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Elisa narrando

"Filha vamos" peguei a mochila de Clara e fomos saindo do apartamento "hoje a tia Larissa vai ir te buscar, a mamãe vai ficar até mais tarde no consultório" me agachei em sua frente para poder olha - la nos olhos

"Por causa do tio Antônio mamãe?" Se referiu a um dos homens que frequentavam o consultório e que tinha imenso carinho pela minha filha, e ela com ele também 

"Sim meu amor" beijei a bochecha dela e entramos no carro.

       Deixei Clara no colégio e fui direto para o consultório. Minha vida nunca foi tão fácil, mas hoje eu agradeço muito a Deus por todas as chances que ele me deu, hoje sou muito realizada, tenho pessoas incríveis do meu lado.

      Trabalhar nunca foi um peso ou uma dificuldade pra mim, eu amo ajudar as pessoas, ouvi-las e aconselha-las, não posso mentir que as vezes chega algumas e alguns adolescentes que não querem ser ajudados, mas sempre contorno a situação e eles saem de lá com um sorriso, ao menos 1 sincero e eu me sinto grata a cada sorriso que eles dão. 

       Ser psicóloga não é nem um pouco fácil, chega pessoas de todos os tipos e se você dar uma de psicóloga para suas amigas e acha difícil, só entrem na faculdade querendo ser psicóloga se você realmente tiver certeza disso. Há pessoas com vários problemas de diversas formas, uns mais zangados, outros calmos demais, alguns entram e se você não prestar bastante atenção em cada ato ou simplesmente não souber reparar na dor que seu olhar transmite, você simplesmente deixa ele ou ela ir embora dizendo que ele ou ela está completamente bem.

       Nunca ocorreu de alguém que se "trata" comigo se suicidar e eu não chamo isso de sorte, eu chamo de privilégio, honra e sinto que eu posso conseguir ajudar sim mais e mais pessoas, eu também sei que talvez possa chegar o dia em que eu não vou conseguir evitar isso e claramente eu não sei qual vai ser a minha reação diante disso, então o quanto eu puder eu ajudo.

       Apesar de as vezes eu passar o dia e boa parte da noite no consultório eu ainda sim tenho bons momentos com minha filha, sempre reservo momentos com ela, Clara é uma criança de ouro e apesar de ter vindo em um momento que eu considerava inapropriado para mim, hoje eu digo e tenho certeza que ela veio no momento exato.

       Eu não tenho um rodeio de amigas, mas as que eu tenho são as de extrema importância para mim, principalmente Larissa, ela é incrível, tudo nela é maravilhoso, ela toma suas dores como se fossem dela, ela chora contigo, ela te abraça se ver que tem necessidade, ela te faz sorrir quando ver que seu mundo está desabando, ela faz o possível e o impossível pra ajudar alguém e não é só isso que a - torna especial. 

      Entro no meu consultório e sinto uma sensação boa me preencher, é sempre assim quando entro aqui, a sensação de que eu consegui, a felicidade estampada em meu olhar, aqui é meu refúgio de paz, saber que apesar de tanta dor passada eu ainda sim consegui, ainda sim batalhei e conquistei e acreditem, meu apartamento, meu consultório e meu carro são metas que eu alcancei, mas meus objetivos estão além disso e eu sei que vou conseguir.

       Me sento em minha cadeira atrás da grande mesa e ligo meu computador, hoje o dia vai ser longo, vejo que a primeira pessoa irá chegar daqui a 15 minutos então começo a organizar tudo, papéis, canetas, um copo com água, coloco as poltronas nos lugares para que fique mais confortável para o meu paciente, uma música suave etc...

"Bom dia Antônio" - digo assim que ele se senta na poltrona ao meu lado

"Bom dia Lisa, como você está linda hoje" - esse é um dos motivos de eu amar meu emprego, não os elogios, claro isso também, mas o sorriso que eles trazem no rosto a cada nova conversa comigo, isso é gratificante

"Muito obrigada, você também não está nada mal" - sorrio pra ele, Antônio vem se "tratando" a mais ou menos 6 meses, quando ele veio, não sabia ao certo o que sentia, mas após conversas e mais conversas ele descobriu o que estava machucando tanto ele, a falta de sua esposa, ela o-abandonou quando soube que ele era estéril e ele se culpava muito por isso, mas hoje ele já não é aquele homem de 30 anos deprimido, seu olhar carrega uma felicidade enorme e seu coração se acalmou, hoje ele consegue falar sobre a ex esposa sem aquele pesar na voz, hoje ele é uma pessoa diferente "como está se sentindo hoje?"  Pego o pequeno caderno onde há anotações (de todas as consultas dele) com o nome dele e minha caneta

