com o passar do tempo, o sentimento de solidão me preencheu, eu comecei a me sentir vazia, eu comecei a me sentir infeliz, eu queria fazer aquilo sair de mim, eu queria me sentir bem novamente, mas eu não sabia o que fazer para que isso acontecesse" ela suspira mas continua "foi quando conheci uma amiga, ela me ajudava, me aconselhava, me fazia bem e eu gostava dela, ela era incrível sabe? Eu contava tudo pra ela, meu dia a dia inteiro, e ela fazia o mesmo e por um tempo aquele vazio saiu de mim, dando espaço ao calor de ter alguém comigo, mas em um dia estávamos em casa e ela mexendo em seu celular, eu estava trocando de roupa, então ela tirou uma foto minha, eu pedi pra ela apagar, mas ela disse que ela só estava brincando, não iria m****r pra ninguém" ela limpa algumas lágrimas que começam a escorrer em seu rosto, respira fundo

"Hey se vc não quiser continuar por agora tudo bem" ela nega com a cabeça

"No outro dia, quando cheguei na escola, todos riam de mim, me zoavam, e eu não sabia o pq, quando cheguei perto dela, ela me olhou e sorriu dizendo que eu era tão boba, como eu achei que ela sendo a garota popular que era, iria andar com uma qualquer como eu, então ela falou que só havia se aproximado pq ela havia feito uma aposta, como eu só andava com roupas largas, ninguém imaginava como era o meu corpo, e a missão dela era essa, conseguir uma foto minha e m****r pra todos e foi isso que ela fez, eu quis morrer naquele momento Elisa, eu tinha confiado tudo a ela, tinha contado tudo de mim pra ela" ela enxugou lágrimas novas que saiam de seus olhos e sorriu com desgosto "então eu corri pra casa, me tranquei em um quarto e pesquisei, o que um adolescente fazia quando estava deprimido a ponto de desejar a morte, e ali estava varias fotos de cortes e mais cortes, algumas fotos que naquele momento até me assustaram, barras estatistica anual e problemas que adolescentes da minha idade passavam e passam e os métodos que procuram para se aliviarem." naquele momento eu já não segurava minhas lágrimas, como alguém faz isso com uma pessoa, como alguém é capaz de fazer isso "então eu peguei uma lâmina e comecei, o primeiro corte ardeu um pouco, mas não tanto quanto a dor que eu estava sentindo dentro de mim, a dor de ter meu corpo exposto, a dor de ter apenas 12 anos e toda a minha intimidade ser revelada de tal forma" eu segurei em suas mãos e limpei algumas lágrimas que escorriam em seu rosto "quando eu percebi aquilo havia se tornado um vício, eu fazia com tanta frequência que já não conseguia parar, então eu conheci um garoto, ele veio e apesar de ainda sentir receosa com tudo q havia acontecido eu deixei ele se aproximar, com o tempo se passando, ele se declarou pra mim e então começamos a namorar, alguns meses depois resolvemos tentar, o que eu não sabia era que ele estava gravando, e no outro dia, no mesmo colégio em que eu tive uma foto exposta, eu tive uma exposição ainda maior, eu tive um vídeo compartilhado para todos verem" ela soluçou e respirou fundo, eu apertei as mãos trêmulas dela e ela continuou "meus pais me mudaram de escola, minha mãe e meu pai brigaram muito por eu ter feito aquilo tendo apenas 14 anos, mas eu me sentia preparada para aquilo, assim que mudei de escola eu coloquei em minha cabeça que tudo iria ser diferente, eu recomeçaria, eu iniciaria tudo novamente, eu iria ser diferente, mal sabia que ali seria muito pior, eu sofri bullying, várias vezes apanhava nos corredores, me jogavam lixos, rasgavam meus materiais, me esculachavam, e ali eu vi que eu nunca iria poder recomeçar, pq o problema não era as pessoas, o problema era eu" ela suspirou "eu não quero continuar agora Elisa, me desculpe" eu limpei algumas lágrimas que escorriam de meus olhos e sorri pra ela

"Não precisa se desculpar, quando sentir a vontade vc continua" ela sorriu e mudamos nosso assunto.

      Assim que Fernanda saiu da sala, me peguei chorando, meu passado também foi horrível, mas o dessa garota, com apenas 16 anos ja passou por tanta coisa, e ainda existem adultos que dizem que um adolescente nunca vai saber o que é um sofrimento.

       Assim que me senti melhor, fechei o consultório e dirigi até minha casa

"Boa noite Pedro" passo pela entrada do apartamento

"Boa noite menina bonita" deixo meu carro no estacionamento e sigo para meu andar.

      Entro em casa e encontro Larissa jogada no sofá com a Clara ao lado dormindo

"Demorou hoje em" Larissa se levanta e vem em minha direção para me abraçar

"Pequenos emprevistos meu amor, pq a Clara não foi pra cama?" Ela deu de ombros

"Insistiu que queria te esperar, mas não aguentou" eu sorrio e vou até minha menina pegando a mesma no colo e levando ela pra cama "ela ta crescendo tão rápido" sorri

"Parece que foi ontem que eu peguei ela nos braços pela primeira vez" aliso os cabelos de minha menina e beijo seu rostinho voltando pra sala e me sentando no sofá

"Tenho algumas noticias sobre o pai dela" meu coração se apertou por um instante

"Amiga de verdade, eu prefiro não saber" encaro a TV desligada a minha frente

"tem certeza que não quer saber?" Eu havia ficado curiosa, mas eu não quero me submeter a isso novamente

"Tenho" entao ela sorri e assente " como foi seu dia?"

