Embarcando no Trem 76-WB

De um dia para o outro o tempo mudou drasticamente, saindo de uma noite quente para uma manhã fria e úmida.

Achei que naquela manhã eu poderia acordar com mais calma, ser servido na cama com um delicioso café da manhã pelo simples fato de que passaria os próximos meses longe de casa... Mas não foi bem assim que as coisas aconteceram. A minha irmã entrou no quarto e começou a bater duas panelas uma na outra enquanto a minha mãe gritava para nós nos vestirmos pois estávamos de saída. O resultado de tudo isso? Eu acordei desesperado pensando que o mundo estava acabando e a Elizabeth caiu da cama.

- O que vocês estão fazendo?! - Gritei para elas, que logo pararam com a baderna.

- Se esqueceram que hoje vocês irão para sua nova escola?! – Minha mãe perguntou com uma animação fora do normal.

- Tinha me esquecido disso... - Elizabeth respondeu enquanto se levantava do chão com a mão na cabeça – Acho que vai fazer um galo...

- Não se preocupe – Mary falou - daqui a pouco sara! Agora vão se trocar que o papai já está esperando lá embaixo! - Ela disse enquanto voltava a bater as panelas uma na outra novamente e saía do quarto, seguida pelo meu travesseiro que joguei em sua direção.

- Estou ficando com dor de cabeça! - Reclamei com a intenção de que ela parasse com aquele barulho.

- Maryane Hofirman! - Minha mãe gritou enquanto ia até ela atrás dela - Se você amassar as minhas panelas, eu vou te fazer desamassá-las com as próprias mãos!

- É - eu disse me colocando de pé lentamente - um dia novo, uma escola nova e uma vida nova!

- Apenas espero que essa vida nova não seja muito complicada de se viver! – Elizabeth respondeu indo em direção ao guarda-roupa, onde pegou as peças de roupas que iria usar para ir à estação de trem.

- Vou ir me trocar no banheiro - continuou ela - E você faça o favor de se trocar também viu? Não quero saber de você indo para uma escola nova de pijama!

- Sim, senhorita! - Eu disse batendo continência para ela, o que a fez dar risada.

Ela saiu do quarto carregando as roupas que iria usar. Após me espreguiçar de forma lenta e preguiçosa fui em direção ao guarda-roupa e peguei uma camiseta preta que eu amo, junto de uma calça jeans e uma blusa vermelha que usava com frequência, quando as coloquei sobre a cama eu percebi que acabava usando sempre as mesmas peças... Então decidi olhar no fundo das pilhas de roupas que estavam lá. Demorei um pouquinho, mas consegui achar uma calça de sarja preta, um suéter azul escuro, uma camisa social branca, um sobretudo que combinava com o suéter e, para complementar (e evitar um resfriado por causa do tempo frio), um cachecol preto. Faltava apenas o calçado, então me lembrei de que possuía um tênis marrom que nunca havia usado antes, ainda estava dentro da caixa embaixo da cama, até mesmo o cheiro de algo novo estava nele.

Não tinha de me preocupar em arrumar a minha mala agora, pois ontem antes de dormir eu fiz isso; minha mala já estava lá embaixo sobre o sofá, apenas esperando para ir direto ao bagageiro do carro.

Havia jogado as roupas que tinha separado sobre a cama e, por um momento, me perguntei se aquela combinação ficaria boa, mas como nunca me importei tanto com a moda então iria usar assim mesmo.

Me vesti, calcei o tênis e penteei o cabelo; ao me olhar no espelho que ficava na porta do guarda-roupa vi que realmente havia ficado bom, faltava apenas o cachecol que continuava em cima da cama. Fiquei me admirando por alguns segundos antes de ver através do reflexo no espelho que a Elizabeth estava parada à porta do quarto. Ao me virar percebi que estava mais linda que o normal, ela vestia um casaco preto com pequenas costuras em formas de floco de neve feitas à mão pela minha mãe nas mangas e na barra, botas marrons de frio e uma calça jeans; havia um cachecol branco enrolado de forma folgada em volta do seu pescoço que até mesmo parecia se fundir com seus cabelos tão brancos quanto.

