Ônix - Prelúdios Lúdicos - Volume 1
Ônix - Prelúdios Lúdicos - Volume 1
Por: William Morais
Segredo

                   (Uma aventura pirata completa em 1 capítulo!) 

                                                            *

                                                       Prelúdio

                                                   - Sobre voar -

        Às vezes a melhor maneira de nos encontrarmos é encontrando alguém que nos ajude nisso.

        Estou deitado no chão, sobre um tapete. Olho pro teto. Há dois pés não muito longe. Estão enfiados numa sandália. As unhas pintadas de bonina, quase no tom de marrom. Pertencem à psicóloga. Ela está sentada na poltrona reservada a ela e não está alarmada por eu não estar na poltrona reservada a mim. O relógio na parede avisa que mais da metade do meu tempo com ela naquele dia já passou. Sem olhar para a mulher, digo:

        – Alguns escrevem para evitarem a loucura e outros porque já é tarde demais para isso. Às vezes acho loucura gastar tanto tempo, investindo em algo feito para um público tão limitado e ter a esperança do meu texto ser o certo, para as pessoas certas, e chegarem até elas no momento certo. As chances parecem mínimas.

        A psicóloga fica em silêncio. Eu continuo:

        – É quase preciso acreditar em magia, energia, sintonia e em mais uma caralhada de "ia". Parece teimosia, inclusive, continuar escutando uma voz interna, ecoando um eterno: "Não desista!".

        A mulher não se move. Não quer me atrapalhar. O trabalho dela é o contrário. Por isso, não nada diz. E eu digo:

        – Dizem que estamos mais inclinados a desistir quando estamos bem perto de conseguir. Devo estar muito perto; então. Por isso, provavelmente, a voz interna está tão alta e ecoando tanto. Sinto ter chegado à beira de um penhasco de um Cânion. Seguir em frente parece loucura. A queda parece fatal. Mas já caminhei muito para chegar até aqui. Desistir também parece loucura. Mas qual delas é a loucura maior?

        Penso no que a psicóloga está pensando, ao ouvir tudo isso. Ficou claro que, de uma forma ou de outra, me considero louco e talvez não fosse o momento certo para essa revelação. Tarde demais para voltar atrás. Obviamente ela não me responde. Cabe a mim, usar as palavras para dançar com o silêncio e retomo meu lugar no salão, sob as luzes giratórias:

          – Às vezes me sinto como uma criança que se recusa a crescer. Tentando ser um herói pra mim mesmo. Amarrei uma toalha no pescoço, feito uma capa, e caminhei até a beira desse precipício.

          Tiro, do bolso grande na minha calça, um livreto fino, no qual há um episódio das aventuras do pirata Ônix, sobre o qual tanto escrevo. Estico o braço e entrego o livreto para a mulher.

        – O que é isso? – A psicóloga pergunta.

        – Isso sou eu te colocando na beira do precipício, comigo. Espero que minha capa possa envolver a nós dois e possamos voar juntos...

                                                        Interlúdio

                                                Sobre o Novo Tempo -

        Imagine o futuro. Mas, imagine o futuro como o passado. Ou melhor: imagine um futuro no qual a tecnologia moderna foi abandonada e enterrada juntamente com toda a história da humanidade.

        Qualquer vestígio da era tecnológica é considerado um tesouro proibido e os maiores caçadores de tesouros são os piratas.  

        Inspirado em heróis do velho tempo, Ônix Pedra-Negra vive a própria aventura, repleta de mistérios e... um pergaminho muito valioso.

                                          

                                                             Lúdio

                                                        - Segredo -

        É bem verdade que das piores situações podem surgir os melhores caminhos. No entanto, grande parte desse melhor ser encontrado dentro do pior, depende de quem está encarando o problema. E desespero nunca ajuda. 

        O pirata avaliava a situação evidentemente desfavorável a ele, para ter certeza de que tudo o que podia fazer era esperar a oportunidade surgir. Detestava esperar, mas o grilhão apertava seu pulso direito, travado por um cadeado enorme. A corrente era grossa. O pino cravado na parede devia ser longo e ter um aro na extremidade oculta para impedir sua extração. O pirata tocou a pedra fria de textura áspera e teve certeza: seria necessária a força de um dragão para arrancar aquele pino. E acima daquela pedra imensa, havia muitas outras. A cela era toda feita delas e estavam sob um forte.

        Era o nono mês do ano 522 do Novo Tempo. No final do ano anterior, o pirata Ônix Pedra-Negra havia se tornado famoso por ter invadido e escapado da fortaleza do velho Agures. A família Agures era antiga e tinha negócios diretos com o maior de todos os reis, Ulysses de Valdrick, que governava o maior de todos os reinos. Governava quase todos os reinos, para ser sincero, mesmo de forma indireta. 

        Talvez por isso Ônix não estivesse surpreso em estar acorrentado e trancado naquela cela.

        O pirata tinha sede. Escutava o som de uma goteira vinda do corredor atrás da enorme porta de metal. A porta também estava trancada e era espessa. Todo cuidado era pouco, se tratando de Pedra-Negra; os soldados sabiam.

        Ônix sequer podia se sentar. A corrente era curta. A tentativa anterior o havia deixado pendurado a poucos centímetros do chão. O grilhão forçando o pulso. Estava exausto e precisava ficar de pé. Não estava pleno de suas energias, aliás. O estômago já havia desistido de roncar, por seus clamores não terem obtido êxito, algumas horas atrás. Vez ou outra um carcereiro passava e abria a portinhola, mastigando algum suculento pedaço de assado. Assim como a goteira insistente, aquilo devia fazer parte da tortura; o pirata concluiu. O cheiro da carne temperada era sedutor. A boca de Ônix salivava só de lembrar.

        Não estava sendo um bom dia para o pirata e sua testa estava enrugada debaixo da bandana escura. Mesmo sem o pano, o semblante de Ônix não poderia ser visto naquele momento. Pouquíssima luz entrava por baixo, por cima e pelas laterais da porta de metal.

        O pirata era apenas um vulto, lá dentro. Suas vestes eram quase todas negras. O colete, panos pendurados na cintura e botas eram de vários tons de marrom, mas também sumiam na escuridão. Quando a portinhola era aberta, no entanto, o fogo das tochas reluziam nos vários adornos prateados usados por Ônix: pequenos crânios ornando os cabelos; as joelheiras, também em formato de caveira; e a fivela do cinto com o crânio alado, pela qual o pirata era reconhecido.

        Quando ouviu o som da chave girando na fechadura, Ônix se encostou de forma casual na parede fria. A sola de uma das botas apoiada nas pedras atrás dele. Tratou de colocar um sorriso na cara. Não daria a nenhum carcereiro a satisfação de notar qualquer um de seus desconfortos.

        A porta rangeu ao ser aberta e a silhueta revelada era definitivamente de uma mulher. Ela segurava uma tocha com a mão esquerda, mantendo-a o máximo possível atrás de si. Uma mulher naquela função desumana era novidade para o pirata.

        Ela viu Ônix e o avaliou por algum tempo. Entrou na cela e levou a tocha para a frente, revelando um rosto agradável. No olhar, uma notória curiosidade. O cabelo cheio estava parcialmente preso no alto da cabeça cheio, mas algumas mechas escapavam. Sua vestimenta era uma túnica verde musgo. Suas curvas, porém, eram delineadas por um espartilho preto, sobre a túnica. Era possível ver algum rebolado quando ela andava. Vestia uma calça preta, como as botas altas, rente ao corpo, debaixo da túnica. A blusa de mangas largas do cotovelo para baixo eram quase brancas. O rosto era agradável aos olhos do pirata, embora houvesse uma argola de metal perfurando a sobrancelha esquerda da garota e, por algum motivo, aquilo incomodou o pirata.

