2. DO CÉU DA TUA BOCA

Eu estava derivando… Seria eu espuma? Seria eu ondas?

Onde meu corpo se encontrava? 

Claro, oh sim! Eu era parte dela. Ela era parte de mim. E nessa vida escura, infinita e maravilhosa. Nós éramos mar. Calmaria. Vente e tormenta.

Acordei sobressaltada e quase caí da cama.

Respirei fundo e percebi que meu coração estava sobressaltado. Como se eu tivesse corrido uma maratona toda. Sentei e tentei acalmar meu coração. Por um momento eu tive a sensação de estar submersa na água, seja no mar ou em algum lago. Ainda conseguia sentir a corrente me jogando para todos os lugares. Mas, deveria ser só o suor. Estava quente demais e ali era Fernando de Noronha, o clima mais seco e o mar ajudava a ficar ainda mais quente. 

Me levantei da cama e escutei meu celular tocando. Revirei os olhos e deixei que continuasse tocando. Eu sabia quais pessoas estavam me ligando e eu não tinha a mínima vontade de atender. Notei pelo relógio pendurado no canto da parede que eram quase seis horas. Dificilmente eu dormia à tarde, mas depois da praia e da água do mar, eu fiquei cansada. Voltei para meu quarto no hotel para descansar. Se fosse para a festa, tinha apenas uma hora para me arrumar e aí fiquei na dúvida, eu não tinha o número de telefone dela, nem mesmo uma referência de onde essa festa estaria acontecendo. 

Bem, talvez eu pudesse encontrá-la novamente na praia. 

Sorri para mim mesma, deveria admitir para mim mesma que queria muito encontrar Hália novamente. E mais do que isso, queria descobrir quem era ela e o porquê de seu estranho interesse. Obviamente ela parecia extremamente decidida as suas opções, era claro por suas atitudes que ela lésbica. Mas, o que eu era? Pois, eu nunca tinha me interessado por uma mulher antes. Não até agora. E eu nem sabia como flertar com uma. 

Eu não estava nem aí, descobriria no processo. Algo me atraía em Hália e eu queria entender até onde isso ia. 

Decidida a tomar um bom banho e me arrumar, entrei no banheiro e deixei a ducha quente me acalmar, ainda sentia meu coração acelerado. Não sabia se por pensar em Hália ou pelo sonho. Mas, me lavei calmamente. Me depilei. Lavei meu cabelo longo e me enrolei na toalha, voltando para o quarto e abrindo o espaço do closet. Soltei um gemido, minhas opções eram muito limitadas, era verdade. Viagem de última hora, somado com sair sem nada de casa… Havia comprado apenas peças únicas. Mas, até que havia escolhido bem, peguei um vestidinho próprio de praia. Ele era preto de alças finas e bem soltinho em um tecido leve e rendado. Seu decote era profundo e não dava muitas opções para usar sutiã, até porque suas costas eram apenas um fio descendo pela coluna onde se encontrava com o restante do tecido.

Vesti-o e coloquei um maxi blazer por cima. Girei na frente do espelho e gostei do que vi. Coloquei chinelos rasteiros delicados. Provavelmente ficaria descalça. Odiava vestir sapatos fechados.

Era muito moleca nesse sentido. Ainda de frente para o espelho, sacudi o cabelo e o penteei afofando e arrumando-o para que secasse em suas ondas naturais. Passei uma leve maquiagem e um perfume. 

Obviamente não ficaria procurando por Hália que nem uma doida na praia. Iria levemente passear e esperar por ela no mesmo lugar que havíamos nos encontrado mais cedo. Peguei o meu livro querido do momento e deixei o celular que ainda tocava que nem um doido em cima da cama. 

Sai do hotel e caminhei pela areia fofa. O sol se punha calmamente no horizonte e me sentei em uma das espreguiçadeiras, colocando meu livro sob o colo e tirando os meus chinelos. Olhei ao redor e algumas pessoas passeavam no entardecer. Abri Corte de Névoa e Fúria e estava em uma parte especialmente boa, que acabou prendendo totalmente minha atenção. 

- Eu não sabia que era fã de romances. Mas, a sua cara deveria entregar. - a voz sussurrou em meu ouvido e olhei para cima. 

Dei de cara com olhos castanhos dourados me encarando. Senti as borboletas malditas pousando em meu estômago e abri um sorriso sem nem mesmo conseguir disfarçar. 

- Oi. - falei. 

Ela se sentou ao meu lado na ponta da minha cadeira e olhei para ela. Hália jogou o cabelo para trás e respirei muito fundo. Ela estava incrível em um terninho branco. Mas, não eram quaisquer roupas e notava-se pela lapela marcada de cetim e o tecido de linho. Ela não vestia nada por baixo do blazer e seu decote profundo marcava seu colo perfeitamente. O perfume marcante também me chamou a atenção e provavelmente deveria ser masculino muito caro. 

- Já li esse. Pelo trecho que li logo, logo, você descobre coisas muito interessantes. - ela sorriu. Eu ainda sorria para ela. - Mas, devo avisar que nem tudo é o que parece. 

Fechei o livro e coloquei de lado. 

- Você se encaixa nessa categoria? - me inclinei levemente para perto dela. 

Ela riu e seu cabelo ondulado caiu em seu rosto. 

- Óbvio. Se não, que graça teria se não rolasse um mistério? - ela fez uma careta e deu de ombros.

Hum, então assim que era flertar com mulheres? Eu não estava indo tão mal assim. 

- Não teria graça nenhuma. Mas, sinto que com você as coisas nunca são iguais. - adivinhei observando seu rosto. 

Ela ficou séria, mas seus olhos incríveis tinham uma intensidade sensual.

- Por que você não vem comigo e experimenta? - sua voz ficou ligeiramente mais rouca. 

O arrepio subiu e apertei minhas pernas. Ela olhou para baixo e sorriu com o canto de sua boca. Boca tão cheia… Como seria beijá-la? 

- Para a festa? - perguntei presa em seu olhar. 

Ela assentiu.

- Sim. Ela está acontecendo do outro lado da praia. Posso te levar até lá. - ela explicou e se levantou, estendendo sua mão.

Me levantei e arrumei meu vestido, ele era um pouco curto. 

- Você está linda. - ela absorveu cada detalhe meu com uma piscada de olhos. - O preto combina muito com você por sua pele clara. Diria que somos o equilíbrio em persona. - ela riu. E de fato, com ela de branco e eu de preto, éramos mesmo. 

Aceitei a mão dela estendida e caminhamos devagar. Segurei meus chinelos com a outra mão e Hália pegou meu livro debaixo do meu braço. 

- Então, você é mochileira? - perguntei.

Ela olhava para frente, mas sabia que sua atenção estava em mim enquanto ela falava.

- Não mochileira. - ela respondeu. - Sou uma viajante. A maior parte do ano estou viajando para todos os lugares. Gosto de às vezes fazer trabalhos voluntários e ajudar em algumas causas. Quase como uma ativista. Invisto em alguns negócios que sei que vão lucrarem e tenho renda fixa com isso. Comecei debaixo, mas tenho meus métodos para ganhar muitas ações. 

Ela tinha um bom coração então. Isso me fez ficar ainda mais interessada. 

- Então sua vida não parece tão entediante assim. - comentei.

Hália gargalhou, fazendo leves desenhos com as pontas de seus dedos nos meus. 

- Não, exatamente. Mas, venho fazendo isso há tanto tempo que se torna… Rotineiro. - ela passou a língua nos lábios e me olhou. - Mas, e você? O que faz para ter fugido?

Sorri. Não queria ter que dividir toda a carga que eu levava. O clima parecia tão leve e me fazia tão bem. 

- Sou editora e CEO de um negócio da família. Começou com meus pais e agora estou tocando a empresa. Mas, não faz muito tempo. Acabei de me formar e acho que tenho que aprender muita coisa para conseguir resolver tudo. - murmurei. 

Ela parecia entender. 

- Você parece ser muito nova para isso. - ela disse. 

Dei de ombros. Algo que ela fazia. 

- Tenho vinte e quatro. Não sou tão nova assim. - falei. 

Nós já estávamos no fim da praia quase e nessa parte, a trilha para a mata se abria não muito longe. Notei um pequeno grupo dançando e havia algumas pequenas tendas montadas, tochas acesas presas na areia e uma pista iluminada por luminárias colocadas aleatoriamente. A decoração toda em si era muito bonita e não era qualquer festa na praia então. Ainda bem que estava vestida um pouco melhor. 

Hália me levou até uma pequena tenda, onde uma equipe parecia cuidar de alguns pertences dos convidados e do buffet. Ela gentilmente pediu meu livro, com meus chinelos. Ela também tirou os sapatos, que notei que eram lindos. Todos estavam descalços e ela dançava ligeiramente. 

- Você precisa experimentar isso. - ela me indicou a mesa de pequenas sobremesas.

Ela pegou um doce em uma linda arrumação e me entregou. Soltei sua mão e mordi. Era gelado e muito gostoso. 

