02. O Flagrante

Na conversa que tiveram dona Sandra exigiu explicações ao filho por estar sendo acusado de sequestro:

— Como chegou até aqui?

— Eu fugi do presídio com um amigo

— E desde quando bandido é amigo de alguém

— É só o jeito de falar

— Tenho trabalhado como uma condenada estes anos todos para evitar que você e seus irmãos se envolvessem no meio dessas bandidagens e olha no que resultou, hoje vejo meu filho mais velho metido com sequestro

 — Desculpa, Coroa, por te envergonhar, mas Deus sabe que fiz isso por uma boa causa

 — Boa causa, Pedro? E existe boa causa que leve alguém a cometer crimes?

 — Claro que sim, salvar a vida da própria mãe é uma delas

 — Do que você está falando?

 — Coroa, os médicos no hospital disseram que a senhora estava muito mal e precisava ser transferida com urgência para uma clínica especializada ou morreria, eu corri para tudo quanto foi lado, bati na porta de todos que conhecia e nada.

 Ninguém pôde ou não quis me ajudar. O único que quis fazer alguma coisa meu favor foi Ligeirinho

 — Nossa, filho, aquele criminoso?

 — E o que a senhora queria que eu fizesse, lhe deixasse morrer?

 — Quem sabe tivesse chegado minha hora, deixasse acontecer, mas não se envolvesse com aquele bandido!

 — Bom, agora é tarde para ficar me dando bronca, já me ferrei mesmo

 — Eu estou bem, agora vai procurar te esconder em algum lugar para evitar que peguem, porque não vai para Santos ficar uns tempos com Maria, ela é sozinha e precisa de companhia

 — Verdade, Coroa, não tinha pensado nisso, mas, será que depois disso tudo ela ainda vai querer me receber na casa dela

 — Sua tia é uma mulher idosa, sempre viveu isolada do resto do mundo e com certeza nem sabe ainda do que ocorreu por aqui

 — Está bem, vou até lá ver como ficam as coisas

 No mesmo instante em que deixa o hospital Pedro pega o ônibus em direção a cidade paulista, usando uns trocados que Diarubu deu a ele para se virar. Maria era a irmã mais velha de sua mãe e escolheu o isolamento num pequeno sítio, localizado fora do centro urbano.

 Lugar ideal para se esconder da polícia que a esta altura já deve estar a sua procura. Foi bem recebido pela tia que a muitos anos não lhe via, pouco sabia sobre ele e seus irmãos. Indagou sobre a irmã e nem estava ciente da morte do cunhado, de quem nunca gostou por conta da vida bandida que levou.

Bem, ali estava uma grande razão para ficar no anonimato e não deixar ela consciente do que havia lhe acontecido, pois jamais aceitaria em casa um criminoso. A explicação dada foi que procurava melhores oportunidades trabalho de trabalho, e ela concordou em que ficasse.  Na realidade, tornou-se impossível arranjar trabalho depois da prisão e agora ter se tornado um fugitivo, o jeito era trabalhar.

Fazendo biscates aqui e acolá, esperando as coisas melhorarem. Depois de andar bastante pelas redondezas achou uma vaga como entregador na pizzaria. No estabelecimento de um velho mesquinho ao ponto de não oferecer trabalho sem carteira assinada, só na base dos biscates.

Como não tinha qualquer outra perspectiva, aceitou na hora. Uma semana depois recebe a missão de ir até a principal avenida da cidade, que recebe cinco nomes diferentes a cada quilômetro andado. Por não conhecer bem o lugar a moça que organiza as entregas, explica:

 — Da divisa com São Vicente até a Av. Ana Costa, você está na Av. Presidente Wilson. A partir daí, passa para a Av. Vicente de Carvalho. Ao chegar no Boqueirão (Av. Conselheiro Nébias), seu passeio continua na Av. Bartolomeu de Gusmão que dá espaço para a Av. Almirante Saldanha da Gama próximo ao Museu do Mar, que passa por trás do Aquário e deixa a orla com a Av. Dr. Samuel Augusto, que é seu destino final! Entendeu, garoto?

 — Para seu governo, não sou nenhum garoto!

Complicado, mas não impossível, ele sobe na moto e parte para fazer a entrega, tem habilitação e agradecia a Deus que tinha deixado em casa na passagem para o morro no dia do sequestro e ao ser preso nenhum documento estava com ele.