- Nem parece o mesmo garoto - ela disse sorrindo.

- E você está tão bonita quanto todos os dias! - respondi me aproximando, parando apenas a alguns passos de distância dela.

Essa resposta fez com que ela corasse, eu a havia deixado sem graça; o que também me fez ficar sem graça. Para disfarçar ela tossiu e pegou o meu cachecol que estava na cama e o enrolou lentamente em volta do meu pescoço.

- Assim você não vai ficar doente... - ela concluiu o ajeitando em mim.

- Obrigado - respondi sorrindo - Pega a sua mala e vamos descer... Acho que eles já devem estar ficando impacientes!

- Minha mala já está lá embaixo - Elizabeth respondeu enquanto saia do quarto.

Ainda não conseguia acreditar que alguém teve coragem para amaldiçoá-la. "Não teve nem mesmo como se defender..." pensei comigo mesmo. "Fox Yaga...", tenho certeza de já ter escutado aquele nome em algum lugar, ou pelo menos parte dele... Estava tentando não me preocupar com isso, mas não conseguia; algo dentro de mim não deixava de pensar que um dia eu iria perdê-la!

- O que você está fazendo?! - Elizabeth me perguntou voltando para o quarto - Seus pais estão nos esperando! - ela falou enquanto me puxava pela mão e levava direto a sala de estar.

Como ela disse, meus pais já estavam nos esperando.

- Até que enfim! - Minha mãe falou - Já são oito e quarenta! Sorte de vocês que o trem só sai daqui há uma hora e vinte minutos!

- Já que temos tempo sobrando - interrompeu meu pai - Neri! Quero falar com você!

Aquela frase me surpreendeu; não sabia o que ele iria falar, mas sabia que ele era mais esperto do que eu pensava!

- Ótima ideia! – Mary falou - De qualquer forma, mamãe e eu temos de falar com a Elizabeth!

- Eu? - Ela perguntou surpresa.

- Sim, você - minha mãe respondeu - Venha! Vamos à biblioteca.

Eu sei que não é algo muito normal, mas na minha casa tínhamos uma biblioteca, não grande o suficiente para ter mais de mil livros, mas era uma biblioteca bem razoável. As três se dirigiram para lá, deixando meu pai e eu sozinhos na sala.

Ponto de vista de Elizabeth Neve

- Muito bem Elizabeth - a senhora Hofirman falou enquanto fechava a porta da biblioteca.

A biblioteca da família Hofirman não era algo de se impressionar, mas era um dos meus locais favoritos da casa deles. Ela era aconchegante e sempre tinha um clima frio, o que fazia com que eu e o Neri passássemos grande parte do verão lá dentro conversando e matando o tempo com jogos de cartas e tabuleiro.

Era um lugar um pouco maior do que a sala de estar deles, com três prateleiras repletas de livros em três das quatro paredes, uma janela grande em paralelo com a porta e duas poltronas na frente das prateleiras, para dar um toque de "escritório" tinha também uma escrivaninha embaixo da janela, com uma luminária, alguns livros e papéis espalhados sobre ela.

- Gostaria de te dar algo antes de vocês irem para WallBright... – ela concluiu me olhando.

- Um presente?! - Perguntei animada.

O fato de eu nunca ter tido nem minha mãe ou meu pai por perto fez com que até os meus sete anos eu não houvesse recebido nenhum presente. O primeiro que eu ganhei foi no dia que conheci o Neri, a Mary quem me deu, era um vestido vermelho que ela usava quando pequena. E assim foi até o momento, todos (e únicos) presentes que eu ganhei até hoje foram os Hofirman que haviam me dado, e por isso, sempre que um deles me dava algo eu ficava muito feliz e grata.

- É sim Elizabeth - a senhora Hofirman respondeu sorrindo - é um presente. Eu só tenho que lembrar onde eu deixei... - ela concluiu enquanto olhava ao redor coçando a cabeça.

- O que é?! - Questionei curiosa tentando controlar a minha animação.

