03

Matheus

Eu nunca fui muito uma pessoa de encontros. A maioria das vezes que fiquei com alguém foi durante festas, então... É, complicado. Que assuntos acontecem em encontros? Eu precisava dar um jeito de cobrir todas as possibilidades, então escrevi possíveis perguntas e respostas e tentei decorar como se falavam em Libras. Não foi muito fácil e eu ainda não tinha certeza de ter coberto tudo, por isso resolvi perguntar para a pessoa que eu conhecia que mais tinha encontros.

[Pedro]

Cara...

Não é assim que funciona

O assunto que surge depende da pessoa com que você tá

Não dá pra ensaiar pra isso não.

[Matheus]

Dá pra ensaiar pra tudo

Qual assunto mais normal? Tipo q todo mundo fala quando o encontro tá dando certo?

[Pedro]

"tem camisinha?"

[Matheus]

Eu sei q tive poucos encontros na vida, mas nunca me perguntaram isso não e.e

[Pedro]

Você chegou a ter um segundo encontro com alguém?

[Matheus]

Não

[Pedro]

Por isso nunca te perguntaram

Você deve ter sido o date ruim

[Matheus]

Ei!!!

[Pedro]

Só relaxa tá? Não precisa ficar decorando falas igual um louco

Isso não é uma novela da globo

Se for dar certo vai dar sem roteiro

[Matheus]

Mas eu não falo a língua deleee!!!!!

Eu tenho q ter um roteiro

Como vou saber oq dizer se nem sei falar com ele???

[Pedro]

Você devia ter estudado mais antes de chamar ele pra sair e.e

É oq? Um amPedroano? Alemão? Uh, já sei

Holandês

Você sempre gostou da Holanda

[Matheus]

N é da sua conta

Podia ser um pouco de babaquice da minha parte, mas considerando como o Pedro tinha me apresentado o Rian, eu julguei melhor não contar que era com ele meu encontro. Se bem conheço ele, provavelmente iria ter que ouvir muitas piadas que não estava a fim de ouvir no momento.

[Pedro]

A gente tenta ajudar e é tratado assim

Porque eu n posso saber dos seus casos amorosos?? Você sabe dos meus

[Matheus]

Sinceramente eu preferia não saber

[Pedro]

Só descobre como perguntar se a pessoa tem camisinha

E saiba que se falarem "vamos pra outro lugar?" tão te chamando pra um motel

[Matheus]

Anotado

[Pedro]

E não surta se algo não sair como planejado, ok?

Relaxa, se a pessoa valer a pena, não vai te julgar mal por se atrapalhar ou sei lá

Se não, não era o cara certo pra você

Dei um meio sorriso e lutei contra o impulso de revirar os olhos quando li isso.

[Matheus]

Tá legal, valeu

Embora não tivesse gostado dos conselhos do Pedro, porque sinceramente não foram de ajuda nenhuma... Resolvi pesquisar como se pergunta se a pessoa tem camisinha, porque nunca se sabe. Pois é, eu estou no fundo do poço.

Não sou bom com interação social. Os únicos amigos que tenho são o Pedro e a Samantha e eu muito mal vejo qualquer um dos dois, então... É difícil, sabe? Minhas interações sociais na escola se resumem a pessoas me empurrando e puxando meu cabelo ou fazendo comentários desagradáveis quando passo.

Acho que isso seria ainda mais difícil já eu ainda não sabia praticamente nada de sinais. Suspirei me encostando contra o travesseiro e tentando revisar o que já sabia.

Bom dia... Boa tarde... Boa noite... Tudo bem?

Franzi os lábios olhando minhas mãos e tentando soletrar meu nome de novo. M...

A... T... Espera, isso é um F. Ou é um T? Revirei os olhos e decidi que meu nome agora seria Mauro. Era mais fácil de soletrar e não tinha nenhuma letra que fosse me confundir.

Bem mais fácil.

***

Eu estava arfando quando finalmente encontrei o Rian na entrada do parque. A trança cascata que eu tinha custado tanto a fazer desmanchou durante a correria e eu não precisava olhar para ter certeza que minha maquiagem tinha derretido e o lápis de olho se acumulava abaixo dos meus olhos me fazendo parecer um panda.

Começamos bem.

Rian me olhou com desdém enquanto levantava as mãos e as movia no sinal de "atrasado". Eu não conhecia esse sinal, mas foi bem autoexplicativo.

"Desculpa." – Pedi, tentando recuperar o fôlego, minhas mãos tremendo. "Ônibus A-T-R-A-S-O-U."

Ele suspirou antes de concordar com a cabeça e apontar na direção da passarela que levava a uma das entradas do parque, começando a andar. Andei do lado dele, pensando.

"Tudo bem?" – Perguntei, mas quase esbarrei em um passante porque não conseguia me concentrar na passagem e nos sinais.

Rian deu um sorrisinho como se tentasse não rir, me olhando de canto. Ele apertou meu braço e parou de andar. Também parei.

"Ou você anda ou faz Libras. Os dois vai te confundir."

"Ok." – Concordei, sem conseguir disfarçar uma expressão triste.

Eu realmente queria conseguir conversar bastante com ele, mas ir ao Ibirapuera era quase implorar pra ficar andando o dia todo. Merda. Claramente eu o tinha convidado pra ir ao lugar errado.

Continuamos caminhando para dentro do parque e enquanto eu tentava raciocinar em algo pra fazermos, ele se sentou num banco vazio perto do lago me observando.

"Um parque sem P-I-Q-U-I-N-I-Q-U-E... Péssimo." – Ele sinalizou, fazendo um beicinho de deboche, mas logo riu e deu um tapinha no espaço ao seu lado, me convidando para sentar também.

Mordi os lábios indo pro lado dele.

"Então, o que vamos fazer?"

Hesitei, pensando no que responder. Mas, realmente, sem um piquenique não pareciam haver muitas opções. Merda, eu devia ter dado a ideia de fazer um piquenique.

"Por que um parque?" – Rian perguntou diante da minha demora. – "Podíamos ter ido ao cinema. É mais legal!"

Franzi a testa, surpreso. – "Podíamos?"

Ele fez careta.

"Por que não? Eu gosto de filmes! Só teríamos que ir num cinema que tivesse legenda."

Realmente, um cinema poderia ter sido uma opção melhor. Sei lá, nas duas vezes que o vi, ele não pareceu muito animado com as idas ao cinema, o que até fazia sentido eu sei, mas... Acho que fiquei com a impressão de que ele não curtia muito isso.

"Não pensei nisso."

Ele balançou a cabeça, cruzando os braços e virando o rosto. Mordi os lábios de novo. Precisava ter ideias. O Parque Ibirapuera era grande, tinha várias coisas e lugares que poderíamos ir ali dentro. Eu só precisaria organizar mais as minhas ideias.

Merda, isso estava sendo um desastre. Tenho certeza que ele já tinha se arrependido de ter aceitado sair comigo. Engoli em seco, sentindo minhas mãos tremerem ainda mais enquanto tentava me acalmar o suficiente para pensar.

Toquei o ombro de Rian e ele voltou o olhar pra mim, a sobrancelha arqueada. Tirei meu celular do bolso e abri o bloco de notas para digitar.

"Podemos ir no planetário do parque." – Escrevi.

Ele franziu os lábios antes de concordar com a cabeça, se levantando.

***

Mais uma vez o silêncio em que nada se dizia nem mesmo com as mãos. Peguei meu celular de novo, abrindo o aplicativo de Libras que tinha baixado e digitei rapidinho uma pergunta para saber como fazê-la.

Paramos em frente ao planetário, já estava em sessão então teríamos que esperar pra entrar com outro grupo.

Os ingressos para aquela apresentação eram grátis então pegamos logo, sentamos no chão e eu respirei fundo duas vezes, secando o suor das mãos na calça antes de perguntar.

"O que você gosta de fazer?"

Rian deu de ombros e começou a fazer vários sinais que eu não conhecia. Arregalei os olhos e uni as sobrancelhas sem entender nada e acho que minha cara deve ter sido engraçada porque ele se interrompeu e começou a rir.

E... A risada dele era muito bonita.

Ainda rindo, ele estendeu a mão apontando para o meu celular. Entreguei o aparelho desbloqueado pra ele e Rian se encostou em mim abrindo o bloco de notas.

"Eu gosto tirar fotos e tocar teclado." – Ele escreveu e em seguida me entregou o celular.

Desci para a próxima linha para poder digitar:

"Você toca? Que legal!"

"Sim, tem alguns anos. Bem divertido. E você faz que?"

Dei de ombros.

"Não sou bom em nada. Só fico vendo séries de TV o dia todo."

"Deve ter algo que você é bom."

Fiz careta. Eu era bom na escola, mas vamos ser sinceros? Isso não é o tipo de coisa que te torna mais interessante.

"Não que eu saiba." – Digitei por fim.

Rian pegou o celular da minha mão e deitou a cabeça no meu ombro, esfregando o queixo enquanto parecia pensar no que digitar. Hesitei um instante antes de passar o braço em volta dos seus ombros. Ele suspirou se encostando mais contra mim e me entregou o celular.

"Todo mundo é bom em algo. Você deve ser bom em ser ruim."

"Sem graça." – Escrevi com uma mão só.

Ele se afastou erguendo os olhos pra mim e fez o sinal de desculpe, com o queixo franzido. Foi minha vez de rir.

"Tudo bem. É brincadeira, certo?" – Digitei

Ele assentiu.

"Então tudo bem. Não fiquei triste. Agora volta aqui."

Rian riu de novo enquanto voltava a se encostar em mim. Ele puxou minha mão e mexeu na pulseira de macramê que eu tinha amarrada no pulso antes de voltar a digitar.

"Pulseira legal."

"Foi presente da minha mãe. Ela jogou na minha cara quando eu tinha uns catorze anos falando 'não precisa se assumir, eu já sei' e foi dormir." – Tentei não rir enquanto digitava, olhando para minha pulseira com as cores do arco-íris.

Rian se afastou de novo e mudou de posição, ficando de frente pra mim.

"Você é G-A-Y?" – Ele soletrou, me olhando com atenção, as sobrancelhas unidas.

Não, garoto. Eu te chamei pra um encontro só nós dois porque eu sou hétero. Ok, eu sei que é uma pergunta válida, mas o mínimo que ele tinha que pensar com a situação era isso.

Quis poder dizer "sim, aliás, tô interessado" pra já deixar tudo mais fácil já que aparentemente ele era bem lerdo, mas com Rian me olhando com tamanha atenção, só consegui coragem o bastante para assentir. Porém, consegui aproveitar a oportunidade para devolver a pergunta, ponto para mim.

Ele deu de ombros antes de fazer que sim, em seguida pegou meu celular de novo.

"Sabe qual sinal para gay?"

Imaginei alguns, mas com medo de estar errado e parecer ridículo, apenas perguntei qual era.

Ele colocou a mão em E, e balançou.

"Legal." – Digitei e devolvi o celular.

Rian concordou com a cabeça enquanto voltava para o meu lado, novamente se encostando no meu ombro, digitando:

"A quanto tempo você aprende Libras?"

"Algumas semanas só. Tô vendo vídeo na internet"

Quando digitei isso, Rian abriu os emojis e escolheu um de raiva.

"Que foi?" – Perguntei confuso.

"Vídeo de Libras. Muito ouvinte que não sabe tenta ensinar. Muito ensina errado."

"Ah, você pode me ensinar então."

