Abrindo os Olhos

Ao chegar no hospital, Johnny encontrou Wanda conversando com um médico. Enquanto ela estava tensa, ele aparentava estar extremamente calmo. "Médicos estão mais acostumados com isso", pensou. Imediatamente se integrou a conversa.

- Boa noite doutor...?

- Marcelo. Marcelo Casevalli. E você é?

- John Dollar. A Valentina trabalho comigo.

- Ah sim, sim. Já ouvi falar.

- E então doutor, como ela está?

- Bem, como eu estava explicando para a Wanda, ela ainda requer muitos cuidados, mas está reagindo muito bem.

- Ela está consciente?

- Sim. Fica um pouco confusa ao falar de algumas coisas, mas é compreensível.

- Compreensível até demais, se pensarmos na violência do caso. – O comentário partiu de uma quarta pessoa que, apesar de ter aparecido de surpresa, logo foi reconhecido por Johnny: era Allan, o chefe dos investigadores de polícia.

Allan era um homem loiro, alto, na faixa de 35 anos. Se fosse em uma outra situação, certamente Wanda faria alguma piadinha relacionada a ele.

Enquanto o policial cumprimentava os presentes, o médico prosseguiu:

- A cirurgia foi um sucesso, e os demais ferimentos são mais superficiais. Levará um tempo, mas ela ficará bem.

- Demais ferimentos? Quais exatamente? – perguntou Johnny, aflito. Ele imaginava que ela deveria ter mais alguns machucados, mas "demais ferimentos" poderia ter um sentido bem amplo.

- Ela tem vários arranhões e ferimentos nos braços e pernas, provavelmente porque foi arrastada. Ela teve uma fratura na perna direita, na altura do tornozelo, provavelmente porque ela ficou pendurada pelas correntes.

- Abuso sexual?

- Não Wanda, nada.

Wanda suspirou.

- Ao menos isso.

- Sim, mesmo assim, há uma parte bem ruim, que eu ainda não contei. Ela tinha vários cortes nas costas. Cortes superficiais, mas...

O médico calou-se.

- O que foi doutor? – Johnny começou a apavorar-se.

- Bem, acho melhor vocês verem com os próprios olhos.

O médico então mostrou uma foto, das costas de Valentina. Ela mostrava vários cortes, mas não irregulares, não aleatórios; os cortes formavam letras; de letras, palavras; de palavras, uma frase.

"ABERRAÇÃO. NÃO SE COMPARE A NÓS".

- Céus Wanda! Mas que tipo de doente faria uma coisa dessas?

- Não sei Johnny... eu... eu...

- Me parece um crime de ódio. – ponderou Allan. – Está cada vez mais comum.

- Crime de ódio?

- Sim Wanda, precisamos investigar mais, mas tudo indica que se trata de um crime de ódio. Não roubaram nada, não houve abuso sexual, ela não tinha inimigos e ainda tem essa mensagem, que reforça a teoria.

- Mas ódio de que?

- Crença religiosa, opção sexual, raça, misoginia... ou qualquer outro motivo criado pela cabeça insana do criminoso. Vamos ter que descobrir, e conto com a colaboração de vocês.

Johnny assentiu com a cabeça.

- Lógico, pode contar conosco. Todos da Dollar S.I. estão à sua disposição. Vamos pegar esse desgraçado.

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O médico permitiu que somente duas pessoas entrassem no quarto para falar com Valentina, então Wanda ficou do lado de fora.

- Eu não tenho equilíbrio emocional pra isso. – disse ela.

Johnny e Allan entraram no quarto e se empenharam ao máximo para não parecerem abalados; a imagem da moça toda machucada era forte.

- Olá Valentina, meu nome é Johnny, sou da Dollar S.I., e esse é o Allan, investigador da polícia.

A moça ameaçou abrir um pequeno sorriso, mas acabou bloqueada por alguma dor.

- Eu conheço você. John Dollar, chefe dos chefes.

Johnny corou, não tanto pelo que ela falou, mas por não a conhecer, apesar de ser sua funcionária.

- Como você está se sentindo?

- Parece que fui atropelada por um trem... minha cabeça ainda dói, mas já esteve bem pior.

- O médico disse que você vai ficar bem, é só uma questão de tempo.

- Espero que sim. Espero que tudo isso passe. – havia amargura em sua voz. – Imagino que vocês precisam de informações, não é?

- Sabemos que sua situação é delicada Valentina, mas precisamos de informações sim. Precisamos encontrar quem fez isto com você. Então, qualquer informação que você consiga nos passar, qualquer lembrança, vai ser muito útil, pode acreditar.

Allan complementou:

- Não precisa contar tudo novamente, ok? Eu sei que meu investigador já veio aqui pegar seu depoimento; o que nós precisamos Valentina é de detalhes... coisas que você possa ter esquecido de mencionar... entende?

- Sim... Bem... ele era muito alto. Muito mesmo. Muito além do comum. Usava uma máscara horrível.

- Uma máscara do que? Hóquei?

- Não, era uma máscara com cara de pessoa mesmo. E o rosto não me parecia estranho...

- O rosto da máscara não era estranho? Era a imitação de alguém que você conhece?

- Não é bem isso que eu quero dizer. Parecia com aquele cara... aquele ator... como é mesmo o nome dele...

Valentina fez uma cara de dor, como se pensar a fizesse sofrer.

- Al... Al... Al Pacino. Isso mesmo. Al Pacino.

Johnny e Allan se entreolharam.

- Você tem certeza? – disse Johnny.

- Tenho. A máscara era do Al Pacino. Apesar de estar sem os olhos... eu reconheci. Foi a imagem mais perturbante que eu já vi.