- É incrível como em oito anos você não mudou nada... – Mary disse rindo enquanto me olhava, mas... Aquela não era a mesma risada que eu estava acostumada a ouvir... Ela parecia abatida com algo, o que fez com que eu a olhasse fixamente por alguns segundos.

- Achei! - A senhora Hofirman comemorou enquanto levantava uma caixa empoeirada.

- Uma caixa? - Eu perguntei sem a mesma animação de antes.

- Claro, Elizabeth... – ela me respondeu estreitando os olhos – Com certeza eu vou te dar uma caixa velha sem utilidade...

- Tudo bem! Acho que já deu para perceber que o presente não é a caixa, não é? – Mary interrompeu pegando o objeto das mãos da mãe e entregando para mim – Abre aí!

Com cuidado eu coloquei a caixa sobre a escrivaninha e desamarrei o fino cordão que segurava a tampa. Lá dentro estava um livro com uma aparência tão velha quanto à própria caixa que o guardava, a capa parecia ser feita com um couro bem grosso, mas estava remendada com várias partes diferentes com linhas tão grossas que fez eu me questionar qual seria o tamanho da agulha usada para fazer aquilo, ele não parecia ter mais de quatrocentas folhas, mas era grande.

- O Grande Livro das Coisas... - a senhora Hofirman falou baixinho enquanto olhava com admiração para o livro.

- O Grande o que? - Perguntei confusa.

- O Grande Livro das Coisas! – Mary repetiu enquanto se aproximava de mim e passava um de seus braços por cima dos meus ombros - O livro que sabe tudo, sobre tudo e todos! Sinta-se honrada Elizabeth, ela não quis dar isso nem mesmo para mim.

- Você já sabe o suficiente. Eles estão iniciando o mundo sobrenatural agora, irão precisar de ajuda... - a senhora Hofirman respondeu enquanto pegava o livro de dentro da caixa e o estendia em minha direção.

- Tem certeza que quer deixar algo tão importante comigo? - Perguntei receosa.

- Vai por mim, vocês irão precisar dele... E bem... O Neri também não sabe muito sobre esse "novo mundo", não é? - Ela respondeu enquanto aproximava mais o livro de mim.

Por um momento eu hesitei, "Um livro que sabe tudo, sobre tudo e todos..." pensei comigo mesma. Se aquilo fosse verdade (e eu acreditava que era mesmo), como que uma adolescente de quinze anos poderia ter algo como aquilo em mãos?! "O Neri também não sabe muito sobre esse novo mundo, não é?", me lembrei do que a senhora Hofirman havia acabado de me dizer. Ela tinha razão, eu não era a única que não sabia bem onde estava me metendo... "Ele precisa de mim tanto quanto eu preciso dele..." pensei. Certo! Não era apenas por mim, então eu estendi as mãos e peguei o livro que a senhora Hofirman segurava.

Ele era pesado, mais pesado do que aparentava ser!

- Quando quiser saber de algo, basta abri-lo e fazer uma pergunta - Mary disse se afastando de mim e parando ao lado da mãe - Assim que a pergunta for feita, as respostas aparecerão como mágica!

- Obrigada pelo presente... - agradeci enquanto abraçava o livro e sorria para elas.

Após aquela frase, um silêncio tomou conta da biblioteca, e, por alguns segundos, ficamos lá paradas, nos olhando. Mas logo aquilo iria se tornar um momento constrangedor, pois ninguém disse uma única palavra naquele meio tempo.

- Acho que é melhor nós irmos, não é? – Mary irrompeu no meio do silêncio.

- Sim! Isso! Vamos! - A senhora Hofirman concordou enquanto se virava e abria a porta da biblioteca.

- É... Está na hora de vocês irem... – Mary falou baixinho enquanto saia da biblioteca.

Não conseguia entender o porquê, mas sentia certa angústia vindo dela. Aquela última frase me pareceu mais como um "Adeus" do que um "Até logo". Tentaria não pensar nisso por enquanto já que teria tempo suficiente para falar com ela quando as férias começassem, então juntamente com as duas eu saí da biblioteca para nos encontrarmos com o Neri e o senhor Hofirman na sala de estar.

