Capítulo 5

JILLIAN

            Depois do fatídico dia do jantar, as coisas voltaram ao normal. Ou melhor, quase.           Dali em diante nada mais seria normal na minha vida, nem antes nem depois do casamento.

            Nos dias seguintes, eu saía da faculdade e ia direto para o palácio, onde passava mais tempo do que na minha própria casa. Meu futuro sogro havia contratado uma professora para me ensinar etiqueta, e ele e meu pai passavam horas me passando informações sobre a família real, sobre minhas futuras responsabilidades e sobre tudo que eu precisaria saber para me tornar rainha.

            A professora ‒ Sra. Pomerly ‒ era uma mulher de uns setenta anos, mas de uma elegância ímpar. Os cabelos brancos eram usados em um coque sempre muito bem feito, e suas roupas pareciam sob medida para o corpo esguio e firme, mesmo àquela idade. Ela tinha uma fala pausada, com um tom baixo e sempre cordial, embora não fosse exatamente simpática, mas era paciente. Não que eu fosse uma aluna muito difícil, já que passei minha vida inteira frequentando salões elegantes e acompanhando Richard em festas da nobreza. Eu sabia como me portar, mas para ser rainha, meus bons modos deveriam ser triplicados. Não bastava ser elegante, eu precisava ser um modelo a ser seguido.

            O anúncio formal do casamento seria feito em um baile aberto a alguns membros importantes do país e seria televisionado para várias partes do mundo, assim como aconteceria com o casamento, que fora marcado para dali a três meses. Um tempo que parecia próximo demais.

            Eu estava em companhia de Kelly ‒ que seria minha dama de honra ‒, no palácio, fazendo algumas provas do vestido que usaria na noite seguinte, quando o anúncio formal seria feito. Tratava-se de um traje de princesa, com anágua, tomara-que-caia, cheio de pequenos cristais, em um tom de azul marinho que desenhava um contraste muito bonito com minha pele clara. Uma costureira realizava os últimos ajustes, para que tudo estivesse impecável.

            Em seguida, uma maquiadora e um cabeleireiro prepararam minha maquiagem e meu penteado, para que eu aprovasse, e preciso confessar que por mais que tudo estivesse lindo, ainda não conseguia me sentir cem por cento animada.

            Muitas meninas ‒ Kelly certamente seria uma delas ‒ me acusariam de ser uma ingrata com o destino. Mais do que isso, me chamariam de louca e afirmariam que eu estava desdenhando de uma sorte que todas elas gostariam de ter. Várias dariam um braço para estar em meu lugar, mas tudo que eu conseguia pensar era que não estava preparada para me prender a alguém em casamento, muito menos a uma pessoa com quem eu não queria me unir de uma forma romântica. Passar a vida inteira com Richard não seria o problema, porque eu o amava, mas ter obrigações de esposa com ele era algo que não me agradava, porque o via como um irmão.

            Só que esse pensamento precisaria mudar.

            Eu ainda estava maquiada e com um penteado digno de uma princesa adornando meus cabelos, vestindo um roupão de seda, quando fui deixada sozinha no quarto de hóspedes com Kelly.

            Fazia algum tempo que não conseguíamos um tempo para nós, e eu ainda não tivera oportunidade de conversar com ela desde que fiquei noiva de Richard.

            — É amanhã o primeiro grande dia, hein! Claro que o casamento vai superar e muito a festa de noivado, mas por todos esses preparativos, já sei o que esperar — ela disse enquanto roubava um morango da belíssima cesta de frutas que foi deixada para mim, para que pudesse me alimentar enquanto era adulada.

            — Sim... espero que dê tudo certo! — comentei sem muito entusiasmo.

            — Como assim? Você vai ganhar um anel com um diamante astronômico, vai ter seu nome comentado em milhares de revistas, vai virar uma influencer... fora o fato de levar um cara lindo para o altar. O que mais pode querer? — Apesar da forma como falou, eu não sentia um único pingo de inveja em Kelly. Sentira medo de ela ter sentimentos por Richard, mas se fosse o caso, não demonstrava.

