Capítulo 5

A vida era uma boa de uma filha da puta. Podia jurar que se havia alguém que ela fazia questão de foder todos os dias, esse alguém era Cristine.

            Paulo correu o máximo que pôde, chegando a avançar alguns sinais vermelhos, e em poucos minutos chegaram em sua casa.

            Assim que ele estacionou em frente ao gramado mal cuidado, ela abriu a porta do veículo, com ele praticamente em movimento, e saltou, sem querer perder tempo. Não demorou muito para ouvir Paulo saltando também e aproximando-se, enquanto ela buscava as chaves dentro da bolsa.

            — Você não precisa entrar comigo — falou, quase choramingando.

            — E você acha mesmo que vou te deixar entrar sozinha, sendo que aquele merda pode estar aí dentro?

            — Tenho certeza que ele não deve estar aí. Com certeza já fugiu porque sabe que a primeira oportunidade que me der, eu chamo a polícia. — Assim que terminou de falar, encontrou a chave, colocou-a na fechadura e abriu a porta.

            O cheiro de bebida barata instantaneamente atingiu suas narinas. Era sempre a mesma coisa quando chegava em casa, e aquilo lhe dava uma tristeza muito grande. Contudo, o que a deprimiu mais ainda foi ver o pai largado no sofá, meio desmaiado, meio acordado, com alguns curativos no rosto. Porém, havia hematomas ainda em evidência.

            Sem perder tempo, ela se aproximou e o sacudiu com delicadeza, fazendo com que abrisse os olhos, parecendo um pouco grogue. Estava completamente bêbado.

            Quase com dificuldade ele abriu os olhos, piscando-os algumas vezes para se acostumar à luz. Olhar para ele era quase um martírio. Aquele homem ali não era nem uma sombra de quem um dia fora: bonito, forte, bem sucedido e respeitado. Agora era um alcóolatra, desempregado, que dependia da luta diária da filha para sobreviver.

            — Pai? — Cristine chamou com uma voz autoritária. Já tinha passado da fase de ter pena. Claro que o amava de todo coração e sempre amaria, mas tinha um enorme ressentimento por ele ser tão fraco e se deixar entregar quando ela mais precisava. Ele simplesmente perdeu a vontade de viver, mas estava vivo, então, alguém tinha que cuidar dele e sustentá-lo. — Pai? — chamou outra vez, dando um leve tapinha em seu rosto, porque ele parecia em transe. Paulo estava à sua frente como um guardião. Quando ele finalmente voltou a si, olhou fixamente para ela com seus olhos vermelhos de cachaça. — O que aconteceu?

            — Ele veio pedindo dinheiro, mas eu não tinha. Daí ele começou a me socar. Por sorte a nossa vizinha, a D. Edna, apareceu, e ele fugiu, porque ela gritou que iria chamar a polícia.

            Cristine olhou para Paulo com uma expressão preocupada. As coisas estavam chegando a um ponto intolerável.

            — Foi a D. Edna que fez esses curativos e que pediu para que o filho dela procurasse por você.

            — Que sorte que ele me encontrou, porque eu não estava na oficina. — Silenciosamente, Cristine agradeceu aos céus em silêncio o fato das pessoas serem tão bondosas com ela. Com certeza o rapaz tinha rodado uma boa parte da cidade só para procurá-la.

            — Cristine? — seu pai chamou seu nome com uma voz rouca e logo foi acometido por um ataque de tosse. — Ele disse que vai voltar. Precisa de dinheiro e vai tentar conseguir com você. — Ao falar isso, Venâncio, pai de Cristine, desatou a chorar. — Eu sou um merda. Não consigo defender minha própria filha.

            Cristine respirou fundo, porque era sempre a mesma coisa. Ele sempre se lamentava por suas fraquezas, pelo fato de deixar a filha tomar as rédeas de todas as situações, mas nunca fazia nada para mudar. Ela mal sabia como ele conseguia as garrafas de bebida, mas desconfiava que era Igor que as fornecia. É claro, enquanto o padrasto estivesse doente, fora de si, ele poderia pintar e bordar.

            — Vamos, pai. Eu e Paulo vamos te colocar na cama. — Ao dizer isso, ela se virou para o amigo com uma expressão de súplica, e este assentiu com a cabeça.

            Então, cada um se colocou de um dos lados de Venâncio, suspendendo-o do sofá, colocando-o de pé. Era um homem pesado e embora tivesse perdido peso ao longo dos últimos anos, Cristine sabia que não conseguiria sustentá-lo sozinha, sem a ajuda de Paulo. Ao pensar nisso, mais uma vez agradeceu aos céus por ter bons amigos.

            Com esforço, os dois subiram as escadas velhas da casa alugada que também estava caindo aos pedaços, entraram no quarto de Venâncio e o jogaram na cama, com roupa e tudo. No exato instante que seu corpo tocou o colchão, ele adormeceu. Sorte a dele que conseguia fugir da realidade com tanta facilidade. Para ela as coisas eram mais difíceis. No único dia que decidia tentar relaxar e tomar uma cerveja, era interrompida pela bosta da vida real.

            Paulo e Cristine saíram do quarto, fechando a porta. Logo que se viram sozinhos, ele a interpelou.

            — Cris, não posso te deixar aqui sozinha. E se o Igor volta?

            — Ele vai voltar de qualquer jeito. Você sabe que quando ele está chapado, ninguém consegue segurá-lo. Prefiro estar sozinha. Vou dar o dinheiro que ele quer e terminar com isso.