Ponto de vista de Neri Hofirman

Quando elas saíram da sala o meu pai se sentou no sofá e fez um sinal para eu fazer o mesmo.

- Você sabe sobre a Maldição, não é? – Ele perguntou com um olhar sereno quando eu me sentei na poltrona mais próxima.

É, meu pai realmente era mais esperto do que eu imaginava, sabia que ele não deixaria escapar a minha frase no quarto.

Desde que eu era pequeno, nunca consegui esconder nada dele, nem eu, nem a Elizabeth, nem ninguém. Mas por mais que tentássemos mentir e ele soubesse toda a verdade, ele nunca brigava conosco.

Ele sempre se mantém calmo e paciente como era em todos os momentos, nos convencendo de que dizer a verdade era a melhor opção. E naquele momento ele sabia da verdade, então não adiantaria eu mentir.

- Sim pai, eu sei sobre a Maldição...

- O quanto você sabe? - Ele estava sério.

- Não sei as palavras da Maldição em si - respondi com o coração angustiado - Mas sei que um dia a Elizabeth vai morrer por causa dela...

- Você também sabe sobre seu poder?

- Sei sim... – respondi cerrando os punhos, sabendo que era algo importante.

- Se você nos escutou, então sabe que o seu poder não é qualquer poder, certo? - Ele me questionou.

- Certo...

- Eu não quero saber de você usando esse poder em sua totalidade por enquanto, ouviu? – Ele mudou o tom de voz, parecia preocupado – Não temos a menor ideia de como esse poder foi parar em alguém da nossa família ou o que exatamente é esse dom... – Ele se inclinou em minha direção – Então não o use de forma descuidada!

- Sim senhor! – Falei tentando guardar cada palavra que ele dizia, já que aquilo era assustador para mim também.

- Tudo bem então... - ele falou colocando a mão na cabeça - O que você pretende fazer com relação à Maldição?

- Prometi ao senhor Neve que cuidaria da Elizabeth... Mas... - Tentei concluir minha fala naquele momento, mas o pensamento de que um dia poderia perdê-la era angustiante demais para mim...

Ele respirou fundo.

- Você não será capaz de protegê-la para sempre, Neri - Eu sabia que não conseguiria protegê-la a todo momento, mas quando ele disse isso foi como se um sino soasse dentro de mim - Você nunca se perguntou o porquê de eu sempre saber de tudo?

- Bem - respondi meio incerto - Depois de descobrir tudo isso sobre a nossa família; acho que esse deve ser o seu poder, não é?

Ele riu de um jeito sem graça.

- O dia que você descobrir tudo sobre a nossa família ficará chocado... Mas sim, esse é mais ou menos o meu poder. Ele é chamado de Visum, um poder que me permite ter visões quando eu quiser, e às vezes até mesmo sem querer... Confesso que existem visões que eu desejo esquecer... Futuros que eu não queria ter conhecido...

Não entendia, se a nossa família era responsável por proteger o mundo místico, como algumas visões eram capazes de fazer isso? Não estava menosprezando o poder do meu pai, até porque, parecia algo incrível! Mas não entendia como ele seria útil em um campo de batalha.

- Antes de levar vocês para a estação de trem, existe algo que você precisa saber! - Ele disse se colocando de pé - Eu, sua mãe, sua irmã e você... Nós não somos os únicos da família Hofirman que existem... Não se engane, Neri, nem todos possuem um coração bom como você!

E com aquela frase ele encerrou a nossa conversa segundos antes da minha mãe voltar com as meninas.

- Muito bem - ela disse - Já falamos com a Elizabeth! Vocês podem ir agora.

- Só de pensar que não vamos voltar para casa até as férias me dá uma tristeza - falei enquanto me colocava de pé e abraçava a minha mãe.

- Vamos sentir saudades também! - Ela respondeu enquanto retribuía o abraço.

- Se você morrer em um dos treinos, eu posso ficar com seu quarto, né?! – Mary perguntou enquanto bagunçava levemente meus cabelos.