"Muito melhor que na primeira vez e melhor ainda que na nossa última consulta" ele sorri e aquele sorriso acalenta meu coração, me sinto realizada "não quero tomar muito de seu tempo hoje Lisa, eu queria saber, juntamente a você, se podemos terminar as sessões, eu já me sinto bem melhor, foram 7 meses e 30 terças-feiras em que me encontrei com você, o que você acha de terminarmos as sessões?"  Olho pra ele que me encara com um sorriso tímido no rosto, busquei em seu olhar qualquer resquício de algo escondido, alguma dor, alguma tristeza e alguma coisa que denunciasse que ele não estava completamente bem, mas ao analisar eu só consegui colocar um sorriso enorme em meu rosto, tão grande que acho que o Antônio se assustou

"Se você se sente totalmente bem para essa decisão eu fico completamente feliz por você, não foi nenhum trabalho te ajudar e eu fico grata por você ter feito tudo direitinho e se você quer mesmo terminar nossas sessões por estar se sentindo totalmente bem, eu fico mais feliz ainda, por saber que apesar dos pesares eu consegui te ajudar, consegui te mostrar o quão incrível você é, e para mim essa alegria é imensa, Clarinha vai ficar muito feliz em saber disso" ele abre um sorriso tão grande quanto o meu e em um momento rápido ele me abraça, tão apertado que quase sinto meus ossos serem esmagados, mas ainda sim eu retribuo seu abraço, pois pra mim a felicidade dele é a minha felicidade nesse momento 

"Muito obrigada por tudo Lisa, eu irei vir aqui para te visitar e trazer docinhos para Clara"  ele sorri enquanto me solta de seu abraço limpando algumas lágrimas de felicidade "muito obrigada por tudo"

"Não precisa me agradecer, mas bom, agora se sente ai e vamos usufruir dos nossos próximos 40 minutos que nos resta" sorrimos e assim contínuo todo o processo com puro profissionalismo e dedicação, apesar de ser a última consulta ainda sim precisamos nos dedicar a ela

      Terminamos "nossa" consulta, após muitos sorrisos, muitas conversas, muitas decisões e muitos abraços, Antônio saiu com a promessa de voltar para trazer doces pra Clarinha e me visitar, até pq ele não quer voltar aqui por outro motivo anão ser esses e claro que eu fiquei toda feliz pelas palavras dele.

        O dia passou rápido e quando vi já estava prestes a atender a última paciente, Fernanda, 16 anos de idade. Arrumei as poltronas novamente, coloquei um suco na mesinha de centro em frente a mesma, coloquei uma música internacional estilo adolescente (gosto de deixar o ambiente ameno, ngm precisa ter a sensação de que está se tratando, principalmente adolescentes) aguardei sua chegada, era sua primeira consulta comigo.

"Boa noite Fernanda" - a garota se sentou ao meu lado e abriu um sorriso enorme e eu juro que se não fossem aqueles olhinhos claros demonstrando tanta dor e tristeza, eu teria dito que ela estava extremamente bem 

"Boa noite Drª. Elisa - falou alto com sua voz contagiante, os pais da garota havia ficado na pequena salinha de espera do consultório, era sempre assim com adolescentes, na primeira consulta os pais ou acompanhantes ficavam na sala de espera para caso houvessem algum imprevisto, porem da segunda adiante, o paciente n poderia ter acompanhantes, e por isso muitas vezes eu mesma me responsabilizava por levar tais em suas respectivas casas, claro que havia documentos de autorizações a serem assinados. 

"Temos 1hr para fazermos o que você quiser" sorrio grande para a garota tentando transmitir confiança para a mesma 

"Que tal falarmos de coisas que não seja perguntar como estou me sentindo, como todas vocês fazem"  meu sorriso quase se esvaiu de meu rosto, mas ainda sim permaneci com ele no rosto

"Hmm e sobre o que você quer falar doninha?"  Estendi um copo de suco para a garota de longos cabelos castanhos que pegou sem exitar

"Por que você se tornou psicóloga? " me olhou com seus olhos verdes bem abertos e aquilo me fez sorrir mais ainda

"Por ter a vontade de ajudar as pessoas, ter a vontade de querer vê-las bem, a necessidade de tirar um sorriso sincero do rosto de cada uma delas, cada uma que passa por aqui tem um problema diferente, tem uma dor diferente, tem um trauma ou uma cicatriz diferente, algumas com problemas familiares, outras com problemas de casais, algumas com mais de 1 problema, mas eu me sinto gratificada por cada uma que passa por aqui" ela continuou me olhando, mas diferente, agora seu olhar tinha um um brilho bonito e em sua boca continha um pequeno traço de sorriso 

"Você fala com tanta firmeza" ela nega com a cabeça

"Você é bem esperta Fernanda" bebo um gole do meu suco de laranja

"Não sou" e ali eu vi qual era o seu problema ou alguns deles, a falta de estima, o sentimento de incapacidade, a dor de nunca se achar suficiente 

