Capítulo 3

Cristine sabia que era bonita. Por mais que já não se arrumasse tanto quanto antes, e por mais que já não usasse seus atributos físicos para conquistar as coisas que queria e nem para magoar as pessoas, tinha noção de que ainda provocava olhares libidinosos por onde passava. Porém, não esperava deixar um homem sem fala daquele jeito, estando toda suja, descabelada e sem maquiagem. Tudo bem que havia toda a questão do fetiche por ela ser mecânica, mas acreditava que aquele ali estava exagerando um pouco.

            Ainda mais por se tratar de um homem devastadoramente bonito. E olha que andava cansada demais para prestar atenção nessas coisas.

            Do alto de seus prováveis um metro e oitenta — pelo que ela podia calcular, já que deveria haver uma diferença de trinta centímetros entre eles —, ele a observava com certo fascínio e algum outro sentimento que ela não conseguia interpretar qual era, mas que não parecia muito positivo. Seus olhos escrutinadores tinham um tom castanho de mogno e eram grandes, expressivos. Os cabelos possuíam um tom semelhante, e eram curtos, quase espetados, mas pareciam ser macios ao toque. E o corpo... O que falar do corpo? Tudo parecia no lugar certo. A blusa afundava na área do abdômen e explodia nas mangas, com músculos que saltavam para fora delas. Cristine podia jurar que ficou sem fôlego ao olhar para ele.

            Depois de avaliá-lo por completo, sem nenhum pudor, ela imitou-o ao cruzar os braços e interpelou:

            — Posso ajudar em alguma coisa?

            Logo depois de perguntar, ela o viu rir com certo sarcasmo.

            — Você realmente não se lembra de mim, não é? — ele perguntou, parecendo se divertir com a situação.

            Ela tinha certeza que se lembraria se já o tivesse visto, porque não era um homem fácil de se esquecer. Contudo, observando com mais atenção, decidiu que ele lhe era familiar. Com isso em mente, começou a se lembrar de sua conversa com Ângela algumas horas atrás sobre Enzo estar na cidade. E claro que somente ele poderia falar com ela com aquele leve tom de rancor. Tudo bem que tinha colecionado inimizades quando jovem, mas todos tinham esquecido, relevado e se tornado seus amigos no final das contas, depois de um humilde pedido de desculpas.

            — Ah! Enzo Azevedo! Quem diria. Está de volta o filho pródigo — falou com certo desdém, arrependendo-se instantaneamente de ter olhado para ele com tanto interesse.

            Mas também... quem poderia prever que o garoto mais feioso de São Valentim desabrocharia daquela forma, tornando-se um modelo de beleza? Que aquela magreza toda iria explodir em músculos bem definidos e torneados? Que o aparelho dentário faria maravilhas com seu sorriso? O tempo tinha sido generoso com ele.

            — Como vai, Cristine? — ele indagou com uma voz baixa e grave, e a simples pergunta ficou parecendo uma ameaça.

            — Estou bem. Não vou perguntar o mesmo a você, porque sei que está muito bem de vida, de acordo com o que sua mãe andou me contando.

            — Sim. Realmente as coisas deram certo para mim. — Cristine sabia que ele estava sendo modesto. De acordo com os constantes relatos de Ângela, Enzo tinha se tornado milionário em poucos anos, com trabalho duro e esforço.

            — Fico feliz. — Ao dizer isso, ela se sentou novamente na esteira. — Você não vai se incomodar se eu voltar ao trabalho enquanto conversamos, não é? Já passa das oito, e eu estou doida para voltar para casa.

            — Não, tudo bem.

            Então, Cristine voltou para debaixo do carro, voltando a mexer nele. Enzo ficou em silêncio por algum tempo, e ela decidiu dançar conforme a música. Se alguém tinha que puxar papo ali, esse alguém era ele.

            E ele não demorou para se manifestar.

            — A última coisa que eu esperava ver aqui em São Valentim era você trabalhando na oficina do meu pai. — Cristine riu com o comentário.

            — Pode apostar que me surpreendo todos os dias com isso também, mesmo depois de oito anos.

            — Oito anos? Como aconteceu? Você comprou isso aqui depois que meu pai morreu?

            Ainda bem que estava escondida debaixo do carro, porque Cristine tinha certeza que não queria que ele percebesse suas reações àquele assunto. Não gostava muito de lembrar o que a tinha levado a trabalhar ali. Além disso, ficou feliz por ele não vê-la suspirar enquanto percebia a raiva que ele usara para proferir a pergunta. Como se tivesse algum direito de se ressentir de alguma coisa. Logo ele que tinha deixado a família para trás...

            Não que ele merecesse explicações, mas ela não se importava em contar, bem superficialmente, o que tinha acontecido em sua vida.

            — Eu precisava de um emprego, e seu pai de um ajudante. Acho que foi o destino. Ele já estava doente quando começou a me ensinar, mas eu não sabia disso. — Ela fez uma pausa. — E respondendo à sua pergunta: não comprei a oficina. Ela pertence à sua mãe. Eu trabalho para ela.

            — Não sabia que vocês eram tão próximas. — Cristine preferiu ignorar o comentário. Então ele prosseguiu: — E como foi que a maior patricinha de São Valentim foi aceitar trabalhar em um emprego assim? Sua família não era uma das mais ricas da cidade?

            Ela pôde sentir por sua voz que ele estava tentando não soar desagradável, por isso, o tom da pergunta foi de brincadeira. Aquilo, com certeza, fazia parte de sua estratégia naquela vingança idiota que ele tanto prezava. Sendo assim, saiu novamente de debaixo do carro, ficando sentada na esteira, olhando fixamente para ele.