Rian riu de novo, se encostando ainda mais contra mim.

"Posso sim." – Ele digitou rindo, colocando uma perna sobre a minha.

Engoli em seco, senti meu coração acelerar enquanto Rian encostava a cabeça no meu ombro, parecendo super confortável com a situação, como se não estivesse fazendo nada demais. Respirei fundo antes de deixar uma mão pousar na sua perna e o observei dar um sorrisinho quando fiz isso, mas logo ficou sério de novo como se estivesse tentando disfarçar.

Rian tinha cheiro de canela. Minha mãe costumava comprar essências diferentes de aromatizador pra esconder o cheiro do mofo lá de casa, então pude reconhecer fácil a mistura de canela e maçã.

"Por que você quis aprender?"

Hesitei pensando se falar a verdade ia me deixar parecendo muito atirado ou desesperado e se era melhor mentir de alguma forma. Mas como eu não tenho amor próprio, resolvi m****r a real.

"Pra poder conversar com você."

Rian levantou o rosto pra mim sorrindo. Assim, continuamos conversando por mensagem por vários minutos. Descobri que ele não gostava dos filmes da Marvel, mas gostava das séries, embora preferisse os desenhos e séries da DC. Ele contou que era fresco para comer e que era alérgico a peixe e eu contei que comia praticamente tudo, menos carne de porco.

Ele disse que gostava de música sertaneja e eu fiquei confuso. Nessa hora, Rian deu risada e explicou que conseguia sentir a vibração da música e gostava da vibração de sertanejo, embora também gostasse de Aurora e Ed Sheeran. Ele disse que gostava de dançar e eu falei que tinha praticamente dois pés esquerdos.

Descobri que ele falava muito e achei isso engraçado. Conversar com o Rian era fácil na verdade. Reparei que ele demorava para digitar e apagava com frequência, ele explicou que era porque a gramática de Libras era diferente e como português não era a primeira língua dele, as vezes travava. Eu disse que ele escrevia bem.

Depois disso, olhando com mais atenção consegui perceber alguns erros pequenos no que ele digitava, mas eram errinhos tão bobos que sigo afirmando, ele escrevia bem.

Com certeza tinha português como segunda língua melhor do que eu tinha o inglês.

Rian me contou sobre os amigos e percebi que ele era uma pessoa na verdade bem extrovertida. Contei que eu tinha poucos amigos e que o mais antigo era o Pedro, ele disse que o Pedro tinha cara de babaca e eu tive um ataque de riso. Expliquei como fiquei amigo dele e como ele me protegia na escola, então Rian escreveu que Pedro devia ser do tipo "babaca fofo" e ri de novo.

Perguntei alguns sinais e reparei que enquanto os fazia, às vezes, ele fazia alguns barulhos com a boca, sílabas aleatórias das palavras. Ele tinha uma voz grave e bem baixinha, um pouco arranhada, bonita pra caramba.

"É porque eu fazia fono quando criança, para aprender falar. Mas, parei tem tempo e fiz pouco aí acabou que só falo Libras mesmo." – Explicou, depois de eu comentar sobre o jeito que ele falava enquanto fazia sinais. Hesitei. Sentia que o que ia escrever provavelmente era bem idiota, mas eu realmente estava em dúvida.

"Como você poderia falar sendo surdo-mudo?"

Rian fez careta e revirou os olhos afastando minha mão de sua perna, o que deixou claro que a pergunta não só era idiota como também o irritava. Ele suspirou alto pegando meu celular para digitar.