"Eu vejo que você é, sabe, você é uma garota linda, uma garota esperta, me diz Fernanda, o que te fez ou fez os seus pais procurarem uma psicóloga?"  Ela me encarou como se dissesse 'eu pedi pra você não perguntar' mas eu ignorei e continuei ali, esperando sua resposta, então ela soltou um suspiro longo, bebeu um gole de seu suco e encarou suas mãos

"Seria idiota eu dizer que eu não faço ideia do pq?"  Ela respira fundo antes de continuar " Eu sinto que não estou bem sabe? É como se tivesse algo me machucando e eu talvez não saiba o que é, essa dor, esse sentimento de querer jogar tudo pro alto, uma coisa ruim, é como se por dentro, tivesse um buraco e eu estivesse oca, e por mais que eu sinta que não sinto nada, ainda sim eu me sinto machucada e infeliz, não sei Elisa, posso te chamar assim? Ela pergunta no final e eu assinto "meu coração parece que vai me abandonar a qualquer momento de tão quebrado que ele está, eu vejo as pessoas bem e sinto inveja disso, eu olho as pessoas com um sorriso no rosto e penso 'cara se elas são tão felizes pq eu não consigo ser?' Ou 'pq elas são felizes e eu não?' E eu não queria sentir isso, eu queria ter a minha própria felicidade, eu queria saber onde encontrar esse sentimento, as pessoas só se aproximam de mim para saber minhas fraquezas, após saberem isso elas me quebram, me derrubam, me destroem, é como se elas ajudassem a construir meu coração quebrado e logo depois o-quebrasse novamente" vejo lágrimas começarem a derramar de seus olhos, pego um pequeno lenço que está em cima de minha mesa e a-entrego 

"A vida nos pregam peças Fernanda, eu entendo toda a sua dor, entendo todo esse sentimento, entendo cada coisinha que você está sentindo, você é uma garota linda e mesmo tão nova ainda sim passa por tantas coisas, entendo essa inveja que você sente dos outros sendo felizes e você não" pego as mãos trêmulas dela "não somos de ferro Fernanda, caimos, levantamos, sorrimos, choramos, as vezes estamos bem, outras vezes só queremos parar tudo nem que seja por milésimos de segundos, vivemos em uma montanha russa, as vezes em cima, do nada em baixo, mas cabe a nós se vamos desistir ou no meio dessa dor iremos procurar forças para seguir. Me diz Fernanda, você ja tentou se suicidar?"  Eu sei a resposta, seus pequenos e magros braços mostram cicatrizes fundas, em seus pulsos, ela assente sobre minha pergunta "e pq não conseguiu?"  Ela dá de ombros

"Minha mãe chegou na hora, me levou ao hospital e conseguiram me fazer voltar" responde com uma insignificância notada em sua voz

"Se arrepende de ter voltado?" Ela não responde 

"Falta muito pra acabar?"  Eu sorrio olhando meu relógio de pulso

"3 minutos" ela balança a cabeça afirmando e se levanta, fica andando de um lado para o outro até acabar os únicos 3 minutos que faltavam e assim que eles se passaram, ela me encarou e sorriu

"Até a próxima terça Elisa" e assim ela sorriu, sincera, verdadeira, mas seu olhar ainda possuia tristeza

"Até a próxima terça Fernanda" aceno com a mão e ela sai da sala.

       Chego em casa as 21hrs Larissa estava sentada na poltrona enquanto assistia algum filme qualquer na TV

"Clara ja dormiu?"  Ela se vira pra mim e assente

"Dia longo?" Minha amiga desliga a TV e vem ao meu encontro me dando um abraço como sempre 

"Você nem imagina" rimos e eu conto tudo sobre o meu dia pra ela 

"Poxa amiga, eu fico tão mal em saber que nossa juventude está se afundando em tantos problemas" assinto "que bom que o Antônio esta bem, ele parece gostar muito de vocês" se refere a mim e a Clara 

"Para de bobeira Larissa, somos amigos, você e suas paranoias" vou em direção do quarto de Clara para lhe dar um beijo

"Já está na hora de você encontrar alguém Elisa, ja se passaram 6 anos, você precisa se divertir um pouco, esquecer o passado"  para na porta do quarto de Clara impendindo minha passagem

"Não estou presa ao meu passado Larissa Gabrielle, só não quero me envolver com ninguém pq não vi ninguém que me interesse" empurro ela para o lado e vou até minha pequena deixando um beijo em sua bochecha

"Claro que não Elisa, sabemos muito bem disso" ironiza "vou ir embora, amanhã quer que eu busque minha afilhada novamente?" Nego com a cabeça

"Não vai ser preciso, muito obrigada meu amor" beijo sua bochecha e a-acompanho até a porta "tenha uma boa noite" 

"Digo o mesmo para você" assim que ela entra no elevador eu fecho a porta e vou para o meu quarto tomar um banho e ir descansar

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