- É uma especiaria de onde nasci. Eles fazem sem comparações. Vou pegar uma taça de champanhe para nós. - ela caminhou até uma bandeja de um garçom e me ofereceu. Olhei para a taça e era um espumante tão delicado dourado com pequenos cristais iridescentes dentro dele. - É de ouro. Não lembro quantos quilates… Mas, é magnífico. - ela tomou de sua taça.

Ergui as sobrancelhas, estupefata. Mas, bebi um gole. E era incrível! Engoli sem conseguir definir aquele sabor tão suave e gostoso descendo por minha garganta. 

- Eu sei. - ela riu ao me observar tomando pequenos goles. - Também fiquei assim na primeira vez. 

Nós tomamos tudo e ela pegou mais duas taças.

- Venha. - ela pegou em minha mão. Hália me levou para a pista montada e ninguém se importou quando paramos bem no meio e ela puxou minha cintura para a sua. - Estou muito feliz que nós estejamos aqui. 

Seu corpo tão próximo ao meu me causou um furor de pequenos arrepios e mais borboletas. Tentei acalmar meu coração que começou a disparar. Acho que nunca tinha sentido uma atração tão profunda e tão momentânea assim. Nem mesmo por homens. 

Não consegui olhar para seu rosto e sem ter opções, passei a mão por seu ombro. 

- De quem é essa festa? - indaguei.

Ela balançou os ombros e uma música levemente romântica tocava em estilo house. 

- Da vida. - ela segurou com mais força minha cintura e virei meu rosto para o dela. 

Nós nos encaramos durante longos segundos e depois ela libertou meu olhar, dançando comigo. Reconheci a voz de Aurora ao fundo numa versão de Runaway mais sombria, mas ao mesmo tempo dançante. E eu dancei com Hália enquanto ela me contava de suas viagens, das causas que havia lutado por sua vida e ouvi com atenção ao mesmo tempo em que bebíamos várias taças de champanhe e ríamos de minhas experiências ruins com homens. 

                                        ***

Hália

Estar em Fernando de Noronha era como estar em casa, em meio a natureza e poder compartilhar isso com outra pessoa era muito bom. Me sentei com Elescia na areia e ela segurava uma garrafinha de Corona e também tinha cedido a tomar uma cerveja. Ela sorria sem parar e estava claramente um pouco alta. Nós tínhamos dançado a noite toda. Rimos muito e conversamos sobre muitas coisas. Como eu tinha pensado, ela não era experiente com mulheres e provavelmente nunca tinha se envolvido com uma. E isso em nada diminuía meu interesse nela. Uma estranha atração que me chamava para seus lábios, o som da sua voz, o jeito com que ela sorria com os olhos.

E ela estava claramente a fim e isso me deixava em êxtase, mas não queria me precipitar em fazer uma investida errada. Ela era tão delicada e meiga, seu jeito era extremamente educado, ao mesmo tempo em que ela conseguia ser sensual, com olhos, sorrisos ou alguma frase mais travessa. Eu estava errada ao dizer que ela se parecia com Greta, a não ser fisicamente que de fato, lembrava, mas a personalidade era completamente diferente.  Elescia tinha uma vivacidade no olhar de alguém curioso por descobrir qualquer coisa no mundo, uma certa inocência viciante. Ela também tinha uma luz, como alguém bem iluminado e altruísta. 

Por algum motivo a percepção que tive de quem ela era e de seu caráter, foram como ler um livro instigante, que tinha me deixado muito interessada. 

Eu sempre fui dominante em qualquer relação que tivesse, dentro e fora da cama. E Elescia ter o tipo certo de inexperiência, talvez até mesmo uma submissão… Me deixavam boba. 

- Você não costuma sair, não viaja, não tem um namorado. - falei. - Com o que você se diverte?

Ela fez uma careta delicada.

- Livros. Virou até mesmo profissão. - ela brincou. 

Pensei por um momento. 

- Então você nunca fez nenhum tipo de loucura? - perguntei. 

Ela negou com a cabeça.

- Do tipo que você costuma fazer? Sobre sumir e viajar pelo mundo? Ser uma desbravadora de sonhos? - ela riu e voltou a negar com a cabeça. - Não. Sempre fui pé no chão. Realista. Nunca idealizei além do que conseguia alcançar, nem sequer tomei um porre de cair alguma vez. 

Olhei para ela e Elescia olhava para o horizonte que estava ligeiramente mais claro. Nós tínhamos passado a noite toda juntas. Então tive uma ideia. Achei que provavelmente ela nunca tinha feito aquilo e me levantei, indo para uma das tendas, onde o pessoal guardava os pertences dos convidados. Pedi que o rapaz tirasse minha bolsa, e peguei um item, antes de devolver e voltar para a praia. Elescia me olhava, segurando sua garrafinha e arqueando as sobrancelhas. 