"Achei que só falássemos sobre isso aos domingos" bato na cabeça dela e me levanto indo até a cozinha para esquentar alguma coisa para comer

"Abri uma excessão pra vc" ela gargalha 

"Foi normal, e o seu?" Penso em falar sobre o quanto fiquei mexida com a história da Fernanda, mas preferi guardar pra mim

"Igual ao seu" dou de ombros colocando meu prato no microondas

"Eu tenho que ir embora" me da um beijo na bochecha e um abraço "da um beijo na Clara quando ela acordar" assinto e escuto a porta da sala se fechar.

    Janto e logo depois vou pro meu quarto, tomo um banho e vou dormir.

  ••••••••••••••••••••••••                               

    Quinta feira, amada quinta feira, acordo, tomo um banho rápido, me visto e vou até o quarto da Clara

"Acorda meu amor, ja esta na hora de ir pro colégio" ela resmunga mas logo se levanta, toma um banho rápido também e veste seu uniforme, lancha e saimos de casa

"Não vai chegar tarde hoje né? " ela me encara com seus lindos olhinhos pretos

"Nao meu amor, na hora do almoço passo na escola pra te buscar" ela assente sorrindo e desce do carro assim que paro na porta de seu colégio

"Tchau mamãe te amo" beija minha bochecha e entra correndo na escola

"Eu também te amo" digo mesmo sabendo que ela não pode ouvir.

      Chego no consultório e abro o mesmo, diferente das outras vezes, hoje me sinto um pouco ansiosa quando entro no mesmo, ignoro esses pensamentos e vou limpar o mesmo.

      Após tudo limpo, preparo as coisas para o primeiro paciente, ele também é novo, Jonathan, 24 anos, tento deixar o clima mais adulto com um toque adolescente e me sento na poltrona enquanto coloco o nome do mesmo em um novo caderninho, cada paciente tem seu devido caderninho, anoto tudo sobre cada consulta e no final de cada mês, reviso tudo. 

      Escuto alguém bater na porta e mando entrar, vejo que a pessoa entrou, mas continuo de cabeça baixa, ainda terminando de escrever os últimos detalhes

"É assim que atende seus paciente?" Meu corpo arrepia, essa voz, ergo minha cabeça e ali estava ele, é claro que era ele, o nome, a idade, como eu não relacionei isso antes

"O que faz aqui?" Pergunto ao Jonathan que me encara com um sorriso no rosto

"Me disseram que vc é uma ótima psicóloga, então vim aqui" ele continua com aquele sorriso no rosto, enquanto eu sinto todo o meu corpo amolecer ou sei lá oq "o que foi? Não está feliz em me ver?" A ficha ainda não havia caído

"Você não estava em Orlando?" Pronuncio as palavras e sinto como se meu estômago revirasse naquele momento

"Já tem quase 3 meses que voltei pequena Lisa, achei q a Larissa havia te dito, vi ela segunda feira" é claro que era isso que ela queria falar, droga 

"Sente-se vamos começar" ele se senta na poltrona a minha frente e pela primeira vez em quase 2 anos de trabalho eu não consigo encarar algum paciente 

"Então, como começamos?" Pego o caderninho que havia colocado em cima da pequena mesa e encaro sua boca.

      Ele estava ali, em minha frente, depois de 6 anos ele estava ali, ainda continuava o mesmo, porém agora estava mais forte, seus cabelos um pouco maiores e sua barba bem feita

"O que te fez procurar uma psicóloga?" Pergunto ainda encarando seus lábios, eu não tinha vontade de beija-lo, eu só não tinha coragem de encarar seus olhos negros me analisando

"Fala sério Lisa, eu não quero me consultar, só quero conversar com você, você me ignora a quase 2 anos, eu achei que tinha ficado tudo certo entre nós" sinto uma raiva crescer dentro de mim, meu rosto esquenta, minhas mãos tremem, então encaro seus olhos pretos, não conseguia identificar nada olhando ali, com o Jonathan sempre foi assim, eu nunca conseguia destinguir nada olhando em seus olhos, ele sempre mentiu muito bem, talvez seja por isso que eu acreditei quando ele disse que me amava incontáveis vezes

"Jonathan estou no meu local de trabalho, se você pediu 1hr do meu tempo apenas para conversar coisas inúteis eu peço para q pegue seu dinheiro e não volte mais" falo firme enquanto encaro seus olhos, vejo seu sorriso de canto vacilar por um instante mas ele continua ali

"Não pode expulsar seus pacientes" ele continua a me encarar

"Mas você não é um paciente" tento falar o mais calma que consigo

"Eu paguei pela sessão" molha os lábios, ele sempre teve essa mania

"Por isso estou pedindo para que você pegue o dinheiro novamente e vá embora" vou até minha mesa e pego os 250 reais e entrego nas mãos dele "so volte se realmente tiver um problema para ser tratado, o que eu espero que você não tenha" abro a porta da sala em que estávamos

"Até nossa próxima sessão Dra. Elisa" ele coloca o dinheiro em cima da minha mesa novamente e sai.

       Quando fecho a porta eu sinto como se meu mundo caísse, me sento no braço da poltrona e deixo com que lembranças que eu tanto evitei, volte em minha mente, assim como as lágrimas que eu prometi nunca mais derramar por ele.

     Esse era o meu medo, ele voltar, ele me encontrar e desencadear tudo aquilo que eu consegui guardar, mas ele estava ali de novo, ele estava de volta e eu daria tudo para que ele não voltasse em meu consultório ou sequer não me procurasse. 

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo