Capítulo 4. Confusão

O restante da semana foi um pouco mais calmo, tanto na escola quanto na cidade, meu pai ainda não havia me tirado o castigo, mas pelo menos eu ainda tinha meu celular, o que não era muita coisa, minha mãe me ligou duas vezes nessa semana, e combinamos que iríamos nos encontrar novamente no meu aniversário de dezessete anos, o que me deixou bastante feliz, desde que cheguei aqui, senti várias emoções diferentes, fiz amizades, e perdoei uma pequena parte do meu passado. 

Desde a festa, eu não tinha visto mais o Williams, nem na escola e muito menos na rua, o que era uma pena, porque eu realmente desejava, e no restante dos dias eu  realmente esperava vê-lo passar, mas era como se ele não existisse. Os meus colegas estavam bastante animados para uma pequena festa na Praia fluvial de Pouves, não seriam só eles, mas basicamente toda a escola, o que era perfeito para mim se eu não estivesse de castigo, mas talvez, até lá meu pai reconsidere e me tire do castigo, seria um ótimo presente de aniversário adiantado o que eu não esperava muito. 

O fim de semana foi ainda mais tranquilo, meu pai ficou em casa comigo por uma boa parte do tempo, chovia na cidade o que me deixava um pouco melancólica.

Ainda era cedo da manhã de segunda e eu já estava morrendo de tédio, minha primeira semana tinha sido concluída com sucesso, tirando o fato de que eu já estava de castigo, meu pai como sempre estava no trabalho, e hoje chegaria a noite, o que me restava era me arrumar e em seguida ir para a aula, ou talvez se eu pudesse ficar para descansar um pouco mais, porém, meu pai notaria e perguntaria sobre mim na escola e aumentaria mais o meu castigo se descobrir que faltei. 

Me arrumei simples, apenas com um leve pó, coloquei meu coturno e segui logo após pegar minha mochila — A rua se encontrava deserta, o que não era uma novidade, já que todos os dias ela era assim, triste, sombria e vazia. Assim que cheguei na escola, algumas pessoas da sala me cumprimentaram, eu ainda não sabia o nome de todos, mas não pude deixar de sorrir como forma de cumprimento.

Na aula sentei-me perto de Pietro, já que a Kalina e o Natan haviam faltado, e depois de alguns dias o Davy finalmente havia voltado, dávamos pequenas encaradas nas aulas o que fazia meu coração arder em fogo, até ele começar a me ignorar completamente, bipolar. Na hora do intervalo eu estava sozinha e me encontrava no pátio da escola sentada no banco mais inteiro que ainda tinha, quando alunos passaram correndo em direção ao refeitório, causando uma movimentação bastante diferente do normal. 

Me aproximando, percebo uma roda de alunos e alguns gritos como por exemplo — Mata ele! — No mesmo instante meu coração palpitou, corri para ver o que estava acontecendo e ao passar por toda aquela gente levei um susto quando percebi que era o Davy que estava lá e mais dois riquinhos da escola. O loiro médio havia empurrado o Davy, o que o fez bater a cabeça no chão, mas o mesmo não dizia nada, enquanto o restante dos alunos imploravam por mais.

Levei a mão a boca quando Davy numa tentativa falha tentou se levantar do chão, o que foi em vão, já que o Enrico, rico e popular da escola havia dado um soco em sua boca, fazendo voltar para o lugar em que estava. Meus olhos encheram-se de lágrimas quando notei que sangue escorria pelo seu nariz e boca, e o mesmo já estava quase perdendo a consciência e quando o garoto ia novamente dar o último soco, corri sem pensar na sua direção e me atirei contra o corpo do Davy numa forma de defendê-lo, sem me importar se iria apanhar ou não.

— Para, por favor! — Sussurrei pedindo ainda agarrada ao corpo amolecido do Davy.

— Só irei parar porque o sinal já tocou, mas da próxima vez você também me paga, cabelo de bombril. — Meu cabelo era cacheado, e isso era o que eu mais costumava ouvir na infância.

Assim que o sinal tocou, a multidão saiu, restando apenas o Davy e eu, eu ainda estava abraçada ao seu corpo, quando o mesmo me deu um leve empurrão e disse:

— Eu não precisava da sua ajuda, Ester. Tem ideia do que fez? — Perguntou enfurecido enquanto se levantava lentamente cambaleando. 

Ele estava caminhando em direção ao banheiro masculino. E assim que cheguei na sala, Pietro veio rapidamente em minha direção, parecendo que estava preocupado, diria até que com medo. 

— Ester, você tem ideia do que fez? — Pietro me chacoalhava estressado — Porque você fez isso? 

— Porque eles estavam quase matando o Davy — Respondi nervosa enquanto me lembrava da cena.