Coloquei um pequeno tecido preto em seu colo. 

- Vá ao banheiro e coloque essa parte de cima do meu bíquini. Sempre carrego porque amo entrar direto na água. 

Ela pegou o bíquini e riu.

- Para todo mundo ver? - ela indagou, curiosa. Vi o brilho através de seus olhos. 

Passei a mão por seu queixo delicadamente.

- Se troque no banheiro. Mas, estamos em uma praia, amor. - sussurrei mais baixo e ela tremeu de leve sob a ponta de meus dedos. 

O olhar intenso dela em resposta, inflou o verde de seus olhos e aquilo me excitava.

Respirei fundo e senti que ela viu o desafio em minhas palavras. Como se eu estivesse duvidando que ela realmente faria. Elescia se levantou e me entregou a cerveja. Ela caminhou determinada até uma das tendas e enterrei nossas cervejas na areia. Sorri, balançando a cabeça. Aquela menina me deixava louca. 

Levou poucos segundos e ao levantar meus olhos, Elescia andava apenas de biquíni pela areia. Bem, apenas na parte de cima. Embaixo, ela vestia uma peça preta extremamente pequena demais para ser chamada de calcinha. Era rendada e continha algumas amarrações da lateral. Abri os lábios em um sorriso desacreditado. Aquela mulher era maravilhosa. Ela andou determinada até parar em minha frente. Passei a língua por meus lábios e soltei um riso nervoso. Olhei para cima e as coxas dela estavam em meu campo de visão. Coxas deliciosamente brancas e seu centro escondido pela renda, mas que deixava pouco para imaginação. Senti que meu estômago havia parado lá no chão. 

Ela levantou meu queixo com os dedos para seu rosto e riu.

- O que acha de um mergulho? - ela indagou e então me soltou.

Elescia caminhou para o mar e entrou pelas ondas calmas. 

A visão de sua bunda naquela lingerie era perturbadora de tão linda. Suas costas pequenas. Sua cintura delgada e larga. Sem perder dois segundos, tirei meu blazer e por sorte por baixo vestia uma camiseta fina com decote profundo. Deixei ele junto com nossas cervejas e fui até ela. Pela praia pessoas ainda dançavam e outras repousavam pelos divãs ao fundo nas tendas. Ninguém olhou para nós. Até porque todo mundo era de outro mundo.

Entrei pela água e Elescia ficou olhando o horizonte. Passei meus braços por sua cintura e senti sua pele se arrepiando. Ela ainda olhava para frente, mas repousou sua cabeça em meus ombros, enquanto olhávamos o nascer do Sol, apreciando o Deus mais dourado. Sentia Elescia inquieta em meus braços e toquei levemente sua barriga, brincando com a água que havia se tornado morna pela minha presença. Ouvi um leve suspiro de Elescia e suas pernas se retraindo. Um gesto de prazer. Sorri e beijei levemente seu pescoço, afastando seu cabelo para o lado.

Ela virou o rosto e beijou meu queixo. Ousada, brinquei com a lateral de sua calcinha e fiz uma pressão leve em sua virilha. Suas sobrancelhas se uniram e ela soltou um gemido. Naquela hora perdi qualquer fio de raciocínio. Meu corpo enrijeceu e contive um gemido também. Devagar, ainda brincando com sua pele tão macia, coloquei minha mão dentro do tecido fino, tentando não rasgá-lo. Mas, a minha vontade era de fodê-la até Elescia gritar. 

Toquei levemente o centro de sua intimidade e ela gemeu mais alto. Com a outra mão segurei o cabelo de sua nuca, afastando seu rosto e beijei seus ombros. Penetrei um dedo e quase desfaleci por ver que ela estava tão pronta, mesmo que estivéssemos debaixo de água. Era impossível não notar o quão excitada ela estava. Delicadamente me movimentei, deixando à base da tortura. 

- Olhe para o horizonte. - sussurrei em seu ouvido. 

O Sol nascia iluminado todos nós e aquele momento ficou gravado em minha cabeça. 

Acelerei e ela apertou meus braços ao seu redor, contendo um grito, claramente chegando ao êxtase. Ela mordeu os lábios e sua expressão era a coisa mais deliciosa que eu já havia visto. Meu coração batia que nem um trem e minha respiração ficou presa na garganta quando ela tencionou o corpo para trás e gemeu muito baixo, não querendo chamar a atenção de quem estava na praia. Fechei meus olhos e tentei controlar meu fôlego que ela havia tirado todo. 

Tirei a mão e beijei sua testa. Meu corpo pegava fogo. 

Olhamos para o Sol e naquele momento senti que algo mudaria para sempre.  

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