            — Nada, é claro. É só que tudo está acontecendo rápido demais...

            — Sim, isso é verdade. — Ela se jogou na cama ao meu lado. — Depois daquele dia do jantar aqui no palácio não tivemos oportunidade de conversar. Você sumiu por um bom tempo... o que aconteceu? Foi aquele babaca do Frederik que te deixou mal?

            — Mais ou menos. Não ligo muito para o que ele fala, mas estou um pouco assustada. Ele me ameaçou, Kelly! Disse que vai descobrir algum podre meu e arruinar o casamento.

            — Jura que ele fez isso? Que filho da puta! — percebendo que tinha falado alto demais, Kelly levou a mão à boca, cobrindo-a e olhando para todos os lados, mas não havia ninguém por perto. — Mas seja como for, Jill, você não tem podres. Sempre foi uma garota exemplar. Isso, é claro, se algumas bebedeiras não contarem... mas que jovem não faz esse tipo de coisa? Além do mais, não é nada que já não tenha saído no jornal, principalmente porque Richard estava com você, na maioria das vezes. Não é como se fosse um segredo.

            — Ainda assim... algo na forma como ele falou me deixou um pouco aflita. Estou começando a achar que Frederik vai complicar a minha vida nesses próximos três meses.

            — Bem, você tem o seu cavaleiro andante, não tem? — Kelly falou em um tom provocador, e eu me fiz desentendida, ensaiando uma expressão confusa, embora soubesse exatamente do quê ela estava falando. — Ah, não se faça de boba, Jill. Não comigo. Andrew tem se mostrado bem protetor em relação a você.

            — O que não quer dizer nada... ele é irmão de Richard e quer zelar pela família...

            — Não acho que seja o caso. Andrew parece muito dedicado a você.

            — Nunca foi. Só depois que eu me tornei noiva de seu irmão.

            — O que explica muita coisa. Será que nosso príncipe sombrio e bastardo não tem uma quedinha por você e decidiu demonstrar isso agora, que percebeu que está te perdendo?

            Havia um sorriso malicioso no rosto de Kelly enquanto falava, mas ela parecia realmente acreditar no que dizia. Seria possível que houvesse uma remota chance de ela estar certa?

            Não, é claro que não. Andrew não sentia nada por mim. Nem mesmo amizade. Éramos quase estranhos um para o outro. Se ele fosse apaixonado por mim, não teria me repelido por tanto tempo. Não fazia o menor sentido.

            — Você está louca! Além do mais, ele não pode perder algo que nunca teve. Ele nunca sequer tentou ser meu amigo, muito menos algo mais.

            — Mas e se ele tivesse tentado? Naquela época, é claro... O que a jovem Jillian teria feito?

            Aquela era uma pergunta que poderia valer um milhão de dólares em um programa de TV. Como responder a algo que nunca sequer passou pela minha cabeça? Andrew nunca foi uma opção para mim, porque ele sempre foi muito distante. Nunca consegui enxergá-lo como algo mais do que um simples estranho. Porém, como seria se minha amizade com Andrew tivesse florescido desde nossa adolescência? Será que eu teria me apaixonado por ele? Por aquele seu jeito intenso de ser, por seus olhares matadores? Só de ouvi-lo falar meu nome? E se ele tivesse sido o dono do meu primeiro beijo? Não aquele misterioso no meio de um labirinto, com um desconhecido? Mas um de verdade, consentido, com aqueles lábios incríveis explorando os meus pela primeira vez?

            Pensar em tudo isso me fez estremecer. Foi uma reação tão autêntica que Kelly chegou a sorrir. Não adiantava negar mais nada.

            — Ele anda mexendo com você, não anda? Desde o dia da boate.

            Abaixei a cabeça, quase envergonhada.