- Não mesmo! Mas se eu morrer, venho te assombrar durante a noite, sua tonta! Assim não vai sentir falta do seu irmãozinho aqui! – Respondi rindo.

Após nos despedirmos da minha mãe e da Mary, meu pai pegou nossas malas e as colocou no bagageiro do carro.

Elizabeth e eu entramos e nos acomodamos em nossos lugares, com ela sentada no banco traseiro e eu no do passageiro, onde permanecemos esperando meu pai terminar de conversar com a minha mãe. Eu já havia reparado antes, mas não quis perguntar logo de cara, quando a Elizabeth voltou da biblioteca pude ver que ela carregava um livro nas mãos, um livro velho e desgastado. Elizabeth e eu sempre brincamos na biblioteca, mas nunca havia visto aquele livro por lá... De onde a minha mãe tirou aquela coisa?! Diretamente do século XVII?!

- Minha mãe quem te deu esse livro? - Perguntei olhando pelo retrovisor.

- Sim - ela respondeu enquanto admirava o livro - É algo que vai nos ajudar a responder às nossas perguntas.

- Hã? – Falei mostrando minha clara falta de entendimento quanto aquilo.

- Eu te explico quando chegarmos na cabine onde ficaremos no trem! - ela respondeu sorrindo.

Meu pai entrou no carro, ele parecia animado, não sabia se era porque estava nos levando para uma escola nova ou se era porque iria se livrar da gente até as férias.

Passamos quase a viagem toda dentro do carro com o meu pai falando sobre como o capitão do seu time favorito era um péssimo capitão e que até o narrador do jogo faria um trabalho melhor que ele.

- Que tipo de escola é WallBright? - Elizabeth interrompeu antes dele continuar a reclamação (prometi para mim mesmo que agradeceria a ela mais tarde por aquilo).

- WallBright? - Ele perguntou como um computador velho que acabou de ligar e está tentando processar as informações - Ah! Sim! WallBright é umas das Sete Grandes Escolas do mundo sobrenatural! Vocês têm sorte de ir para lá!

- Mas como fomos matriculados em WallBright? - Questionei - Não fizemos nenhum tipo de exame.

- Eu sei - meu pai respondeu - Cada uma das Sete Grandes Escolas possuem um jeito de escolher seus alunos. WallBright os escolhem assim que seus poderes despertam, mas eles têm o direito de ir ou não; porém são poucos os que rejeitam o convite!

- Por que a Mary não foi para lá? - Perguntou Elizabeth.

- Ela não quis... – ele fez uma pausa - E mesmo que quisesse, não havia necessidade dela ir. Maryane sempre foi um prodígio no uso e controle de seus poderes! E sem contar que... Mesmo que sempre soubesse da nossa importância para o mundo sobrenatural, desde pequena ela quis ter uma vida normal, sabe? Conhecer alguém especial e viver ao lado dessa pessoa, conquistar as próprias coisas com esforço... Não a julgo por isso, a vida de um Hofirman é muito mais complicada do que parece...

- Complicada quanto? - Perguntei curioso quanto a resposta.

- Você vai entender depois – Ele respondeu enquanto estacionava na frente da estação de trem - Chegamos!

Olhei pela janela e pude ver a estação onde pegaríamos o trem para ir a WallBright, não era muito de se impressionar, era pequena e simples, com os banheiros e a bilheteria do lado de fora. Mas mesmo sendo simples era bem movimentada, acho era exatamente por isso que o trem que nos levaria para WallBright estava lá, pelo menos não chamaria tanta atenção.

Saímos do carro e fui com o meu pai pegar as malas no bagageiro, Elizabeth colocou a dela sobre o capô e guardou lá dentro o livro que minha mãe havia lhe dado; meu pai me deu dois tickets bem estranhos, eles eram grandes, se pareciam com cédulas preta e branca, mas ao invés de ter o rosto de algum presidente estampado havia as letras WB no meio de um brasão no centro e palavras que não conseguia entender.

- Essas são suas passagens - meu pai falou - Quando forem entrar no trem, as apresentem ao homem que estará na porta.

- Como vamos saber qual trem é? - Questionei.