        A garota parou a uma distância segura. Inclinou o quadril um pouco para a direita, mantendo a tocha mais distante possível do corpo. Ônix nunca a tinha visto e esperou por uma apresentação. Ela não o fez. Apenas ampliou o sorriso. O pirata também, acentuado pelo cavanhaque ao redor da boca. Ela segurava uma enorme chave na mão direita e, ao erguê-la, foi direto ao ponto:

        – Me dê uma boa razão para eu tirar você daí.

        – Me tire daqui e lhe dou várias – Ônix insinuou.

        – Acha que vai me convencer com safadezas?

        – Eu estava me referindo a moedas. Mas, pelo visto, você tem ideias mais... interessantes. – O pirata riu.

        – Cuidado. Apenas eu tenho a chave que abre esse cadeado – a garota disse, ainda de bom humor.

        – Cuidado, você também. Apenas eu tenho o cadeado que torna sua chave importante – Ônix brincou.

        – Isso se for importante libertar você; e só será se você for importante.

        – Sou importante. Para mim mesmo. E já está de bom tamanho.

        – Para sair daí, no entanto, precisa ser importante para mais pessoas.

        – Ser importante para os outros é comum – Ônix falou, fazendo uma careta. – E o comum é... ordinário. Raro é alguém ser importante, de verdade, para si mesmo. Por incrível que pareça, o amor próprio está em baixa. Para serem aceitas pelos outros, as pessoas negam a si mesmas. Para serem importantes para os outros, as pessoas deixam de ser elas mesmas e isso transforma todas as suas ações em verdadeiras farsas. Mas, dessa fraqueza não sofro, o que é uma boa notícia, pois você deve ter vindo em busca de alguém... extraordinário.

        A garota bufou um riso, mas afirmou:

        – O problema é que, em geral, quem se acha muito importante para si mesmo, não costuma se arriscar pelos outros.

        – Isso com bastante certeza. Mas, o que estamos prestes a fazer aqui é um acordo. E um acordo sempre é feito sobre coisas específicas que não aceitaríamos realizar, fora de condições específicas. Se me ajudar com meu problema, lhe ajudarei com o seu. Pra quê a resistência? Você tem a chave, eu tenho o cadeado. O destino nos juntou, veja que coisa linda.

        A garota estreitou os olhos de forma teatral e perguntou:

        – Acredita em destino?

        – Claro! – o pirata se exaltou e completou, em alguns tons mais baixos: – Quando me convém.

A garota da chave riu por um instante. Pensou e falou, por fim:

        – Tudo bem. Preciso de um guarda-costas e vi como lutou na praça ontem, antes de ser preso. Chamou a atenção de muita gente, incluindo a minha.

        – Derrubei uns trinta homens lá – ele se gabou.

        – Contei treze – ela estreitou os olhos, inclinando a cabeça.

        – Tudo uma questão de ponto de vista. – O pirata fez uma careta, antes de explicar: – Alguns soldados valiam por dois, pois precisei atingi-los duas vezes. Mas isso já não importa. O curioso aqui é você precisar de um guarda-costas. Se chegou até aqui, é porque luta muitíssimo bem.

        – Lutar é a parte fácil – a garota falou. – Preciso abrir um cadeado para o qual eu não tenho a chave.

        – E consegue abri-lo sem uma chave?

        – É um cadeado diferente, mas, consigo; se tiver tempo e alguma tranquilidade para isso.

        – E precisa de alguém para ser a distração, imagino.

        – Tal cadeado é guardado por mercenários que poderiam me atrapalhar.

        – Deve ter uma razão interessante para não poder derrubá-los e depois abrir o cadeado.

        – E tem – ela confirmou. – Não posso derrubá-los. São mercenários guardiões.

        – Ouvi dizer que são guardiões de um pergaminho místico e que estão ligados, magicamente, à mestra da guilda. – Foi a vez de Ônix estreitar os olhos. – E se algum deles perder a consciência, a tal mestra, uma mulher tão velha quanto cruel, pode sentir, e uma resposta, tão imediata quanto desagradável, é enviada. Mas achei que fosse uma lenda.

        – Pode ser. Mas, não quero me arriscar.

        – Então, só tenho de mantê-los ocupados?

        – Exatamente. Sem desmaiá-los ou matá-los. O que me diz?

        – Aperto sua mão assim que desapertar o grilhão que prende a minha.

        A garota jogou a chave para o pirata e, mais de uma hora depois, estavam do outro lado da cidade. Escalavam uma alta torre. Era uma noite sem lua, nublada e fria. Uma tempestade se formava. Tinham conseguido passar por todos os sentinelas, dos arredores. Se a garota estivesse certa, haveria apenas dois mercenários guardiões dentro do salão da torre. Mas era onde ela precisaria de algum tempo e esses dois não poderiam ser evitados.

      Estavam quase perto da janela quando Ônix resolveu sussurrar:

        – Se foi atrás de mim, para esse serviço, certamente sabe quem sou. Seria justo me dizer seu nome.

        – Segredo – ela respondeu.

        – Não precisa revelar seu real nome. Um nome de guerra basta.

        – Foi exatamente o que fiz – ela falou, sorrindo.

        – Hum... – murmurou o pirata. E, a após pensar um pouco, comentou: – Um nome masculino, mas não tira seu charme.

        – Assim como Pedra-Negra é feminino, mas – Ônix arregalou os olhos, esperando uma retribuição a seu elogio. A garota, porém, se limitou a dizer: –... lhe serve bem.

        Sorriram um para o outro, pendurados na noite fria e continuaram a subir. Mantiveram o silêncio e alcançaram a janela. Segredo sussurrou:

        – No três. – E iniciou a contagem. Em sincronia se lançaram para cima, projetando os corpos para dentro e saltaram para o salão.

        No interior havia realmente apenas dois mercenários. Ambos tinham as bocas cobertas por um tecido negro e trajavam túnicas longas. Uma era preta e a outra marrom. Os panos sobre elas, amarrados às cinturas tinham as mesmas cores, embora o pano preto estivesse sobre a túnica marrom e vice-versa.

        Os dois mercenários guardiões sacaram as espadas de imediato. Ônix se posicionou diante deles. O primeiro atacou e o pirata redirecionou a lâmina, já atento ao segundo ataque. Como não foi morto, se tornou o centro da atenção dos dois oponentes.

        Segredo se esgueirou pelos cantos e alcançou o complexo cadeado. Era, em verdade, um grande botão de metal, que girava para ambos os lados. Ao redor dele havia uma sequência de números. A peça era imensa e devia pesar toneladas. Um imenso artefato do passado esquecido do velho tempo. Estava enferrujada em várias partes, mas Segredo sabia que a porta, na qual o botão metálico estava, se abriria se ela acionasse os números certos.

        Ela já havia ouvido falar da era tecnológica. Aquilo era realmente de outro mundo. Sem perder tempo, porém, colou o ouvido no artefato e começou a girar, cautelosamente, o botão metálico.

        Os minutos seguintes foram intensos para Ônix. Conseguiu desarmar os oponentes, embora tenha sido desarmado também. Lutavam usando socos e chutes. Para não derrubar os adversários, Pedra-Negra acabou hesitando em alguns ataques e apanhou feio. Quando estava caído de barriga no chão, prestes a ter a cabeça esmagada por um dos adversários, enquanto o outro torcia suas pernas e forçava, através delas, sua coluna para trás, Ônix se enfureceu e se livrou dos dois, atacando sem cessar.

        Quando se deu por si, os adversários caíram, cada um para um lado, após violentos golpes. Desacordados.

        – Está tudo bem aí? – Segredo perguntou. – Não vai me dizer que você foi derrubado, pirata?

        – Está tudo sob tranquilo – o pirata respondeu, um tanto confuso. – Faça a sua parte e eu faço a minha!

        Para não alarmar a parceira, o pirata se colocou a chutar e socar o ar, soltando urros. Espichava os olhos para ela e a via trabalhando no cofre. Sem isso, ela talvez desistisse. Encorajada a continuar, talvez terminasse antes de outros mercenários guardiões invadirem aquele salão.

        Ônix não mediu esforços e se movimentava com vigor. Sua mente estava concentrada na tarefa de lutar com dois oponentes invisíveis, quando se virou num giro embalado por um chute e se deparou com Segredo em pé, diante dele. Ela tinha o pergaminho na mão e uma expressão muito peculiar. O pirata sorriu. Ela bufou, sacudindo a cabeça e disse:

        – Isso traz complicações.

        – Para nossa fuga ou para nosso acordo?

        – Para ambos; infelizmente – ela falou. Tinha o semblante preocupado. O pirata perguntou, desconcertado:

        – E o que sugere que façamos?

        Os olhos dela se movimentaram, embora vasculhassem a mente e não o lugar. Buscava uma solução. Antes de Ônix dizer para saírem dali o quanto antes, ela falou;

        – Pra tudo há uma solução.

        Segredo abriu o pergaminho e o leu com atenção. Repetiu a informação na mente. Enrolou o item recém conquistado e foi até o cofre. Devolveu o couro enrolado para o interior da caixa de metal, presa à parede, e travou a porta novamente. Caminhou pelo lugar até pegar as três espadas caídas. Fincou duas espadas, uma em cada um dos mercenários caídos, como se as estivesse fincando num monte de areia. Direto nos corações. Um deles teve espasmos, antes de morrer. Muito sangue espalhou-se.

        – Por que os matou? No que isso nos ajuda? – Ônix estava incomodado. Matava quando preciso, mas, definitivamente não lhe pareceu ser o caso. A garota, por outro lado, pareceu não se importar e respondeu, muito calma:

        – Já li o que precisava no pergaminho. Agora posso dizer que você invadiu o lugar e matou meus companheiros. Direi que fui a primeira a chegar e te matei antes que levasse o pergaminho da minha mestra.

        Segredo amarrou um pano, idêntico ao dos outros, sobre a boca e apontou a terceira espada para o pirata.

        – Então traiu a sua mestra e, o que é pior, quer me trair?! Respeito isso. Não chega a ser necessário, no entanto. Pode simplesmente deixar que eu a derrube e fuja daqui. Você diz que chegou primeiro, já que não devia estar aqui; e diz que não conseguiu me deter.  Podemos até nos encontrar depois.

        – Ninguém acreditaria que eu não consegui te deter. E seu corpo é uma prova mais convincente de que tinha alguém aqui, além de mim, para matar meus companheiros. Noutras palavras, não há muito depois para você – ela ameaçou.

        – Já que estamos tendo divergência sobre alterações nas cláusulas de nosso acordo, e nenhum de nós quer ficar enclausurado pelo outro – o pirata falou, antes de retirar uma das espadas, agora ensanguentada, do corpo de um dos mercenários. Mirando os olhos de Segredo, completou: –, vamos acabar lutando. Vou derrubá-la e ainda levarei o pergaminho, que deve ser valioso.

        – Jamais conseguiria abrir aquilo – Segredo riu.

        – Se refere ao cofre? – Ônix ergueu um dedo, como se pedisse um breve instante e, de fato o fazia. Segredo se espantou por ele saber o nome do artefato. Algo que nem ela sabia. Não sabia até onde iam os conhecimentos do pirata, sobre o passado esquecido. Até então, não tinha imaginado que ele soubesse de algo. Não por ser crime saber e sim por essas informações serem raras. Enquanto ela pensava no mistério de Pedra-Negra saber o que sabia, ele foi até o tal cofre e o abriu em meros segundos. Pegou o pergaminho e voltou para exibi-lo a Segredo, juntamente com um sorriso sacana.

