Capítulo 3

Logo eu não vou vê-lo em tudo,

Até o anjo de concreto cai.

Eu sabia quem você era, desde o início,

Mas agora eu não sei quem você é,

Em breve haverá absolutamente nada,

Até o anjo de concreto cai.

Concrete Angel – Christina Novelli

Sarah

Chegou o dia da mudança, o dia em que eu vou dar um dos maiores passos que dei durantes esses cinco anos: sair do modo automático em que vivo e puxar o freio de mão e dar um basta nessa minha aparência sofrida. Já liguei para Kathy, minha secretária, avisando que não irei para a agência e já avisei para Diego que eu irei a tal festa. Ele ficou bastante animado com a minha decisão e disse que, por ser um ótimo irmão, pega-me em casa. O engraçado é ele falar que veio passar os dias comigo, mas, desde que chegou, foi no meu apartamento um dia só para falar um oi e depois de algum tempo foi embora. Belos dias comigo! Enfim... Estou indo para o salão do Luigi; conheço-o há bastante tempo e sei que ele me deixará linda. Infelizmente, estou indo sem a minha mãe, pois ela teve que ir embora. Sei que não nos damos tão bem, mas sinto falta dela, principalmente nos momentos meninas.

Chego ao salão e fico impressionada. Eu sabia que ele tinha sido reformado, mas está totalmente diferente da última vez que vim aqui; agora está com um ambiente fino. Abro a porta e a recepcionista vem me receber.

— Olá, eu sou Carol, em que posso ajudá-la? — Reparo bem na moça bonita que se apresenta a mim e, como conheço o Luigi muito bem, tenho quase certeza que, quando não tem clientes no salão, ele tenta agarrar a recepcionista, ou as muitas funcionárias que ele tem por aqui.

— Oi, Carol, eu tenho um horário marcado com o Luigi.

— Ah, sim, você é a Sarah? — Ela fala educadamente.

— Sim! — Sorrio para ela.

— Me acompanhe, por favor. — Ela me aponta para a entrada, onde estão todos os funcionários, inclusive o meu amigo Luigi.

— Então quer dizer que quem é vivo sempre aparece?! — Ele vem ao meu encontro e logo me abraça forte.

— Como você está, Luigi? Tem tanto tempo que não o vejo, acho que nem te reconheceria se te encontrasse na rua, você está mudado.

— Lógico, linda. Cinco longos anos se passaram, mas você vai me contar tudo, enquanto eu dou um jeito nisso que você chama de cabelo.

Conversamos sobre tudo e mais um pouco, enquanto Luigi me muda completamente e, para minha surpresa, estou amando. Troquei a cor do cabelo e fiz um corte fashion — segundo Luigi, pois não entendo nada de moda. Além do cabelo, fiz tudo o que um salão oferece. Estou me sentido muito linda, coisa que eu não sentia há bastante tempo. Horas depois, Luigi termina tudo e eu fico boba, embasbacada para falar a verdade; estou totalmente diferente. Sinto-me renovada, uma nova mulher que talvez possa tentar viver no mundo com menos tristeza no coração.

***

Diego chega pontualmente em meu apartamento. Desço para a entrada do prédio para ele não ter que subir. Pergunto por Sabrina, pois ele está sozinho. Antes de responder, ele me encara com um lindo sorriso. Na verdade, ele parece em transe me olhando, no entanto, ao perceber que espero sua resposta, ele diz que ela já está nos esperando na boate. E só para me deixar envergonhada, Diego começa a falar da minha mudança.

— Mana, se você não fosse minha irmã, eu te agarrava agora — diz, sorrindo para mim com carinho.

— Obrigada, maninho, mas não é para tanto — falo meio sem graça.

— Não é para tanto? Sarah, olha para você. — Ele faz um gesto em minha direção com as mãos.

Olho-me novamente. Não vejo nada demais; coloquei um salto um pouco alto demais — sei que vou me arrepender da dor nos pés depois —, um vestido preto com renda para ser mais discreta, apesar de ele ser um pouco curto, uma maquiagem simples, mas, lógico, a maior mudança ficou com o cabelo; troquei a cor loira pelo castanho e amei.

— Para de me deixar sem graça... E vamos logo antes que eu desista — peço, porque já quero subir para meu apartamento novamente.

— Então vamos, mas tenho certeza que os homens vão te comer com os olhos, isso se você não deixar algum deles te comer de verdade. — Ele começa a rir da cara de espanto que faço.

— Diego, isso é coisa que se diga para sua irmã?! — Estou chocada com o que ele disse, até parece que eu faria uma coisa dessas.

— Maninha, se aparecesse alguém querendo você, deveria deixar acontecer alguma coisa, porque viver com masturbação não é vida. — Eu vou matá-lo se continuar falando essas coisas.

— Se você não parar, eu vou voltar para dentro — a irritação domina minha voz.