- Você vai saber assim que o vê-lo, é um trem meio peculiar para essa época - ele respondeu sorrindo.

"Você vai saber", "Você vai descobrir", "Te falo depois". Acho que já havia escutado tanto essas frases nos últimos dias que até perdi a conta... Eles não podiam responder às minhas perguntas sem fazer esse suspense chato?!

Elizabeth se aproximou de nós quando meu pai a chamou e disse que precisava falar conosco.

- Antes de entrarem naquele trem; preciso que saibam que no mundo para onde vocês estão indo, nossos sobrenomes tem uma autoridade fora do comum... - seu tom de voz havia mudado, ele estava sério sobre o que falava – É necessário que tomem muito cuidado com as pessoas que estiverem ao redor de vocês...

- Não se preocupe, pai - respondi - Sempre teremos um ao outro, não é? - Falei enquanto olhava para a Elizabeth, que me retribuiu com um lindo sorriso.

Olhei para o meu pai por um momento, sinto que ainda havia algo que tinha de perguntar para ele antes de embarcar em um mundo diferente e desconhecido para mim.

- Pai – comecei – Por que... Por que vocês esconderam isso por tanto tempo ?

Ele me olhou de maneira fixa antes de soltar uma leve risada abafada.

- Eu esperava que vocês só embarcassem naquele trem sem ter de responder a essa pergunta... – sua pausa naquele momento me mostrava claramente que ele selecionava suas palavras com muito cuidado – Nesses últimos 15 anos, o Jack, sua mãe e eu demos cada gota do nosso sangue e suor na tentativa dar a vocês dois uma vida normal... – ele suspirou – Achamos que conseguiríamos acabar com pelo menos a maior parte dos conflitos que afligem os sobrenaturais, mas isso não foi possível... Até mesmo esqueci a quantidade de vezes que me tranquei em meu escritório tentando criar estratégias e planos que impediriam esses conflitos! – Ele riu colocando a mão no rosto – Mas... Tudo indica que estamos nos encaminhando para a pior guerra desde que os nifons pisaram neste mundo... Nós acreditamos até os últimos segundos que conseguiríamos não envolver vocês nisso tudo... Achamos que conseguiríamos fazer com que vocês crescessem como crianças e jovens normais... O Jack mais do que ninguém desejava isso! – pude ver os seus olhos passarem pela Elizabeth rapidamente – Não se passou um único dia em que ele não tentasse achar uma solução para um problema que poderia vir atrapalhar vocês quando crescessem...

Senti que naquele momento ele se referia claramente a maldição da Elizabeth.

- E ele conseguiu? – Elizabeth perguntou baixinho.

- Não, Elizabeth... Ele não conseguiu... – meu pai respondeu mostrando sua angustia em suas palavras – Existem coisas que estão fora do alcance até mesmo dos mais poderosos! - pude ver a Elizabeth pressionar os lábios - Mas vão lá! O trem saí daqui quinze minutos!

Nós nos despedimos dele, peguei as nossas malas e entramos na estação. Em comparação com o lado de fora, o interior era mais "moderno" e também parecia bem maior, algumas das pessoas lá pareciam estar com pressa e outras perdidas (o que incluía Elizabeth e eu, já que devia ter uns quatro trens parados lá e não sabíamos qual era o nosso). Colocamos as malas em um dos bancos que estavam disponíveis e nos sentamos para tentar pensar.

- Por que não perguntamos para um dos seguranças onde fica o trem? - Elizabeth me questionou.

Não sei se ela estava sendo muito inocente ou não pensou direito. Não acho que chegar para um dos seguranças da estação e perguntar "Onde fica o trem que nos leva a uma escola mágica?" Seria uma boa opção. Pensei por alguns segundos em como seria a melhor maneira de respondê-la; então decidi a deixar fazer da sua maneira.

- Sinta-se à vontade para falar com um deles - respondi.