        – Acha que me espanta? – ela perguntou. – Só conseguiu abrir por ter visto o que eu fiz.

        – Talvez. Mas agora só falta lhe derrubar.

        – Agora, então, vem a parte difícil – ela provocou.

        – Não tinha dito que lutar era a parte fácil?

        – Não contra mim – Segredo revelou.

        Ônix se pôs a girar a espada para mostrar suas perícias e desencorajar a moça. O semblante dela, porém, não dava indícios disso. O pirata resolveu atacar e derrubá-la. O corpo dela desmaiado deveria bastar para ninguém suspeitar de seu envolvimento naquela invasão. Precisava sair dali, enquanto tinha tempo.

        Segredo bloqueou o ataque e mal as lâminas haviam se chocado, ela girou seu pulso para, com o punho da espada, torcer o pulso do pirata que, sem outra alternativa, largou a arma que caiu na mão esquerda da oponente.  A lâmina sustentada pela mão direita da garota foi encostada na garganta de Ônix e o manteve paralisado. A lâmina da espada roubada, conduzida pela mão esquerda de Segredo, ia na direção da lateral do tórax vulnerável do pirata.

        – Não o mate! – Um grito se fez ouvir, parando o ataque da garota.

        Pertencia a um mercenário guardião recém chegado.  Trajava uma túnica marrom e preta e a boca estava coberta por um pano negro.

        – Se matá-lo nunca saberemos quem o enviou – o homem falou, mais próximos dos dois.

        O olhar de Ônix se cruzou com o de Segredo. Ela já não podia matá-lo sem levantar suspeitas. Ele sorriu. Ela não.

        O homem acorrentou o pirata e apertou seu pulso com um grilhão e cadeado. Em seguida arrastou o prisioneiro para uma das paredes, na qual havia uma argola de metal cravada. Outro cadeado foi fechado ali. Preso novamente. De volta ao início, o pirata pensou.

        O mercenário arrancou o pergaminho do bolso do invasor e o devolveu ao cofre, fechando-o pela segunda vez.

        – Para quem você trabalha? – o mercenário perguntou, sacando uma faca pontiaguda.

        – Sempre trabalhei, trabalho e trabalharei para mim – o pirata se limitou a responder.

        – Por que veio atrás do pergaminho? – o homem insistiu. Segredo estava trás dele e, dependendo de como a conversa progredisse, Ônix tinha certeza de que ela não hesitaria em matar o companheiro.

        – Para pegá-lo e pedir um resgate à sua mestra, claro – o pirata respondeu.

        – O que sabe sobre minha mestra? – o mercenário estreitou os olhos.

        – Que ela tem uma leal e forte mercenária do lado dela – Ônix alegou. – Você viu como ela me desarmou e como me fatiaria? Eficiência parece ser o lema de vocês, aliás. Se me deixarem ir, é o que eu vou contar por aí, para desencorajar qualquer ladrão sem vergonha a vir aqui para roubá-los. Vejam como posso ser prestativo.

        – É apenas um tolo – o mercenário falou, sacudindo a cabeça e fechando a cara. Vamos deixá-lo preso. A mestra vai gostar de matá-lo. Vou enviar uma mensagem a ela.

        O mercenário saiu em passos rápidos. Segredo apontou a espada para Ônix e falou:

        – Eu tenho uma chance de acabar com sua vida agora.

        – Assim como eu tive a chance de ter acabado com a sua, ao denunciá-la, momentos antes.

        – Por que não o fez? – Ela quis saber, mesmo tendo em mente que a única vida poupada, com o gesto de Ônix, tinha sido a do outro mercenário. Se tivesse sido necessário, ela o teria matado.