            — Acho que é só carência. Medo de um compromisso que surgiu do nada. Vai passar...

            — Bem, eu espero que passe. Ele será seu cunhado em breve. Por uma escolha sua, Jill. — Apesar de dizer isso de forma repreensiva, Kelly pegou minha mão na dela, na intenção de me transmitir força. — Por mais que seja assim, por mais que já tenha sido decretado no meio de toda a família, você ainda pode mudar de ideia. E eu estarei do seu lado.

            — Só você.

            Isso era uma mentira. Andrew tinha dito, naquela noite em frente ao labirinto, que eu não precisaria me submeter a tudo que estava acontecendo, dando a entender que também me apoiaria. Mas ‒ novamente ‒ ele não era meu amigo. Se voltasse atrás na minha decisão, perderia muitas coisas. A amizade de Richard, que era tão importante para mim, o respeito de muitas pessoas e, principalmente, o do meu pai, que já estava contando com aquele casamento.

            Mas se me casasse o quanto perderia de mim mesma?

            Fosse como fosse, a decisão estava tomada. Na noite seguinte, o país inteiro e boa parte do mundo a conheceria. Voltar atrás não era uma opção. Aquela era minha nova realidade.

***

ANDREW

            Algumas coisas os jornais de Manselo não mostravam. Não que eu me importasse com isso, é claro, mas ser considerado o bad boy da família o tempo todo não era exatamente meu sonho de infância. Porém, se eu fosse sincero, diria que eu escondia muito de mim daquelas pessoas. Escondia um lado que eu achava que não precisava ser revelado, porque muitas das coisas eu fazia sem esperar nada em troca.

            Fazia dois anos que eu havia terminado a faculdade de medicina. Eu sabia que se batesse na porta de qualquer hospital do país ou das redondezas, seria contratado sem nem um teste, uma prova ou sequer uma olhada no meu currículo. Mas nunca foi esse o meu desejo.

            Para alguma coisa o maldito dinheiro infinito do meu pai precisou servir. Passei anos economizando a gordíssima mesada que ele passou a me dar desde que começamos a morar juntos. O valor guardado tornou-se quase indecente.

            Certamente eu não precisaria de toda aquela economia, mas valeu a pena. Com o dinheiro que guardei montei uma clínica médica voluntária na mesma região em que cresci, que contava com o apoio de vários patrocinadores e de pessoas que trabalhavam sem receber um único centavo, apenas por amor.

            Eu deixava que poucas pessoas soubessem que eu era o cabeça de tudo. Passava por lá pelo menos duas ou três vezes na semana para prestar meus atendimentos, como se fosse apenas um médico normal, tratava meus pacientes com amor e generosidade, mas nunca permitia que esse meu lado saísse das paredes da clínica.

            Não tínhamos uma estrutura capaz de ser comparada a um hospital, mas éramos competentes e esforçados o suficiente para suprir nossas outras carências. Eu poderia pedir dinheiro ao meu pai. Se revelasse a ele o motivo, ele certamente me daria a quantia de bom grado e ainda ajudaria de outras formas, porém, eu não queria. Não que tivesse vergonha daquele meu lado, mas odiaria que passassem a me elogiar ou me ver como um “bom rapaz” por algo que era pouco mais do que minha obrigação como médico.

            Estava chegando em casa depois de um plantão de trinta e seis horas. Essas ocasiões eram raras, mas quando recebíamos um paciente em estado muito crítico, que fora menosprezado por um dos hospitais municipais, não medíamos esforços para salvá-lo. Daquela vez, infelizmente, não fora possível. Uma jovenzinha de dezesseis anos morreu praticamente nos meus braços, lutando por sua vida depois de ser estuprada, espancada e apunhalada pelo namorado muito mais velho. Isso me destruiu.