Ela se levantou do banco onde estávamos sentados e dirigiu o olhar à procura de um dos seguranças, quando avistou um que parecia andar em ziguezague pela estação, ela foi em sua direção para falar com ele. Ao se aproximar dele, não pude escutar o que ela perguntou, mas pela expressão que se formou no rosto do segurança creio que foi algo absurdo de se ouvir já que ele parecia incrédulo, para logo em seguida cair na gargalhada. Ele fez um sinal com a mão para que a Elizabeth fosse embora; ela voltou até mim com uma cara de desapontamento.

- Deu certo? - Perguntei ironicamente.

- Não - Ela respondeu baixinho.

- O que você perguntou para ele?

- Se ele sabia onde ficava o trem que nos levava para WallBright... - ela respondeu se sentando ao meu lado

- E?

- Ele perguntou o que era WallBright; aí respondi que era uma escola mágica e que o trem para nos levar até lá estava nessa estação.

- Aí ele desacreditou de você e começou a dar risada, certo?

- Ah! - Ela reclamou cruzando os braços - Ele não sabe de nada mesmo!

Enquanto me apoiava nos próprios braços e observava os tickets para ver se achava uma pista sobre qual era o nosso trem, pude escutar duas vozes perto de nós dois, pareciam estar discutindo bem baixinho. Quando olhei para a esquerda pude ver duas figuras encapuzadas de pé ao lado do banco onde estávamos sentados, Elizabeth e eu nos entreolhamos, até que a menor se virou lentamente para nós e perguntou de maneira tímida:

- Você é uma Neve?

Aparentemente ela era do mesmo tamanho que a Elizabeth, sua pele branca estava inundada por sardas, um cabelo ruivo cheio de cachos vazava pelos cantos da touca do moletom que cobria sua cabeça, sua calça parecia meio surrada e seus tênis (ou o que mais parecia ser botas de couro) estavam sujos de barro.

- Mical! - Retrucou aquele que estava ao seu lado - Não incomode a moça!

Ele era mais alto que ela e parecia vestir o mesmo tipo de roupa que a garota, mas além da touca, ele também usava um boné para cobrir a cabeça. Seus cabelos eram curtos, mas dava para ver que também eram ruivos e seu rosto tinha tantas sardas quanto o da garota.

- Eu tenho que saber disso! - Ela cochichou.

- Você acha mesmo que vai encontrar um Neve por aí assim?!

- E daí? Ainda tenho esperanças! - Ela retrucou cruzando os braços.

- Se você está perguntando se eu sou da Família Neve - Elizabeth interrompeu com um sorriso - Sim, eu sou da Família Neve!

Os olhos da garota brilharam e ela esbanjou um sorriso com dentes tão brancos que pareciam reluzir.

- Meu nome é Elizabeth - ela falou se colocando de pé e estendendo a mão - Elizabeth Neve!

Ela olhou a mão da Elizabeth, por um momento pareceu hesitar em segurá-la.

- Você... Não se importa? - A garota perguntou.

- Claro que não!

- Mas... nós...

- Anda logo! - Elizabeth falou apertando a mão dela.

- Vocês não sabem quem nós somos...? - O garoto perguntou enquanto a garota se colocava atrás dele, parecia estar com medo.

- Somos novos nesse meio mágico - respondi me colocando de pé entendendo que eles não eram simples humanos - E justamente por isso precisamos de ajuda!

- Vocês conhecem minha família, então devem saber onde fica o trem que nos leva para WallBright - concluiu Elizabeth.

- WallBright? - Perguntou a garota - Eu sei! Venham! - Ela disse enquanto saía correndo.

- Mical! Espera! - O garoto gritou enquanto corria atrás dela.

- Parece que achamos o caminho agora - falei olhando para Elizabeth.

- Parece que sim... - ela sorriu enquanto andava em direção aos dois que saíram correndo -Vamos! Daqui a pouco o trem vai partir!

Acho que ela se daria bem nesse novo mundo, mas não poderia me esquecer daquilo que o meu pai disse, teríamos que tomar cuidado com aqueles que estivessem à nossa volta. Peguei as nossas malas e também fui atrás dos dois. Eles nos levaram até um trem com uma aparência comum, nada de "peculiar" como o meu pai disse.