"Surdez tem a ver com audição. Mudez tem a ver com problemas cordas vocais. Uma coisa não tem nada a ver com outra. A expressão surdo-mudo ofensiva e idiota, inventada por ouvintes que acham ser surdo igual ser mudo e que a gente não pode falar. A gente pode... não aprendeu. Fazendo fonoaudióloga eu aprenderia a falar com vários exercícios, mas eu não quero aprender porque cansa... frustrante eu me irrito fácil, tô bem só com sinais. Isso não significa que sou mudo. Nem todo surdo e mudo, pra falar a verdade, não conheço um que seja, mas como possível vou dizer que quase nenhum surdo é mudo. Eu sou só surdo, o resto funciona perfeitamente. Não use surdo e mudo como sinônimos porque são coisas diferentes, eu e qualquer outro surdo que conheço odiamos ser chamados de mudos. E se você me chamar de surdo-mudo de novo eu te bato, entendeu? :)"

Fazia sentido, pensei enquanto lia. Realmente, minha dúvida parecia bem idiota agora. Mordi os lábios enquanto digitava uma resposta e dei um pulo de susto cobrindo minhas orelhas e largando o aparelho quando Rian deu um berro no meu ouvido.

Olhei para ele sem entender nada, mas o garoto só gargalhava. Ele respirou fundo como se estivesse tentando controlar o riso enquanto erguia as mãos.

"Viu? Não sou mudo." – E voltou a rir.

– Garoto, cê tem problema? Doido! – Dei risada enquanto falava, meu ouvido ainda doendo depois de ele quase ter me deixado surdo também.

Rian continuou rindo e sempre que eu achava que já estava para parar, ele tinha outro acesso de risos, o que, obviamente me fazia rir tanto quanto ele.

– Tá bom, né? Já deu. – Falei, tentando eu mesmo parar de rir, minha barriga já doendo e com dificuldade para puxar o ar.

Com lágrimas nos olhos e ainda gargalhando, Rian tapou minha boca com a mão, o que me assustou um pouco. Ele abaixou o rosto, ainda rindo antes de segurar minhas mãos, levantá-las e em seguidas soltá-las novamente.

Embora ele não tenha feito nenhum sinal de Libras nem nada do tipo, senti meu rosto ficar quente percebendo o que ele queria dizer. Provavelmente com medo de eu ainda não ter entendido, ele respirou fundo tentando se controlar o bastante para fazer língua de sinais:

"Usa mão pra falar!"

"Desculpa." – Pedi enquanto ele ainda ria e sorria agora de um jeito mais calmo.

Rian suspirou, balançando a cabeça e voltando a se encostar em mim para pegar meu celular.

"Quer que eu conte uma piada?"

"Quero."

"Mas, você tem que conhecer alguns sinais primeiro." – Ele digitou o aviso. – "Os sinais de árvore, lenhador, cortar e madeira."

"Tá, me ensina."

Rian se afastou ficando de frente para mim e levantando as mãos. Pelo que eu tinha aprendido nas videoaulas, ficar de frente uma pessoa e olhar para ela enquanto fazia Libras era muito importante para que desse para entender os sinais e ver bem a expressão facial. Para os surdos chegava a ser uma questão de educação... Ou seja, Rian era uma pessoa muito educada.

Primeiro ele soletrou árvore e em seguida me mostrou o sinal, depois fez o mesmo para lenhador, cortar e madeira. Concordei com a cabeça, me perguntando que caralhos de piada tinha lenhador.

"Um lenhador, cortou uma árvore e gritou 'madeira'. Mas, a árvore não caiu." – Uni as sobrancelhas, já intrigado com o começo da piada. – "Por que?"

"O lenhador não cortou bem?"

"Não." – Rian cerrou os lábios, como se tentando não rir. – "A árvore era surda."

– É o que? – Dei risada, sem saber se tinha entendido certo.

"Aí ele soletrou M-A-D-E-I-R-A e a árvore caiu." – Ele dava risada enquanto soletrava, como se essa piada fosse legitimamente ótima.

"Péssimo." – Falei e imediatamente Rian ficou sério, me olhando feio. – "Parece piada de tio."

"Conta uma melhor então!" – Desafiou, com os olhos semicerrados.