            Era madrugada quando entrei no palácio, depois de tomar um banho na própria clínica, porque fiquei todo sujo de sangue. Não queria que ninguém em minha casa soubesse o que eu fazia naqueles dias em que desaparecia, e como ninguém parecia se importar, nunca precisei dar explicações.

            Minha intenção era seguir para o meu quarto e tentar dormir o máximo possível, porque queria estar na clínica no dia seguinte. Havia combinado com a família dela que bancaria os custos do funeral e que daria todo o apoio possível. Ouvi-os me chamarem de anjo, mesmo eu não tendo conseguido salvar a menina; algo que eu não aceitava. Todas as vezes em que um paciente morria nas minhas mãos, eu sentia como se fosse minha culpa. Tomava todo o fardo para mim.

            Esperava ouvir o silêncio quando chegasse em casa, mas uma risadinha feminina foi a primeira coisa que meus ouvidos capturaram.

            Pensei que pudesse se tratar de Jillian, ao menos em um primeiro momento, mas logo não reconheci aquela voz afetada como sendo a dela, principalmente quando, manhosa, a moça soltou um “amorzinho” e se referiu a Richard.

            O que diabos estava acontecendo naquela casa?

            Aproximei-me dos ruídos e me de deparei com meu irmão estirado no sofá, com uma mulher montada sobre ele, enquanto ambos bebiam uma vodka direto da garrafa compartilhada.

            A garota era bonita, com cabelos ruivos curtos e olhos muito verdes, um corpo curvilíneo que eu conseguia ver muito bem através do vestido colado que ela usava e que estava completamente erguido até o ponto mais alto de suas coxas, revelando a calcinha de renda preta. Seus seios volumosos não estavam presos por sutiã, e uma das mãos de Richard estava em um deles, apalpando-o de forma despudorada.

            Em outros tempos, eu simplesmente sairia dali de fininho e deixaria Richard se divertir, embora não concordasse com o fato de ele usar a sala de estar do nosso pai como motel. Mas, enquanto ele era solteiro, eu não podia me meter em nada disso.

            Merda! Eu não poderia me meter nem mesmo naquele momento, mas uma raiva imensa subiu pela minha espinha. Aquele cara estava prestes a se casar com a melhor garota do mundo e ainda tinha coragem de levar outra para casa?

            Se eu estivesse no lugar dele... Deus! Eu saberia valorizar cada segundo.

            — Richard? — chamei-o sem nem me importar com o que estava interrompendo. Se ele quisesse continuar com aquele showzinho e com o desrespeito a Jillian que procurasse um lugar um pouco mais privado para isso.

            Tanto ele quanto a garota voltaram os olhos na minha direção, parecendo curiosos com minha súbita aparição, mas logo meu irmão abriu um sorriso, enquanto colocava a moça sentada no sofá e também erguia o corpo.

            — Boa hora para chegar, hein, Andy? É urgente? — falou com um pouco de impaciência.

            — A moça aí sabe que você está noivo?

            Pela reação dela, logo que vi que não sabia. Ela abriu a boca em um o, muito surpresa, e logo se levantou, indignada.

            — Seu idiota! Está pensando que eu sou o quê? Não saio com homens comprometidos, seja ele um príncipe ou não. — Ela esticou o braço na direção da cadeira ao lado do sofá, pegando sua bolsa, e saiu em seguida sem dizer mais nada.

            Richard ficou sentado exatamente no mesmo lugar, olhando para a moça indo embora como se não compreendesse o que estava acontecendo. Será que ele era assim tão mimado ao ponto de imaginar que seu título lhe daria todo o tipo de imunidade contra qualquer rejeição?

            — Que merda você acabou de fazer? Virou advogado da Jillian agora? — ele falou enfurecido e muito bêbado, o que era notável pela forma embargada como cada palavra foi proferida.

            — Não. Só acho que você não deveria fazer esse tipo de coisa no meio da sala. Se nosso pai vê...

            — Ele viajou ontem e só voltará amanhã de manhã, a tempo da festa. Se tivesse parado em casa em um desses dias saberia.