A residência onde deveria fazer a entrega estava localizada em plena avenida, de frente para o mar, no vigésimo sexto andar. Detesta elevadores, mas não tinha outra saída, se for pelas escadas a pizza chega fria ao cliente, além do cansaço terrível nas pernas. Alguns minutos e a porta do elevador se abre, bem em frente é o número descrito na nota de entrega. Que bom, não precisaria sair procurando pelo corredor.

 Ao apertar a campainha a porta se abre e surge uma personagem inesperada, que ele jamais imaginou rever tão cedo. Em sua frente estava a linda moça de olhos amarelos. Com seus cabelos castanhos e ondulados, de pele aveludada. Fica paralisado, muitos pensamentos passando pela cabeça, e agora se ela ligasse para a polícia e o denunciasse?  

Ela, por sua vez, também o reconhece e toma um grande susto, pensou na hipótese de ser um novo sequestro, queria fechar a porta e sair correndo para o interior do luxuoso apartamento e avisar que tinha um sequestrador na porta. Que ele estava querendo lhe raptar. Mas uma força inexplicável a prendia no mesmo lugar, ela não conseguia se mover, sair do lugar.

 Só queria ficar parada diante daquele olhar sério que ela tanto aprendeu a admirar. Luana morava no Rio, mas foi passar uns dias na casa da tia.  Na cidade santista para tentar esquecer tudo o que havia vivido tempos atrás. A ideia era ficar por lá apenas um pequeno período.

 Mas gostou tanto da companhia da tia e da prima Ana que decidiu transferir a faculdade e continuar morando em Santos até concluir os estudos

. Diante de todo o trauma sofrido pela filha, seus pais não se se opuseram a essa decisão. Mas, como se vê, tudo é parte dos planos do destino para que eles novamente se reencontrassem e começassem a viver uma nova história.

 Os dois permanecem paralisados diante um do outro por alguns instantes, seus olhares cegam e não lhes permitem perceber mais nada ao redor. Ele está preso dentro do olhar daquela menina por quem desde o primeiro momento em que a viu sentiu-se apaixonado.

 Mesmo em circunstâncias tão contraditórias ele não conseguia esquecer aqueles olhos amarelados, colados ao seu na hora em que tentava forçá-la a falar seu nome.  Pressionando-a na parede, momento em que ferozmente ela lhe chutou e ele a machucou o braço.

 Ela, por sua vez, lembrava da hora em que o policial lhe tirou a máscara e ela pôde perceber de quem se tratava. Viu que era o rapaz que lia jornais todas as manhãs, aquele por quem ela tanto suspirou conhecer e trocar com ele algumas palavras.

Estes pensamentos duram só alguns segundos, ele entregou a ela a caixa com a pizza e recebeu o valor correspondente.  Logo chega Ana e corta o clima, eles são impelidos a voltarem à realidade. Luana agradece com uma voz delicada, meiga, como o soprar mais suave de uma brisa faceira nas manhãs de primavera. Em seguida fecha a porta lentamente, a fim de que ele se vá, pois parecia imobilizado na sua frente.

 De fato, o recuo dela o despertou, que desceu e retornou ao trabalho, mas sem conseguir acreditar no que viu. Ana era bem mais jovem, mas não era boba e percebe tudo, e não para de fazer perguntas:

 — Que clima estranho foi aquele entre você e o entregador de pizza, Luana?

 — Que clima?

 — Pensa que não percebi?

Quando me aproximei vocês pareciam estar congelados na frente um do outro

 — Impressão sua, prima

 — Pare de tentar me enrolar, Luana, não sou mais nenhuma criança!

 — Se realmente não é, então pare de agir como se fosse

 — Me fale logo, prima, de onde vocês se conhecem?

 — Pode me explicar o porquê de tanta curiosidade?

 — É estranho que em tão pouco tempo aqui conheça um entregador de pizza tão lindo

 — E porque não?

 — Porque ele nunca veio entregar pizza aqui e você só sai com a gente, não tem nenhuma amizade lá fora, com estranhos

 — Não o conheço e fim de papo, vamos esquecer essa conversa!

 Luana evita deixar Ana a par destas verdades sobre ela e o aquele que de certa maneira ainda é um desconhecido, porque não sabe ao certo se ainda cruzará seu caminho.

 E, mesmo que tal coincidência aconteça não tem ideia do que possa acontecer, sabe apenas que definitivamente está envolvida demais, ele não sai de seus pensamentos, parece mesmo apaixonada.

Enquanto isso, Pedro passa o dia no trabalho e a cada nova entrega tem a nítida impressão de que ao se abrir a porta será ela que o atenderá.  A noite vem e com ela a solidão entre quatro paredes, na casa da tia não tinha nada com o que se distrair, nem TV, som, computadores ou celular, e no momento lhe faltavam condições para comprar algum desses objetos.