            — Não acho, sinceramente, que isso seja da sua conta. — Ela se esforçou ao máximo para demonstrar com apenas um olhar o quanto estava contrariada com a pergunta. Esperava que ele compreendesse que aquele tipo de conversa não era muito bem-vinda.

            Deixando-o sem palavras, Cristine levantou-se e começou a tirar as luvas imundas. Aquele cara a tinha realmente tirado do sério, então, não estava mais no humor para trabalhar. Estava mais do que na hora de dar o expediente como encerrado, antes que acabasse fazendo uma besteira.

            — Vou fechar a oficina, Enzo. Podemos terminar a conversa outro dia? — Totalmente sem paciência, ela nem tentou disfarçar o quanto ele a entediava.

            — Posso te ajudar?

            De costas para ele, Cristine bufou discretamente. Toda aquela simpatia teria um preço, é claro. Não demoraria muito para Enzo lhe dar o bote.

            — Eu faço isso todos os dias sozinha — ela se virou para ele com um sorriso amarelo: — Mas obrigada.

            Depois de dizer isso, ela deu alguns pulinhos em frente à porta de enrolar de aço, antiga, tentando puxá-la para baixo. Por causa de sua pouca estatura, sempre tinha dificuldade para isso, mesmo quando usava um pé de cabra para lhe ajudar. Porém, estava tão irritada daquela vez que tinha até esquecido de pegá-lo.

            Contudo, no momento em que se virou para fazer isso, ouviu o barulho da porta se fechando. Enzo só precisou esticar o braço para abaixá-la, sem nenhuma dificuldade.

            — Tem um macete para essa tranca funcionar e...

            — Eu sei. Também já fechei essa oficina várias vezes — ele a interrompeu, já trancando o local sem nenhum problema.

            Cristine tinha quase se esquecido, por um momento, que ele era o dono daquilo ali. Era sua família que proporcionava seu sustento.

            Carma era mesmo uma merda.

            E ele provavelmente tinha feito tudo aquilo de propósito, porque assim que terminou de descer toda a porta de aço, a oficina ficou em plena escuridão.

            Cristine não fazia ideia de quais eram os planos de Enzo, mas estava começando a achar que ele tinha intenções de seduzi-la. O motivo ela não fazia ideia, mas sua suspeita começou a aumentar quando ele se colocou na sua frente como um poste, bloqueando a passagem até o interruptor, fazendo-a esbarrar em seu corpo.

            A força do baque a fez cambalear, mas ele colocou o braço ao redor de sua cintura, impedindo que caísse.

            Ela não esperava, definitivamente, que aquele contato a deixasse tão abalada. O braço musculoso de Enzo a segurava com firmeza, não parecendo ter a menor intenção de soltá-la tão cedo. Tudo que queria era que ele não percebesse suas reações ou a forma como suas pernas pareciam não lhe obedecer, estremecendo, fracas. Cristine queria acreditar que essa vulnerabilidade tinha a ver com o fato de estar na abstinência de uma companhia masculina. Já tinha perdido as contas de há quanto tempo não era tocada daquela forma por um homem, ainda mais um tão bonito. Mas tinha que lembrar que aquele ali era Enzo, o maior babaca da história, que tinha trocado a própria família por dinheiro e que tinha uma estranha obsessão por ela. Sabia que toda aquela gentileza não duraria muito, que mais cedo ou mais tarde ele iria tentar foder com sua vida.

            E foi exatamente esse pensamento que fez com que o empurrasse, afastando-o, livrando a si mesma do feitiço que ele provocava. Em seguida, alcançou o interruptor e, para sua salvação, fez-se a luz.

            O que a surpreendeu, assim que o ambiente ficou iluminado, foi perceber que Enzo parecia constrangido e levemente transtornado, exatamente como ela. Contudo, aquilo podia ser tudo parte de seu disfarce. Ela não podia acreditar em nada que vinha dele.

            — Posso te levar para tomar alguma coisa? Uma cerveja, talvez.

            Ah, pronto! Estava demorando...

            O primeiro pensamento de Cristine foi o de recusar imediatamente, para que ele compreendesse que não conseguiria nada com ela, muito menos magoá-la. No entanto, por um momento — um brevíssimo momento — hesitou antes de negar com tanta veemência.

            Assim como fazia muito tempo que não era tocada por um homem, também fazia séculos que não saía para se divertir. Claro que teria que ficar em alerta o tempo todo, pois não sabia o que esperar de Enzo, mas era uma mulher grandinha, não iria se deixar conquistar por ele, mesmo estando tão bonito e sexy. Tinha aprendido a duras penas que aparência não era tudo que um bom caráter valia muito mais.

            — Tudo bem, mas acho melhor marcarmos em algum lugar, porque não posso sair toda suja e com estas roupas. Preciso de um bom banho.

            — Você ainda vai passar em casa? — ele perguntou.

            — Não. Tenho tudo que preciso aqui. Além disso, consertei o chuveiro do quartinho lá de cima. Está funcionando muito bem — sorriu orgulhosa e percebeu que novamente o tinha deixado impressionado. Ponto para ela.

            — Então eu posso te esperar. Tenho algumas mensagens para responder do trabalho, que posso fazer pelo celular. Pode demorar o tempo que quiser.

            Merda! Aquele cara ia mesmo ficar no seu pé. E o pior: não podia tirá-lo ou expulsá-lo dali, pois a oficina pertencia à familia dele. Se alguém era a intrusa ali, era ela.

            — Tá. Vou ser rápida, prometo.

            Depois de dizer isso, subiu as escadas de caracol com pressa, ansiosa para se afastar dele o mais rápido possível.

            Com certeza um banho de água fria lhe faria muito bem.

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