        – Prefiro não tê-la como inimiga, se eu puder evitar – o pirata respondeu. Sacudiu as correntes e completou: Aposto que você tem a chave deste cadeado.

        Segredo avaliou a situação. Por fim, falou:

        – Meu parceiro viu você e me viu lutando contra você.

        – Já não precisa de meu corpo... morto, pelo menos, pois já vimos que interesse em safadezas comigo, você tem. E não precisa que eu seja interrogado por sua mestra.

        – Com certeza – ela admitiu.

        – Em relação às safadezas, ou a eu não ser interrogado?

        – Cuidado, engraçadinho, ainda posso te matar.

        – Seja sincera. Não quer me matar. Você parou a lâmina da primeira espada na minha garganta e atacou com a segunda. Tivesse arrancado minha cabeça, de uma vez, eu estaria morto agora. Mas estava olhando em meus olhos e não teve coragem.

        – Está enganado. Se eu tivesse arrancado sua cabeça, você mal teria percebido. Só queria que você tivesse certeza de ter morrido e de que fui eu quem o matou. 

        – Hunf... ao menos você quis ser importante pra mim, de alguma forma. E, seja como for, se me matar agora, precisará justificar. O outro parecia no comando e a decisão dele foi de me entregar à sua mestra. Teria de explicar sua razão de me matar e poderia parecer suspeita. Se eu fugir, ninguém suspeitará de você. Se ele acreditou que entrei sozinho, vai acreditar que escapei sozinho.

        Segredo ponderou e lançou chave para Ônix. Caminhou em direção à porta, para se juntar ao outro mercenário. Antes de deixar o salão, porém, falou, sem olhar para trás:

        – Não leve o pergaminho e estamos quites. Se levá-lo, eu te encontrarei e ninguém me impedirá de matá-lo.

        – Querida, sei que adoraria uma desculpa para uma chance de me encontrar novamente, mesmo com a desculpa de me matar. A questão é: será que eu tenho interesse em revê-la? Vai ter de esperar pra descobrir, porque se continuar aqui, esperando pra ver o que farei, vai levantar suspeitas. Então... Hasta La vista, baby!

        Segredo não entendeu a última frase, mas entendeu o resto. Sorriu e deixou Ônix sozinho com o pergaminho.

        O pirata, livre do grilhão, olhou para a janela, por onde teria de escapar, e depois para o cofre. Passava a mão no pulso dolorido e não pôde conter um sorriso. Não sairia dali sem aquele item tão valioso, pelo qual se deixou ser preso, no dia anterior, apenas para chamar a atenção de um certo alguém, em busca de outro certo alguém para invadir o covil de uma certa guilda. O pirata, certamente, não sabia quem era essa pessoa, que o libertaria da prisão, e nem se ela o faria, com certeza; mas sabia que ela estava numa praça na qual ele fez um estardalhaço para garantir a possibilidade. Derrubou muitos soldados e precisou deixar a espada cair, após um malabarismo de provocação, para justificar sua captura. Os informantes eram bons e ela realmente estava lá, à procura de um espadachim eficiente. Ônix não sabia que seria uma garota e nem que seria uma traidora da própria guilda, mas são essas variáveis que tornavam sua vida de planos, um tanto quanto interessante. 

        O pirata abriu o cofre e pegou o pergaminho. Olhou para o símbolo gravado no couro. Era uma Ankh, cruz egípcia do passado esquecido de velho tempo. “Finalmente!”, pensou. Segredo iria caçá-lo? Com certeza. Iria achá-lo? Talvez. Matá-lo? Dificilmente. Ele a viu hesitar antes de ser impedida de matá-lo e Pedra-Negra sabia que qualquer pessoa que hesitasse em arrancar sua cabeça, mesmo que por um milésimo de segundo, só podia ser chamada de amiga.

        Enfiou o pergaminho no bolso e pulou para a janela.

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