O jeito era jantar sozinho, pois sua tia costumava dormir cedo, e em seguida tentar apagar na cama depois de um dia exausto. O apartamento estava localizado no vigésimo andar do Palace, um empreendimento de trinta andares, a área mais nobre da cidade.  Do alto se podia ver o mar e brisa faceira da noite soprando fortemente seus cabelos, através da janela aberta de seu quarto. Olhando para baixo ver carros e pessoas em miniaturas, caminhando pelo calçadão, passando na avenida iluminada.

Geralmente aos finais de semana elas descem e se misturam no meio da multidão, gosta de estar ali porque lhe inspira a escrever seus poemas, já tem um livro quase pronto e pretende publicar em breve.  Agora que começou a viver sua primeira paixão fica mais fácil escrevê-las. Durante o sono volta a reviver o pesadelo do sequestro, foi transportada num sonho para o momento em que a quadrilha invade o sítio e a leva refém. Toda a trajetória percorrida até a favela da qual muitas vezes ouviu sua mãe dizer que lá não moram pessoas de bem. A morte a sangue frio daqueles homens bem a sua frente e a rendição do sequestrador. Este pesadelo passou a fazer parte de seu dia a dia.

Sonhava toda noite as mesmas coisas, virou uma psicose que nem as constantes visitas ao psicólogo deu jeito, por essa razão estaria ali, tentando superar tudo aquilo. Os pais e o irmão caçula lhe visitavam periodicamente e recebia apoio dos amigos que conquistou na faculdade, os momentos de terror pelo menos a fizeram amadurecer e ver que precisava de interagir. Ele não consegui dormir direito. Recordações preenchiam sua mente. E, quando o sono chegava se transformaram em pesadelos.

Reviveu toda a ação do sequestro, as mortes que praticou, via Luana sendo levada a força e as ameaças de morte que lhe foram feitas por Negro Breu. A briga que tiveram e o instante em que fez uso da arma de Ligeirinho para matar a ele e seus comparsas e depois se render. Acorda ofegante, levanta, bebe água e retorna a cama, em poucos minutos está novamente meio a pesadelos, agora se ver no presídio.

 Sua chegada e os olhares ameaçadores, Eliezer e suas ironias, a luta e o nocaute do desafeto, a fuga e o retorno a liberdade. Parece que de alguma forma sua mente criou uma retrospectiva de tudo aquilo que viveu e o fez ver algo nisso, tudo valeu a pena. Talvez conhecer Luana que de alguma maneira lhe trazia esperança, através do amor verdadeiro que um dia sonhou encontrar.

O alerta de fuga foi dado poucas horas depois e uma busca incessante se fez por toda a região.  Informantes da inteligência militar repassavam informações sobre pistas que conduzissem as autoridades no encalço dos dois fugitivos. Como de costume Pedro compra e ler o jornal bem cedo, antes de começar o trabalho. Era habitual ficar bem informado de todos os acontecimentos pelo país, e das últimas novidades na cidade carioca.

Além disso, mantinha contato com sua mãe e irmãos pelas redes sociais e por telefone, agora que recebeu seu primeiro salário.  E comprou um celular moderno com todos os recursos necessários para manter uma boa comunicação. Ciente que as investigações avançavam no Rio e que a polícia poderia procurá-lo na casa de parentes e por não querer causar problemas a tia, decide alugar outro local. Vai morar em um bairro na periferia, sem dar qualquer ideia a tia para onde iria e fica mais protegido.

Suas desconfianças se cumprem, meses depois é informado que os policiais visitaram a residência de Maria, mas ela teve a cadência de negar sobre sua estadia ali.  Pedro sabe que nunca irá ter paz, precisa encontrar um jeito de tirá-los do seu encalço. Lembra que Diarubu lhe propôs ajuda caso precisasse.

 O número do celular estava anotado em um papel e guardado o tempo todo na carteira. Ao ligar e é atendido fala de imediato ao amigo o plano que traçou para confundir a polícia e conquistar total liberdade, o traficante que igualmente se manteve bem escondido e tinha as mesmas pretensões de viver livremente. Concordou com a macabra ideia de Pedro e tomou todas as providências necessárias para que tudo acontecesse o mais breve e desse certo como planejado. 