— Sarah, relaxa, mas escuta seu irmão, você precisa arrumar alguém. E me prometa que nessa festa você vai ser educada se alguém chegar em você? Só um beijo não mata ninguém.

— Eu não te prometo nada, mas vou tentar não ser rude e sem beijos. Para com isso de querer arrumar alguém para mim.

Ele assente e partimos rumo a tal boate, só espero que essa festa não me faça voltar com raiva para casa.

Chegamos à boate e vejo a fila enorme. Imagino que até conseguirmos entrar, a boate já tenha fechado. Mas claro que Diego tem entradas Vips e os seguranças nos liberam rapidamente, o que faz o pessoal da fila querer nos matar.

A boate está lotada, tocando Avicci – The Days e as pessoas estão indo à loucura.

Estes são os dias que estávamos esperando

Em dias como estes, quem poderia querer mais?

Deixe-os vir, porque ainda não terminamos

Estes são os dias dos quais não vamos nos arrepender

Estes são os dias que não vamos esquecer

Estes são os dias que estávamos esperando

Balance a jaula e bata aquela porta

E o mundo está nos chamando, mas ainda não é a hora

Estes são os dias dos quais não vamos nos arrepender

Estes são os dias que não vamos esquecer

Soltos à meia noite, os selvagens uivam

O último dos garotos perdidos jogou a toalha

Acreditávamos que éramos estrelas alinhadas

Você fez um pedido e eu caí

Subimos para o camarote, que é onde estão comemorando o aniversário do irmão de Sabrina. Logo vejo uma linda loira abraçar meu irmão pelo pescoço e o beijar; percebo que ela deve ser a Sabrina. Diego vira em minha direção, sorridente.

— Maninha, esta é a Sabrina, minha namorada. — Olho para ele e constato o que eu já pensava, ele está apaixonado. Sabrina me abraça e beija meu rosto.

— Olá, seu irmão fala muito de você, muito prazer.

— Não acredite no que ele fala, pois ele é um mentiroso. — Caímos na gargalhada e eu continuo. — O prazer é todo meu, você é linda.

— Obrigada, vem, vou te apresentar meu irmão. — Com isso, ela caminha com meu irmão à minha frente e eu os sigo. Vejo Sabrina chegar perto de um rapaz que está de costas. Ela fala alguma coisa e os dois se viram em minha direção. Nesse momento, meu coração dispara e o meu sorriso vacila, isso não pode estar acontecendo.

— Bom, o Diego já foi apresentado, então, Sarah, este é meu irmão, Douglas. — Ele me olha com a expressão fechada.

— Sarah, que bom te rever. — Ele estende a mão para mim por educação, pois sua expressão continua fechada.

Fico parada me perguntando mentalmente, por que tem que ser ele o irmão de Sabrina? A impaciência está estampada em sua face por eu estar o deixando com a mão estendida. Recupero-me do choque momentâneo e estendo a minha para ele, afinal de contas, eu tenho um pouco de educação, só um pouco.

Diego e Sabrina ficam nos observando. Lembro-me que ainda tenho voz e digo para o imbecil:

— Oi, Douglas, tudo bem? Quer dizer, feliz aniversário! — Sorrio meio sem graça. Ele assente e solta minha mão bruscamente.

— Obrigado, Sarah. — Meu irmão percebe que o clima não está legal e resolve entrar na conversa.

— Então vocês já se conhecem? Que coincidência. — Ele sorri para mim, mas sinto que está perdido, por isso respondo rapidamente antes que ele tire conclusões precipitadas.

— Foi ele que bateu no meu carro, Diego. — Sorrio, sarcástica.

— Mas foi um acidente que eu já pedi desculpas — Douglas responde grosseiramente. Fuzilo-o com o olhar; como ele consegue ser tão idiota?

Lógico que Diego me ama, mas ele sempre estará pronto para me fazer passar vergonha, por isso o que ele diz me deixa roxa:

— Sarah é cabeça-dura mesmo, mas depois de um tempo fica mansinha, até com desconhecidos.

— Eu vou pegar uma bebida. — Não espero resposta, saindo sem olhar para trás.

— Já vai tarde — escuto Douglas dizer. Paro por um momento, mas resolvo não responder.

Fico no bar por um bom tempo vendo todos se divertirem e percebo que eu não me encaixo em um ambiente como esse, não mais. Eu amava sair com meu marido, no entanto, tudo que eu amava morreu junto a ele. Abro um sorriso ao ver meu irmão dançando com Sabrina. Gostei bastante dela, parece ser uma menina muito legal e faz meu irmão feliz, é isso que importa. Todos merecem ter sua felicidade. Infelizmente, algumas pessoas a perdem no decorrer do tempo, ou o destino a pega e acaba com ela, como acabou com a minha.