Peguei meu celular pra escrever e ele veio pro meu lado enquanto eu tentava pensar numa boa piada. Ok, não era a melhor de todas, mas... Era melhor que a dele, isso já bastava.

"Por que a velhinha não usa relógio? Porque ela é uma senhora"

"Que?????"

Dei risada, observando a expressão confusa do Rian enquanto eu digitava.

"Senhora, entendeu? SEM HORA."

Ele coçou a cabeça ainda parecendo confuso e mexeu num dos cachos do cabelo, pensativo antes de dar de ombros.

"Minha piada foi melhor."

"Não. Mesma coisa."

"FOI MELHOR, MAFHEUS!!!!"

Dei risada, observando a cara de irritado dele e fiz que sim com a cabeça como se concordasse, mas sinceramente? Não achei. Talvez ele que fosse um mau contador de piadas ou sei lá, mas só... Não colou. Minha piada foi muito melhor. E ele colocar "Mafheus" na mensagem foi ofensivo, quis dar um beliscão nele, mas me contive porque também foi engraçado.

"Podemos ir pra outro lugar?" – Perguntou de repente, com as sobrancelhas unidas olhando ao redor.

"Tem camisinha?"

Rian arregalou os olhos e eu percebi o que tinha dito. Senti minhas orelhas ficarem quentes.

"Desculpa, eu só... Desculpa, eu..." – Eu travei, ok? Ele perguntou isso e minha cabeça foi pro que o Pedro tinha dito e eu nem reparei no que eu estava falando! É tipo quando você fala um palavrão em inglês sem se dar conta que a professora de inglês tá do seu lado, entende? É... Confusão mental.

Rian estava vermelho enquanto pegava o meu celular.

"Tá muito sol aqui, só isso." – Digitou e me mostrou, parecendo quase tão envergonhado quanto eu. Quase, porque era impossível alguém tá no mesmo nível de vergonha que eu estava naquele momento!

Ah.

Só naquele instante dei atenção ao fato de que Rian estava usando um moletom preto. Meu Deus, aquele garoto devia tá cozinhando tinha tempo já!

"Vamos." – Forcei um sorriso, sentindo minhas mãos tremerem.

Rian riu baixinho enquanto me acompanhava. Sentamos na sombra do planetário, nos encostando contra a parede marrom clarinha.

Escondi o rosto nas mãos, ainda envergonhado. Senti a mão do Rian no meu cabelo e me obriguei a respirar devagar e arranjar coragem para olhar pra ele.

Rian apontou pro meu celular, um sorriso envergonhado no rosto.

"Você é engraçado." – Digitou.

"Desculpa mesmo, eu só tô um pouco nervoso ainda." – Digitei ainda envergonhado.

Ele deu de ombros. – "Seu nervoso é estranho. Não preocupa, n precisa nervoso."

Engoli em seco, meu rosto ainda estava quente. Pigarrei e estava digitando outro pedido de desculpas quando Rian puxou o celular da minha mão me olhando seriamente.

"Você n precisar pedir desculpa ok? Já passou"

Concordei timidamente com a cabeça após ler o que ele escreveu. Rian suspirou com um sorriso no rosto enquanto colocava novamente a perna sobre a minha.

Continuamos conversando por mais um tempo, passando de amenidades para assuntos sérios e de volta para amenidades, a gafe dessa vergonha gratuita que eu passei ficando para trás. Rian ria com frequência, o que me deixava feliz. De vez em quando, ele olhava em volta parecendo assustado, mas logo voltava a relaxar. A conversa com ele fluía tão naturalmente, que eu teria esquecido completamente do planetário se ele não tivesse digitado:

"Nova sessão. Vamos entrar?"

Concordei com a cabeça me levantando e oferecendo a mão para ajudá-lo a fazer o mesmo. Rian aceitou e eu arregalei os olhos quando ele não soltou minha mão e entrelaçou os dedos com os meus.