— E qual o problema, Ester? — Deu de ombros — Ele não faria falta para ninguém dessa cidade — Disse e eu o olhava incrédula pelo o que ele havia acabado de dizer, ele se sentou assim que o professor entrou na sala, e não me disse nenhuma palavra mais. 

Realmente as pessoas da cidade o odiavam, ninguém iria separar a briga, eles deixariam os garotos matarem o Davy sem nenhum êxito, os professores e coordenadores realmente não se importavam com ninguém da escola e muito menos com um possível suspeito de assassinato.

— Qual o motivo da briga dessa vez? — Perguntou Clara, uma menina descendente de asiáticos que estava bem em minha frente e no mesmo instante comecei a prestar atenção.

— Soube que o Davy bateu sem querer no ombro do Enrico, ele se irritou e começou a bater nele — Respondeu. 

Que motivo idiota para se começar uma briga, eu não via necessidade daquilo, muito menos quase matar um garoto. 

— Se ele não tivesse matado a sua família, talvez não estivesse passando por isso agora. Tão bonito e já é um assassino! 

 Eu estava odiando aquela conversa, elas nem sequer conheciam o Williams assim como o restante da cidade, ninguém tinha provas concretas de que tinha sido realmente ele, ele é um garoto bom e gentil, mas que pela maldade do mundo, se fechou para todos eles.

— E você, é a namorada dele? — Perguntou a Clara virando rapidamente para trás e dessa vez era para mim.

— Não, na verdade acho que somos apenas amigos, ou nem isso.

— Vocês pareciam bem mais do que amigos — Adam falou, eu já estava ficando constrangida — Se acha que não são amigos, porque separou a briga daquela forma? — Terminou.

— Porque ele é um humano e ninguém merece sofrer daquela forma.

— Não é motivo, gatinha — Disse sorrindo irônico —  Espero que você saiba o que fez.

— Porque sinto que isso é algo ruim? — Perguntei nervosa.

— Enrico é filho do prefeito da cidade, ninguém desobedece ele, todos aqui seguem a regra que o Enrico colocou, até mesmo a direção. E uma delas é, ‘’Se Davy Williams esbarrar, falar ou até mesmo tocar em alguém, quem estiver ao redor terá permissão de batê-lo até a morte’’ — Disse em coral com a Clara — E você também tem que obedecer, gata.

Isso era horrível, que tipo de regra era essa que as pessoas obedeciam? Isso vai contra os direitos humanos, se ele realmente errou e matou os pais como dizem, ele não merecia passar por isso, porque apenas não prendê-lo?

— Eu não sou um animal de estimação para seguir as regras desse pedaço de merda! — Falei furiosa.

— Você é corajosa — Riu — Mas saiba que ele virá para cobrar o que você fez hoje — Alertou-me. 

— Calados vocês do meio, se quiserem ir a direção a porta está aberta e eu estou a disposição para levá-los — Disse o professor Pierre de biologia. 

— Não será necessário professor — Respondi

O restante das aulas que passaram eu não tinha mais visto o Davy, ele não havia voltado para a sala de aula, era bem provável que ele havia voltado para a sua casa, e meu pai gostando ou não, eu iria até ele depois da aula. Algumas pessoas me chamaram de corajosas e outras de burras, pena que a opinião dessas pessoas para mim não importava nem um pouco. Pietro ainda estava aborrecido e não deu nenhuma palavra para mim no restante das aulas, a escola toda e possivelmente a cidade agora sabia o que eu tinha feito para proteger o menino Williams. 

Quando cheguei à recepção da escola, a mãe do Natan me olhava de forma acolhedora, como se estivesse apoiado o meu pequeno gesto, mas eu faria isso por qualquer outra pessoa, e então, ela se aproximou e sorriu.

— Soube do que fez hoje pelo rapaz, você é muito corajosa, querida! — Ela me deu um leve abraço e não pude deixar de relaxar.

— Eu faria isso por qualquer outra pessoa, tia.

— Nunca concordei com isso que a cidade faz com o garoto — Então compartilhamos da mesma opinião — Não existem provas contra o garoto, isso não passa de um erro

— Até que se prove ao contrário, ele sofrerá — Disse — Tenho que partir agora, até amanhã. 

— Até querida, e cuidado na volta para casa

— Pode deixar. 

Algumas pessoas também iam para a mesma direção que eu, meus passos eram rápidos e apressados, eu tinha algo a fazer e não mudaria de ideia, passei pela minha rua indo até a última rua do bairro e caminhei até a última casa, estava frio e minhas mão congelavam, Assim que cheguei, observei a porta de carvalho antiga mas bem conservada, o jardim que antes vivo era lindo agora se encontrava morto, uma batida, duas batidas e nada de atender a porta. Talvez ele quisesse ficar só e eu entendia, estava prestes a ir embora quando escuto a porta se abrir, revelando um davy confuso.