Os olhos de Valentina se encheram de lágrimas.

- Foi tudo tão horrível. Eu achei que fosse morrer.

Johnny segurou a mão dela.

- Eu sinto muito Valentina.

Ela encarou Allan.

- Vocês precisam acha-lo. Precisam acha-lo logo.

- Confie em nós. Nós vamos pegar ele.

- Obrigada Johnny. Obrigada aos dois.

- Não precisa agradecer. Eu coloquei meus melhores homens para trabalhar nisso, e Johnny também vai ajudar com a equipe dele. Mas... me diga uma coisa: você faz ideia de quem possa ter feito isso com você?

- Não, não mesmo.... Não tenho inimigos.

- Não recebeu nenhuma ameaça? Alguém poderia ter algo contra você?

- Não. Apesar que... recebi algumas mensagens ruins nas redes sociais, por causa da minha opção sexual. Mas isso não é recente, e também não é de alguém específico. Sabem como é... o preconceito vem de vários lugares, não só na forma de ameaças. Ás vezes vem de um vizinho que não te cumprimenta no elevador, de um familiar que não te convida pras festas, de um colega de trabalho que faz piadinhas... Então, se a pergunta é se alguém tem algo contra eu ser homossexual, minha resposta é sim; mas daí você vai ter um problemão investigador, porque a sua lista de suspeitos vai ser enorme.

Allan suspirou.

- Entendi. Infelizmente estamos num mundo bem intolerante, não é? Logicamente não vamos usar só isto como linha de investigação, mas é uma teoria forte, entende? Por causa da frase...

Ele interrompeu a fala, se perguntando se ela já sabia da frase que o criminoso "escrevera" em suas costas, mas ela mesmo esclareceu a dúvida:

- Da frase nas minhas costas? Sim, pode ser por causa da minha opção sexual. Mas sabem, eu vi os olhos dele através daquela máscara, e eu garanto pra vocês: aquilo não é gente. Não pode ser.

Johnny tentou aliviar a tensão:

- Bem Valentina, eu acho que por hoje já é suficiente. Você precisa descansar. Saiba que suas informações vão nos ajudar muito.

- Na realidade – interrompeu Allan – eu preciso falar a sós com ela, Johnny.

Johnny ficou atônito. Nunca passou por sua cabeça que ele pudesse ser um suspeito. Embora fosse óbvio que ele não tinha feito o ataque – ele estava em seu noivado naquela hora – a polícia poderia suspeitar que ele estivesse envolvido de outra forma.

Ele então se levantou.

- Claro Allan, eu te espero lá fora. Obrigada Valentina, e melhoras. Pode ter certeza que estarei torcendo por sua recuperação, e estou à disposição para o que precisar. Qualquer coisa, ok?

- Obrigada.

Allan esperou Johnny sair e questionou:

- Sei que Johnny é dono da empresa onde você trabalha, mas preciso saber se você acha que ele ou alguém da família dele pode estar envolvido nisso. Pode falar sem medo.

A moça observou o policial por uns instantes e então respondeu:

- Sabe, há uns seis meses atrás a equipe do RH da Dollar S.I. fez um projeto bem legal chamado "As pessoas que amamos". Cada colaborador levou uma foto de alguém que amava, e foi montado um grande mural, que ficava na recepção da empresa. Alguns levaram foto da família, outros do cachorro, outros dos namorados... enfim. Eu levei uma foto minha e da minha namorada, Maria. Era uma foto simples, mas romântica, de nós dando um selinho em uma rua de Paris. Um dia eu estava passando pelo corredor e parei para ver o mural. Entre tantas fotos, achei a minha. Um minuto depois alguém parou ao meu lado; era o Johnny, mas na época eu não sabia que ele era o filho do fundador da empresa. Ele começou a olhar todas as fotos, até que parou e ficou olhando fixamente para a minha, por coincidência. Na foto eu estava de gorro e com os cabelos de outra cor, acho que por isso que ele não reconheceu que era eu a garota em Paris. Ele então começou a bater com o dedo indicador na foto e falou "tá aí uma coisa que não deveria acontecer". Fiquei nervosa, já esperando ele fazer um comentário machista ou preconceituoso.

Os olhos de Valentina voltaram a encher de lágrimas.

- Eu sabia que aquilo poderia no futuro custar meu empreso, mas eu não podia deixar quieto. Então perguntei a ele: "E o senhor pode me explicar o que tem de tão errado nessa foto? " Ele então disse "olha aqui" e voltou a colocar o dedo na foto. Ele estava mostrando, no canto da foto, a imagem de uma mulher erguendo um cachorro pela coleira. Confesso que eu nunca havia reparado. Então ele prosseguiu: "se as pessoas tratassem os animais com o mesmo carinho que eles as tratam, teríamos um mundo mais pacífico".

Allan se recostou na cadeira, surpreendido com a história.

- Para ele o fato de eu estar beijando outra mulher era tão normal, a ponto de ele reparar em um detalhe da foto que nem eu havia reparado. Sem falar no comentário sobre os animais. Do fundo do coração investigador, eu não acredito que ele tenha algo a ver com isso. Pelo contrário, eu acho que ele realmente quer ajudar.

O investigador se levantou.

- Está bem. Vamos dar um voto de confiança a ele. Mas se lembrar de alguma coisa, sobre qualquer um, me avise, combinado?

- Combinado.

Allan já estava passando pela porta, quando Valentina o chamou:

- Allan!

- Pois não?

- Lembrei de uma coisa, acho que não é relevante, mas...

- Tudo é relevante, Valentina.

- O sapato do criminoso tinha solado vermelho. Vermelho cor de sangue.

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