            — Terminar só por esta noite, não é? Isso não vai acabar enquanto ele não for preso.

            Cristine aquiesceu, sabendo que ele tinha toda razão. Igor estava fora de controle, capaz de tudo para manter seu vício.

            — Fique tranquilo, Paulinho. Sei me cuidar. — Cristine sorriu de forma desanimada e colocou a mão no ombro do amigo, que não parecia nada satisfeito nem convencido. — Vá para casa. Vai ficar tudo bem.

            — Tá. Mas, por favor, me ligue se precisar de alguma coisa.

            — Pode deixar. Obrigada por tudo.

            E ela o levou até a porta da rua, despedindo-se com dois beijos carinhosos.

            No momento em que Paulo saiu, depois de fechar a porta, Cristine sentiu-se fraca, como se o mundo inteiro estivesse sobre suas costas.

            Respirou fundo, com as costas apoiadas na parede ao lado da porta, e tentou tomar coragem para sair dali. Sua noite estava apenas começando, então, não podia fraquejar.

            Reunindo suas forças, saiu da inércia e foi até o segundo andar da casa. Foi logo em direção ao banheiro, para passar mais um pouco d’água no rosto, que já estava queimando outra vez, e sua cabeça, é claro, explodindo. Contudo, mal abriu a porta e foi recebida por um cheiro acre insuportável, que ela conhecia muito bem. Quando pôs os olhos no cômodo, estava completamente vomitado.

            Ela não sabia se queria gritar ou chorar. Provavelmente os dois. Mas isso não mudaria em nada o fato de que tinha que limpar aquela sujeira toda.

            Então, depois de um dia de trabalho pesado, Cristine se viu com rodo, pano, balde e produtos de limpeza de vários tipos de odores diferentes, só para tentar salvar sua casa daquele cheiro terrível.

            Já passava das onze quando terminou — ou pelo menos achou que estava razoável — e, com as costas latejando, saiu do banheiro, levando consigo os panos imundos dentro de um balde. Ao chegar na área de serviço, jogou todos os panos em uma sacola de plástico e todos foram para a lixeira. O balde foi lavado, e tudo parecia em ordem.

            Parecia. No entanto, Cristine sabia que o caos estava apenas começando.

            Foi então ao seu quarto, tomou um banho, vestiu algo confortável, e, debaixo de sua cama, pegou algo muito importante, que guardava ali exatamente para dias como aquele. Um pedaço de madeira pesada e grande, sua garantia de defesa.

            Com sua arma nas mãos, foi para a sala, deixando as luzes da sua casa apagadas, como se todos já tivessem ido dormir, como uma armadilha.

            Tinha mentido para Paulo. Não iria dar dinheiro nenhum para Igor. Iria lhe dar uma lição.

            O cansaço, a escuridão e o tempo de espera fizeram com que acabasse adormecendo. Porém, foi despertada subitamente pelo barulho da chave na fechadura. Que sorte que tinha sono leve. E como não ter, se dormia com o inimigo?

            Ela ouviu enquanto ele entrava sorrateiramente, pé ante pé, como um gatuno. Cristine sabia muito bem qual era sua intenção: ele deveria ter esperado todos dormirem para entrar na casa e roubar. Assaltava sem critério, bolsas, carteiras, gavetas, eletrodomésticos... qualquer coisa que lhe rendesse uns trocados para pagar por mais drogas.

            Mas naquele dia seria diferente.

            Assim que Igor acendeu a luz, levou um susto ao vê-la ali, especialmente segurando um pedaço de madeira e com uma expressão assassina nos olhos.

            Igor abriu a boca para falar alguma coisa, mas nem teve tempo. Cristine foi para cima dele com toda sua força e começou a bater com a madeira sem piedade. Se a mãe não tinha lhe ensinado a ser gente, ela faria isso na marra.

            — O que você está fazendo, sua maluca? — ele berrou enquanto apanhava. Cristine sabia muito bem que era baixinha e magra, mas tinha força suficiente para deixá-lo cheio de manchas roxas.

            — É assim que trato ladrão que entra na minha casa — respondeu, mas continuou a bater.

            — Eu também moro aqui.

            — Mora porra nenhuma. Só aparece quando quer. E ainda tem a chave só porque meu pai é frouxo e permite. Mas como sou eu que sustento a casa, estou te proibindo de voltar aqui. Se voltar, não vou mais te receber com porrada, vai ser com a polícia.

            Cristine continuou batendo, e estava disposta a expulsá-lo dali debaixo de pancadas, mas foi surpreendida quando ele revidou. Com toda violência.

            O impacto do golpe a fez voar na parede, batendo a cabeça, o que a deixou zonza por algum tempo. O punho de Igor acertou seu queixo em cheio, e ela sentiu o gosto do sangue na boca.

            A madeira estava longe, tinha escapado de sua mão, e ela estava novamente indefesa. Igor se aproximava, enfurecido. Sem dizer nada, ele a chutou na costela, fazendo-a gritar de dor.

            — Sua vadia! Eu adoraria te bater mais e deixar esse teu rostinho bonito cheio de hematomas, mas estou com pressa.

            Cristine nem conseguia responder. A dor era insuportável, inexplicável. Também não conseguia pensar. Enquanto Igor pegava algo na cozinha, que ela não fazia ideia do que poderia ser, mas descobriria no dia seguinte, ela sentia que perdia os sentidos lentamente, enquanto uma escuridão bem-vinda se apoderava de sua mente.

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