— O que você está fazendo aqui, Ester? — Suspirou.

— Passei para te ver — Respondi enquanto soprava minhas mãos.

— Ester, quando você vai perceber que deve ficar longe de mim? — Sua voz rouca e suave me causou arrepios.

— Eu acho injusto o que fazem com você e acredito que todo mundo merece uma segunda chance, principalmente você — Sussurrei e ele apenas me encarava como se quisesse falar algo, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. Enquanto nos olhávamos, o tempo se esfriava mais, meus dedos doíam e soprar não adiantava mais, eu odiava tudo o que era frio.

— Volte para casa, você não está segura aqui — Disse batendo a sua porta me deixando incrédula.

Eu não sabia o que pensar, uma hora ele era gentil comigo e outra hora ele me tratava com indiferença, peguei o caminho mais curto para retornar de volta pra casa, uma presença no beco me chamou a atenção, era um rapaz aparentemente mais velho que jurei conhecê-lo mesmo estando de capuz, o medo começou a tomar conta do meu ser, e meu instinto gritava mais alto para correr e ir pela rua principal, o rapaz estava com a perna encostada na parede e com um capuz preto como se estivesse esperando algo ou alguém, corre, Ester, corre. Meu eu interior gritava o que me fez dar meia volta para seguir o caminho mais longo, porém meu desespero aumentou quando o homem também começou a andar, ele estava vindo atrás de mim.

Comecei a correr desesperadamente de volta até uma mão me puxar e me arrastar para algum lugar. Eu não estava nem na metade da rua quando diversas coisas se passou pela minha mente, como os meus pais, meus novos amigos, faculdade que eu iria cursar, um futuro casamento e um filho que eu sonhava em ter, eu chorava descontroladamente, até sentir um perfume que eu reconhecia sem ao menos estar perto, ao abrir meus olhos, as lágrimas ainda embaçava a minha visão, mas não pude deixar de ver e reconhecer quem era, Davy me olhava confuso e como se estivesse com medo. Seu rosto já não tinha mais vestígios de sangue, o que era diferente da minha, que ainda estava suja, agora a sua camisa estava limpa, ele vestia uma camisa branca, que combinava perfeitamente com a sua pele.

— Você está bem? — Perguntou sussurrando pegando firme na minha cabeça atrás da velha porta de carvalho da sua casa.

— Si-sim — Sussurrei ainda chorando.

— Me desculpa, Ester — Pediu ainda me olhando

— Você não me fez nada para se desculpar — Disse enxugando as lágrimas que ainda restavam. 

— Eu quase te deixei morrer — Ele falou como se estivesse arrependido

Então será que aquele rapaz era o responsável por todas as mortes que estavam acontecendo na cidade? Será que ele o conhecia?

— Mas não deixou — Tirei as suas mãos da minha cabeça e suspirei — Eu preciso ir pra casa.

— Eu irei te levar, Ester. Mas não saia de casa — Mandou sério como se fosse uma ordem.  

— Tudo bem.

Ele me afastou para detrás dele e observou a movimentação da rua, quando percebeu que estava segura, pegou na minha mão e começamos a caminhar em direção a minha casa, nossas mãos permaneciam cruzadas o que me fez sentir um frio na barriga, as famosas borboletas no estômago, sorri, e ele percebeu, porque também riu.

Algumas senhoras que estavam em suas varandas balançavam a cabeça em sinal de negação quando nos viram passar, mas eu apenas ignorei, elas não me preocupam no momento e sim o homem de alguns minutos mais cedo.

— Pronto, está segura. Me prometa que não sairá de casa — Seus olhos estavam preocupados e sua mão apertava a minha, pela primeira vez nessa cidade eu cumpriria uma promessa.

— Eu prometo, cuidado ao voltar para casa. 

— Eu terei.

Seu olhar estava em um brilho intenso, eu sentia como se ele estivesse a todo custo tentando me proteger, e talvez realmente fosse verdade, até porque eu também queria protegê-lo. Assim que entrei, subi para o meu quarto, escolhi um moletom e um short de pijama e fui direto para o banheiro. A água caia quente, o que me relaxou dos pés à cabeça, esse era o banho mais relaxante que já tive nesse ano. Já eram 16:50 da tarde, e eu tinha perdido totalmente a fome, mas ainda tinha que preparar o jantar, e foi o que fiz, macarrão instantâneo e carne moída era uma boa opção para quem estava com preguiça, e depois de uma hora o jantar já estava pronto. Fui novamente para o meu quarto e a primeira coisa que fiz foi pegar o celular, e assim que abri as mensagens, pude ver que tinha uma da minha mãe e várias no grupo que a Kalina havia feito, o famoso grupo dos ‘’amigos’’.