Ok, talvez hoje esteja indo bem afinal de contas. Eu cheguei atrasado, fiquei super sem jeito e sem ideia do que a gente podia fazer, mas... Entramos no planetário de mãos dadas, entregando os bilhetes. Isso era um bom sinal, né? E quer saber? Talvez eu estivesse sorrindo um pouco demais por isso enquanto sentávamos num canto e a escuridão inundava tudo.

Quando o telescópio foi ligado, da escuridão surgiram planetas e estrelas que passavam por nós, nos cercando e se tornando todo o universo. Era lindo.

O planetário dali não era o maior de todos, mas ainda assim, a sensação era fantástica. Cada sessão durava um pouco mais de meia hora e a absorção a que levava era indescritível. Essa sessão em especifico, era sem explicação ao vivo. Uma pena, mas tudo bem. Mesmo sem físicos e astrônomos falando, o espetáculo mais que compensava.

Os assentos eram organizados em volta do telescópio em um círculo e eram bem reclináveis para podermos observar a imensidão do universo lá no alto a vontade.

Sinceramente, dava para praticamente deitar.

Me assustei quando senti a mão do Rian na minha. Virei a cabeça para olhá-lo e me surpreendi quando vi que ele me observava, os olhos brilhando sob estrela. Senti sua mão passando devagar pela ponta dos meus dedos e alcançando meu pulso, mexendo nas minhas pulseiras um instante antes de seguir o caminho subindo pelo meu braço até o meu ombro. O toque dele era gentil e firme ao mesmo tempo, senti minha pele se arrepiar por onde ele tocava e agradeci mentalmente a mim mesmo por ter vindo de regata, assim podia aproveitar por completo a sensação do seu toque diretamente na minha pele.

Hesitei um momento antes de me ajeitar no lugar, me sentando direito e ele fez o mesmo, a mão ainda no meu ombro, ainda me olhando daquele jeito doce e intenso que fazia eu sentir um frio na barriga e meu coração parecer uma escola de samba. Devagar, sua mão subiu até meu pescoço mexendo um instante nas mechas do meu cabelo antes de pousar no meu rosto enquanto ele se aproximava, o joelho encostando no meu.

Apoiei a mão no joelho dele, aproximando devagar o rosto, ainda um pouco incerto.

Talvez ele só estivesse querendo chamar minha atenção para falar algo, ou... Ou... Não sei, eu estava em pânico e com medo de estar entendendo errado. Acho que talvez estivesse ficando um pouco vesgo demais enquanto ele se aproximava... E acho que ele percebeu porque parou e se afastou um pouco. Mesmo no escuro dava para ver sua expressão desconfiada.

Ok, calma, Matheus. Calma. Senti minha boca seca e respirei fundo, apertando seu joelho um pouco, sem querer que ele se afastasse mais. Rian ficou parado um instante, me observando com olhos semicerrados enquanto eu tentava arranjar coragem ou qualquer coisa assim para beijá-lo de uma vez.

Beijar uma pessoa normalmente não era tão difícil, mas beijar alguém que te olha com tanta intensidade... É difícil pra caralho!

E de repente, me pegando totalmente de surpresa, Rian se debruçou sobre o meu assento, me beijando, como se tivesse cansado de esperar.

O beijo do Rian era como ele: desconfiado, quase como se esperasse que eu fosse empurrá-lo a qualquer instante e ao mesmo tempo gentil, como se quisesse chegar cada vez mais perto. Deixava um gosto de "quero mais". Se eu achava que meu coração já estava acelerado antes, nem sei como ficou naquele instante. Ele me beijava com uma vontade que fez meu corpo todo se arrepiar enquanto eu retribuía, apertando sua perna e sentindo suas mãos no meu rosto e no meu cabelo.

Então era tudo tão leve e tão intenso, tão gentil e tão doce... De repente, só havíamos eu, ele, as estrelas e os planetas. E todo o resto do universo não importava mais.

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