O plano consistia em que dois corpos seriam encontrados metralhados carbonizados dentro de um veículo próximo a Baixada Fluminense. Eles deveriam ter a mesma postura física de Pedro e Diarubu.  Documentos pessoais deveriam estar apenas parcialmente queimados de forma a permitir que a perícia os identificasse como sendo os dois fugitivos e dessa forma ficariam crentes de estariam mortos. 

O plano era bom e o traficante providenciou homens para m****r o terror nas proximidades da baixada e travem uma suposta guerra entre facções rivais. Durante a imaginável disputa pelos pontos de drogas pegaram dois corpos escolhidos no IML, onde existiam pessoas ligadas ao traficante. Com características semelhantes ao planejado. E colocaram dentro de um veículo, metralharam e carbonizaram apenas parte deles. Principalmente os rostos para impedir fácil identificação. Deixaram vários outros mortos trazidos do necrotério para supor terem sido assassinados durante a rixa.

 Todos foram metralhados, nos que usaram para o disfarce mantiveram metade dos documentos, guardados ainda no bolso e espalharam as pistas das quais a polícia científica precisava para confirmar a morte dos dois fugitivos. Tudo em ordem, a polícia é chamada para conter a violência ocasionada pelas rivalidades de grupos extremos do tráfico.

 Ao perceberem a chegada dos militares todos fogem e deixam os dois corpos dentro do carro parcialmente carbonizado. Um sentado na cadeira do motorista e o outro no banco do carona. Tudo funcionou dentro do esperado, e só podia ser assim, visto que no meio da perícia havia pessoas trabalhando para o bandido. Foi noticiado a morte dos fugitivos e agora eles estavam livres em definitivo, não mais seriam alvo de investigações.

Mas ainda restava fazer algo para que tudo finalmente ficasse perfeito. A troca de documentação, novos nomes, uma identificação diferente da antiga.   O traficante tomou as providências, com dinheiro, suborno e pressão conseguiu tudo o que precisava.

Registros de nascimentos originais, preparados em cartório, assinados por um autêntico juiz e tabelião, todos os novos documentos foram preparados e enviados a ele em poucos dias, e a liberdade finalmente se concretizou. A primeira atitude tomada foi adquirir um empréstimo com o amigo. Dando-lhe garantias de que pagaria toda a dívida parcelada e sem envolvimento em negócios sujos, o que foi aceito.  Pois o chefe do tráfico continuou na ativa, porém era de acordo que Pedro se mantivesse distante.

O dinheiro emprestado foi usado para a compra de um imóvel num bairro afastado do centro, mas num local onde não havia a atuação de traficantes. Em seguida trouxe a mãe e os irmãos para morarem com ele na nova casa, distante dos morros e das favelas do Rio, onde a morte transita pelos becos e a violência corre solta pelas ruas. Enquanto seus irmãos mais novos estudam e a mãe cuida da casa, continuou seu trabalho de entregador de pizza, mas agora com um salário melhor.

 Fixo e com todos os direitos trabalhistas, pois mudou de emprego e patrão. Desde que foi fazer aquela entrega e deu de cara com a jovem sequestrada, nunca mais voltou por lá, vários pedidos de pizzas foram feitos para o mesmo endereço, mas repassou a missão para outros entregadores e evitou o reencontro, pois temia ser denunciado por ela às autoridades.

  Passaram-se seis meses desde que se viram pela última vez e ele não consegue esquecer aquele rosto lindo. A voz delicada, completamente diferente da moleca braba que lhe chutou a perna no dia do sequestro, e que lhe enfeitiça o coração. Agora que está livre de todas as acusações e até seu nome foi trocado de Pedro para Roberto, encheu-se de coragem e decidiu ir revê-la.

 Solicitou a atendente que lhe informasse se viesse algum pedido de tal endereço, pois precisava ir fazer entregas para aquelas bandas, para resolver algo pessoal. E recebeu dela a promessa de que lhe repassar a informação. Aquele momento foi especial para Luana que durante longos seis meses ligou para a mesma pizzaria.

 E fez pedidos contínuos para ver se o belo bandido de olhos negros que lhe enfeitiçou aparecia outra vez na sua porta, mas de nada adiantou. Os dias, semanas se passaram e somente aumentava a angústia de não poder revê-lo.

Cansada de solicitar o serviço de entrega da pizzaria no intuito de rever o homem que conquistou seu coração, esforçou-se para esquecê-lo e seguiu em frente buscando novos ideais.

  Mas não esse o propósito do destino desde o princípio e sim uni-los. Assim, em um final de semana conturbado. Com muitas entregas e um importante compromisso no final da tarde, Pedro, que agora se chama Roberto Farias, é notificado pela atendente sobre um pedido que deveria ser entregue justamente no endereço que ele solicitou para que fosse o entregador e sem perda de tempo vai atender o chamado.