Resolvo pedir uma bebida, faz bastante tempo que não tomo nada alcoólico. Como diz o ditado, “já que está na chuva é para se molhar”... Então vou me molhar. Depois de beber cinco caipirinhas, sinto que não estou no meu estado normal e acho que exagerei para uma pessoa que não coloca álcool na boca há cinco anos, sem contar que a caipirinha estava bem forte.

Douglas para ao meu lado, olhando-me com aquela pose arrogante que ele tanto tem.

— Você está bem? — Ele pergunta.

— Por quê? — respondo falando um pouco arrastado.

— Só vim ver se estava bem, pois já vi você virando muitos copos de caipirinha e o seu irmão está um pouco ocupado para se preocupar com você.

— Eu não preciso da sua preocupação. — A grosseria toma conta da minha voz e peço mais uma caipirinha para o barman.

Nossa, o que será que fiz com a outra caipirinha?

— Você é bem estressada mesmo. Eu vim aqui tentar melhorar o clima entre a gente e você fica aí distribuindo patadas. Com licença, desculpa te incomodar.

Ele sai, deixando-me estática por sua reação. Eu até me arrependo por um momento por ser grossa com ele, mas esse momento passa rapidamente.

***

As horas passam e eu continuo no bar. Diego vem me chamar para dançar, mas não quero. A única coisa que quero no momento é beber; meu irmão já está bravo porque estou totalmente bêbada. Mas não era isso que ele queria? Que eu me soltasse? Pronto! Estou soltinha.

Estou bebendo mais uma caipirinha — para variar — quando começa a tocar Habits - Stay High; eu amo essa música e ela é ótima para dançar.

Você foi embora e eu preciso ficar chapada o tempo todo

Para parar de pensar em você

Ooh-ooh-ooh-ooh, ooh-ooh-ooh-ooh

Chapada o tempo todo

Para parar de pensar em você

Ooh-ooh-ooh-ooh, ooh-ooh-ooh-ooh

Passo meus dias trancada numa neblina

Tentando esquecer você, amor

Eu volto para o mesmo lugar

Preciso ficar chapada a vida toda

Para esquecer que estou sentindo sua falta

Ooh-ooh-ooh-ooh, ooh-ooh-ooh-ooh

Passo meus olhos pela boate procurando alguém, até ver Douglas conversando com alguns amigos. Não penso duas vezes e caminho até ele, só pode ser a bebida falando mais alto.

Aproximo-me dele e ele me olha com o cenho franzido.

— Dança comigo? — Ele olha para seus amigos por um momento e assente para mim.

— Então agora você quer dançar? — Ele diz assim que chegamos à pista de dança.

— Só dança e não reclama.

Ele sorri torto, pega em minha cintura, forçando-me a encostar em seu corpo e começa a rebolar lentamente. E sem querer eu já estou no ritmo da música, rebolando sensualmente junto com ele. Douglas me vira, fazendo minhas costas encostarem em seu peito. Eu vou me arrepender disso depois, mas continuo a rebolar.

— Adorei a mudança de visual, você ficou ainda mais linda — ele sussurra em meu ouvido, fazendo todo meu corpo arrepiar. — Você é como seu irmão diz, bravinha só no começo, mas depois fica bem fácil de encostar em você. — Paro de dançar e me volto para ele.

Vejo arrependimento em seus olhos, mas isso não me faz ficar com menos raiva.

— Por acaso você está me chamando de piranha?

— Eu não disse isso, é só que...

— Não precisa falar mais nada — interrompo-o e vou em direção à saída da boate.

Procuro um táxi o mais rápido possível. Nunca fui tão humilhada, isso que dá querer sair do meu modo automático, mas confortável. Vim para tentar mudar alguma coisa depois de cinco anos de solidão sem ir para lugar algum e o que acontece? Sou chamada de piranha só por tentar me divertir. Tudo bem, eu sei que não sou a melhor pessoa do mundo, mas me chamar de vadia já é demais. Droga, onde estão os táxis deste lugar?

— Sarah — escuto chamarem meu nome, mas não me viro para ver quem é. — Sarah, me desculpa.

Viro bruscamente para Douglas e tudo gira; quase caio, mas por sorte ele me segura.

— Acho que alguém bebeu demais. — Tento me soltar, mas ele me segura mais forte e diz: — Começamos com o pé esquerdo, deixa eu te levar para casa, como forma de me desculpar.

— Olha, eu sei que tenho o gênio difícil, mas eu não sou vadia.

— Eu me expressei mal. Posso te levar?

A vontade é de dizer não, mas eu também acho que devemos pelo menos nos aguentar, afinal nossos irmãos estão namorando e o mínimo que podemos fazer é nos aturar.

— Tudo bem. — Douglas abre um sorriso tão lindo que, por um momento, dá para confundi-lo com um anjo facilmente.

— Você não vai se arrepender. — Ele coloca a mão em minha cintura e caminha comigo em direção aos carros. Tenho uma leve impressão de que esta carona estará cheia de surpresas.

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