- Mas... É esse o trem? - Perguntei para eles, que confirmaram com a cabeça - Certeza? Não tem nada demais nele...

- Ah! Sim! - Disse o garoto - As suas passagens! O segredo está nas passagens!

"Nas passagens?" Pensei enquanto colocava as malas no chão e enfiava a mão no bolso para pegar os tickets que meu pai nos deu; ao tirá-los do bolso percorri meus olhos pelos bilhetes para ver se achava algo diferente, mas nada havia mudado.

- Tem certe-

Não completei a frase pois me surpreendi com o que via na minha frente. O trem que estava lá antes tinha desaparecido e dado lugar a algo mais antigo, um velho e grande trem negro movido a vapor, ao seu lado estava uma placa dourada mostrando sua numeração, 76-WB.

- O que foi? - Elizabeth perguntou confusa.

- Toma...

Dei o bilhete para ela ainda boquiaberto, que ficou tão surpresa quanto eu quando viu aquele trem.

- Feitiço de camuflagem - a garota falou com orgulho - Somente quem tem as passagens não são afetados!

- Vocês também vão para WallBright? - Perguntei para os dois ainda me recompondo da surpresa.

- Sim - respondeu o garoto meio desanimado - Mas não creio que vamos nos dar bem lá...

- Por que? - Perguntei sem entender. Meu pai havia dito que WallBright era uma das escolas mais prestigiadas do mundo sobrenatural, então por que ele acha que não se dariam bem lá?

- Vocês realmente não sabem quem somos? - A garota perguntou levantando a sobrancelha.

- Como o Neri disse antes – Elizabeth falou - Somos novos nesse mundo sobrenatural do qual vocês fazem parte.

- Somos Alex e Mical Wastly - respondeu o garoto - Somos irmãos gêmeos, sou o mais velho e ela a mais nova... Sabemos que ela é uma Neve, mas quem é você? - Ele me perguntou visivelmente curioso - Alguém da família Neve não anda com qualquer um...

- Eu sou Neri Hofirman - respondi sorrindo estendendo a mão - Prazer em conhecê-los!

Não entendi com clareza o que havia acontecido no momento, mas pude ver um pânico tomar conta dos olhos deles.

- Está tudo bem? – Perguntei dando um passo em direção a eles, que responderam dando um passo vacilante para trás. Naquele momento eu me lembrei do que meu pai havia me dito sobre não sermos os únicos Hofirman por aí, então... Será que... A minha família não tinha uma fama tão boa como eu esperava? Não sei o que pode ter ocorrido entre os Hofirman e eles ou qualquer outro, mas não pareceu ser coisa boa. O clima havia mudado, uma tensão tomou conta do ar, sei que a Elizabeth tinha percebido a tensão tanto quanto eu; por isso ela tentou intervir.

- É... Então... Vocês vão embarcar também?

- S-sim - Alex respondeu sem graça enquanto puxava a irmã em direção à entrada do trem - Mas estamos com pressa... Então... A gente... Já vai! Tchau! - Ele correu em direção a porta de entrada do trem puxando a Mical pelo braço.

Ela havia parado, surpreendendo Alex e a mim também, seus olhos focaram nos meus, eles mostravam um medo fora do comum, mesmo sem saber o que havia acontecido me senti culpado. Alex cochichou algo em seu ouvido, o que a fez abaixar a cabeça e ir para dentro do trem com ele.

- O que sua família fez com eles? - Elizabeth me perguntou sem entender.

- Não tenho a menor ideia... - respondi sério - Mas tenho que descobrir...

- Melhor a gente entrar, não é? Vamos esquecer o que aconteceu aqui por enquanto - ela falou pegando a sua mala e entrelaçando seu braço no meu.

Mais uma vez ela me mostrou um sorriso que conseguia mexer comigo.

- Tudo bem - falei retribuindo o sorriso - Vamos entrar!

Nos dirigimos até a porta do trem e nos preparamos para entrar. Pensei que não iria mais me surpreender com nada naquele dia, mas tanto eu quanto a Elizabeth ficamos pasmos ao entrar no trem 76-WB.

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