            Não respondi à provocação.

            — Ainda assim... imagina se algum dos criados filma e manda para um jornal? Ou se Frederik fica sabendo? Ele já está doido para prejudicar Jillian e dar o noivado de vocês como uma farsa. Quer que as coisas fiquem ainda piores para o lado dela? Você deveria protegê-la, zelar por ela e...

            — Ah, caralho! Você gosta dela!

            Ele soltou a frase exatamente desta forma, como se tivesse feito uma descoberta no nível de outras como a da energia elétrica ou da gravidade. Apontou um dedo na minha direção como se a afirmação fosse uma acusação.

            Apressei-me em balançar a cabeça em negativa antes que qualquer outro comportamento me denunciasse.

            — Não tem nada a ver com isso.

            — Então o que poderia ser? Virou puritano agora? — Richard fez a pergunta enquanto se levantava do sofá. Ou melhor, tentava, porque cambaleou na primeira tentativa e caiu sentado outra vez. — Merda! — exclamou, esforçando-se para colocar-se de pé, até que finalmente conseguiu e veio em minha direção. Mantive-me parado, apenas observando-o. — Se você a ama, como eu tenho quase certeza que ama, lute por ela. Vem, me dá um soco! Um bem dado. Você sempre teve inveja de mim, não teve?

            Aquela era a maior besteira que eu poderia ouvir.

            — Eu tenho pena de você, Richie. Não inveja.

            Richard gargalhou.

            — Pena? Essa é a coisa mais ridícula que você já me disse na vida. — Ele continuou gargalhando e se afastou um pouco de mim para pegar a garrafa que tinha deixado no chão, ao lado do sofá. — Eu serei o futuro rei deste país de merda, vou comandar a porra toda e ainda vou casar com a garota pela qual você morre de tesão... Não é?

            Assim como aconteceu com Fred eu nem sequer me dei conta do movimento do meu punho, até ele colidir com o maxilar do meu irmão. Era quase irônico pensar que tinha acabado de lamentar por ter perdido uma vida e agora estava ali distribuindo violência gratuita.

            E para piorar a situação, Richard não parecia pronto para parar por ali. Ele veio correndo na minha direção, voando em cima de mim, ansioso por um revide, mas seus reflexos estavam patéticos, e ele mal conseguiu me acertar sem cair no chão.

            — Você é um idiota, Andy! Quando falei para me socar não era para valer, só estava te provocando.

            Abaixei-me e o ajudei a se levantar, colocando as mãos em seus braços e praticamente erguendo seu peso do chão sozinho.

            — Você precisa crescer, Richard! — vociferei, erguendo o tom de voz com firmeza, segurando-o pela gola da camisa. — Se quiser ser um rei respeitado, vai precisar deixar de lado o egoísmo e essa mania de achar que o mundo gira em torno do seu umbigo. Precisa começar a pensar em outras pessoas!

            Soltei-o, jogando-o no sofá, e estava prestes para me afastar, quando ele chamou meu nome. Havia um tom choroso em sua voz, e isso sempre acontecia quando bebia demais e fazia merda. Realmente, em muitas ocasiões Richard agia como uma criança e me fazia perder a paciência, ainda mais em um dia como aquele, depois de tantas coisas ruins terem acontecido. Mas respirei fundo e me lembrei de que ele era meu irmão, e eu o amava.

            — Ah, porra, Andy, me desculpa. Estou me sentindo muito pressionado... as coisas estão desandando.

            — Não é a mim que tem que pedir desculpa.

            — Sim, é a você. Jill nunca vai saber do que aconteceu aqui. Vai? — ele perguntou com um olhar quase pidão, quase implorando para que eu não contasse nada a ela.