‘’Eu realmente me afastaria dele se fosse você’’ — Kali falou como se fosse mais um aviso.

‘’Se ele matou os pais, facilmente mataria você’’ — Foi a vez de Natan falar

Então a cidade realmente sabia o que eu tinha feito, faladores. Eles não tinham o direito disso, ignorei o restante da conversa depois de m****r apenas uma, eles teriam que acreditar em mim, pelo menos uma vez.

‘’O assassino me salvou da morte hoje’’ 

Eu não comentaria mais sobre o assunto, e ignoraria qualquer um que me perguntasse. Joguei o celular em uma parte aleatória da cama e fechei meus olhos, eles estavam pesados e cansados, essa seria uma boa hora para um cochilo, já que não tinha mais nada a ser feito. 

Eu estava correndo ensanguentada e desesperada pela floresta, e nela eu encontrava o Davy todo ensanguentado, minha salvação, eu pensei, até o mesmo me pegar pelos cabelos e me arrastar floresta adentro, uma cabana se encontrava a fundo da floresta, e assim que chegamos lá percebi que seria o meu fim, ele iria me matar.

— Ester, acorde, você está toda cheia de suor! — Disse uma voz me fazendo dar um pulo da cama e um leve grito, eu ainda estava no meu quarto, ainda estava de pijama, e estava bem. Aquilo não havia passado de um sonho.

— Pai, quando você chegou? — Perguntei assim que percebi que era o meu pai que havia me chamado.

— Filha, já são 19:00 da noite, cheguei a pouco tempo, venha, vamos tomar café — Me chamou

Eu havia dormido por uma hora, o que parecia ser uma eternidade, já que no sonho eu estava dentro de uma floresta. 

— Eu já vou descer, já encontro você — Falei suspirando

— Tudo bem, estarei lá te esperando.

Assim que o meu pai saiu do quarto fui em direção ao banheiro para molhar o rosto, nada daquilo foi real, só havia sido um sonho e apenas isso, não tinha com o que me preocupar, até porque ele nunca me faria mal, não é? 

Meu pai já me esperava na sala de jantar, e ao notar minha presença abriu um grande sorriso, o que me fez retribuir novamente. Coloquei o meu macarrão e o acompanhei na mesa, diferente dos outros dias, senti que meu pai gostaria de falar algo, mas nada saia de sua boca, o que estava ficando chato.

— Quer falar algo, pai? — Perguntei curiosa e o mesmo se espantou.

— Sim e não — Sorriu

— Então diga — Pedi

— Soube o que fez hoje na escola, admiro a sua coragem.

Então o meu pai também já sabia.

— Então o senhor também já sabe.

— Não desafie o Enrico, assim como ele, todos da sua família dão ordens, e temos que obedecer.

— Então porque ao invés de machucar o Davy, simplesmente não o expulsam? — Perguntei, era o que acontecia quando alguém tinha um pouco mais de dinheiro do que você.

— Porque mesmo mortos, os pais dele é quem sustenta esse lugar, a economia é eles — Falou e eu não entendi.

— E porque exatamente?

— A família é dona do pequeno parque da cidade vizinha, pode não parecer, mas eles tem dinheiro, O menino Davy pagou a todos por cinco anos depois da morte de seus pais, sem falar que o assassinato da familia atrai turistas todo ano, então..

— É somente pelo dinheiro — Conclui. 

— Sim, faça o que achar certo, porém tome cuidado. Está livre do castigo — Falou e eu não pude deixar de sorrir, então agora eu poderia sair novamente com os meus amigos. 

O restante do jantar foi silencioso, meu pai se distraia algumas vezes com o celular e eu apenas ria, nos ajudamos na louça e em seguida fui dormir novamente, mas não demorou muito para que algo me despertasse, o vento frio entrava pela janela aberta, e isso foi o que me despertou, eu jurei ter fechado ela assim que voltei da escola, uma coisa que eu nunca fazia era deixar a janela aberta, até porque eu tinha medo dos bichos noturnos o que me fazia sempre fechá-las. 

Assim que olhei o relógio, já marcavam 02:30 da manhã, para mim, havia se passado num piscar de olhos, me levantei e fui em direção para fechar a janela, e por um breve minuto, senti uma presença estranha do lado de fora, e com clareza pude ver a presença de um homem, fechei a janela rapidamente a trancando e voltei para o meu quarto, calafrios percorriam pelo meu corpo, e pude perceber que essa noite eu não dormiria mais. 

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