            Respirei bem fundo. Eu não fazia ideia do que aconteceria se acabasse contando para ela sobre o que vi ali. Será que ela desistiria daquele casamento? Ela não amava Richard como homem, e poderia nem ligar para sua traição, ou poderia ser uma forma de livrá-la daquele compromisso, ao menos perante meu pai. Contudo, eu não seria desleal ao meu irmão daquela forma. Por mais que me doesse imensamente omitir algo tão grave.

            — É claro que não.

            Ele respirou aliviado e pesadamente.

            — Eu amo a Jill, Andy. Amo mesmo. Acho até que posso vir a me apaixonar por ela. — Ele soltou uma risadinha. — E por que não me apaixonaria? Ela é uma gata e até descobri que beija bem... Vai que nos damos bem na cama também? — esse comentário fez meu estômago revirar. Apesar de ter chegado à conclusão de que eu a amava minutos antes, poderia já ter esquecido, porque não mencionou novamente.

            Antes que pudesse perder a cabeça novamente, sentei-me ao lado dele, levando a mão à cabeça e massageando as têmporas. Estava cansado, estressado e muito enojado com aquela conversa, mas não podia deixar Richard ali daquele jeito. Conhecendo-o como o conhecia, não seria difícil que simplesmente saísse do palácio para fazer ainda mais besteira. Fosse como fosse, era meu irmão caçula, minha responsabilidade.

            Ficamos em silêncio por alguns minutos, embora eu imaginasse que houvesse muito a ser dito. Contudo, a maioria das palavras que povoavam a minha mente não eram simpáticas ou transigentes, mas eu não queria mais bancar o irmão chato, principalmente porque não tinha moral para isso. Ainda assim, não podia ficar em silêncio.

            — Você não deveria beber, Richie. Sabe disso...

            Meu irmão virou o rosto para mim como se a cabeça fosse um chicote, com os olhos arregalados. Parecia sem fala, e eu também não disse nada, mantendo-me apenas observando-o. Sabia que ele tinha entendido o recado.

            — Ah, cara, você não vai me fazer lembrar do que aconteceu, não é? Já faz anos, Andy!

            Sim. Fazia quatro anos, mais precisamente. Como eu poderia esquecer? Richard pudera se dar ao luxo de deixar todo aquele pesadelo para trás, mas eu não.

            Novamente, proteger meu irmão caçula era minha responsabilidade. Não importava o que iria me custar.

            — Não importa quanto tempo faz, é o tipo de coisa que você não deveria esquecer.

            — Foi um acidente! — ele gritou. — Não vai acontecer de novo!

            — Não pode acontecer de novo.

            — Não... não pode... Eu sei disso, mas... você sabe que não foi minha culpa, não sabe? — o tom de desespero de Richard não deveria me comover, mas eu sempre sentia meu coração doer ao perceber que por mais que tivéssemos quase a mesma idade, havia um abismo entre nós. Eu tinha uma experiência de vida completamente diferente, e isso me tornara um homem muito mais cedo. Ele, por sua vez, ainda guardava muito de um menino.

            — Sei, Richie. Sei disso.

            E como o menino que eu sabia que ele era, meu irmão deitou, pondo a cabeça no meu colo, agarrado à garrafa vazia de vodka, e chorou. Até dormir.

            Quando ouvi um leve ressoar saindo de seus lábios, eu me levantei, tirando sua cabeça de cima das minhas pernas, e o ergui, colocando-o sobre meus ombros para carregá-lo para o quarto. Se meu pai chegaria na manhã seguinte, no dia da festa de noivado, eu não queria que encontrasse seu promissor herdeiro dormindo, desmaiado de bêbado no sofá. Não era a primeira vez que limpava a barra de Richard, pela desculpa de que ele precisava manter a imagem impecável para que o povo confiasse em seu futuro rei.

            Eu era sempre o bode expiatório, mas quando pousei meu irmão na cama e remexi o ombro, dolorido pelo esforço, observei-o por alguns segundos, esperando que chegasse o dia em que ele não iria mais precisar de mim, porque teria finalmente crescido e assumido suas responsabilidades.

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