 E ao chegar diante daquele edifício de trinta andares sobe ao de número vinte. No elevador respira fundo para conter a emoção.  Ao apertar a campainha senti sua mão trêmula, o nervosismo é visível. Quem surge para o atender é Ana, prima de Luana, e ele se decepciona, joga o olhar por detrás dela na esperança de poder encontrar a linda garota de olhos cor de ouro. Mas nada encontra nas suas observações e aquela que estava diante dele percebe sua procura, e explica, enquanto paga e recebe a encomenda:

 — Ela não está em casa no

 —  Ela quem?

 — Ah, deixa de ser ridículo, está claro no teu olhar que queria que fosse minha prima quem estivesse aqui te atendendo!

 — Tudo bem, menina, você acertou. Onde ela foi?

 — Está para a faculdade, só chega mais tarde

 — Mas hoje é sábado

 — E daí seu bobo, é faculdade, tem aula direto! Se está tão interessado nela porque não liga para ela? Porque não tenho o número

 — Tudo bem, aguarde aí só um segundo...

 Ana sabia o quanto era importante para os dois voltarem a se ver. No decorrer destes seis meses sem que Roberto aparecesse, ela acompanhou de perto a tristeza da prima e do interesse que demonstrava em revê-lo, tanto que ligava incessantemente para a pizzaria, solicitando o serviço, simplesmente para que fosse ele a fazer a entrega, porém, não teve êxito. Agora Ana conseguiu localizar o entregador de pizza que tanto impressionou Luana.

 E daria a ele o número de seu telefone, através do qual poderiam conversar e finalmente a veria feliz. Repassou ao rapaz a informação e ficou torcendo que tudo desse certo, sente que algo muito forte liga estes dois e quer estar na plateia, quando estiverem juntos. Quer vê-los vivendo um grande amor. Roberto vai embora e horas mais tarde Luana chega e recebe de Ana a notícia de que o rapaz da pizzaria teria aparecido e ficou alegre com a novidade:

— Jura, prima? E aí, o que conversaram?

— Hum, lembra o que me disse um dia? A curiosidade mata!

— Por favor, me fala logo, ele perguntou por mim?

— Hum, deixa eu ver! Não!

— Prima, eu juro que se continuar me irritando eu te mato!

— Está bem, acalme-se, era só brincadeirinha!

— Então, fala logo, que já estou irritada!

— Sim, ele perguntou por ti, sua chata!

— De verdade, jura?

— Claro, ele ficou parado aí na porta com cara de bobo olhando por cima de meus ombros, procurando ver se te via aqui dentro

— E o que mais, vamos, me fala logo tudo o que aconteceu?!

— Está vendo, depois eu que sou a curiosa e desesperada!

— Anda logo, mas que droga!

— Eu percebi que ele estava te procurando e disse que você não estava em casa

— Você deu meu número para ele? Ai, meu Deus, será que ele vai ligar? Nossa, agora fiquei mais nervosa ainda!

— Acha que errei no que fiz?

— Claro que não, prima, estou é muito grata por tudo, sabia o quanto passei meses à procura dele

 — Verdade, apesar de sempre negar tudo para mim, não é prima? Mas eu sabia e mesmo depois que parou de ligar para a pizzaria eu continuei fazendo pedido, para ver se ele aparecia por aqui

  — Obrigado, prima, agora é esperar para ver se ele me liga

 Era noite, cansada de estudar as matérias do curso de letras na faculdade, área que acabou escolhendo, contrariando as expectativas dos pais, mas que decidiram concordar afim de não contrariar seus verdadeiros sonhos. De um dia se tornar uma escritora de renome, deitou-se e, olhando para o teto revestido de gesso, voltava no tempo, quando de repente o telefone tocou, e a voz do outro lado se identifica, começando uma conversa que entrou madrugada a fora. O assunto em pauta é concernente a tudo que viveram até ali, desde o sequestro, onde se conheceram, até o presente momento.

Ela quer saber as razões que o levaram a praticar tal crime e lhe deixou a par das incontáveis vezes que ficou observando-o de longe. Ele explica tudo, os motivos que o levaram a cometer tal erro, como conseguiu escapar da prisão, só não revelou a troca de identidade, por ser algo muito comprometedor e ainda não ter sólida confiança nela.

 Já era tarde, passava das três da manhã, quando decidiram encerrar a conversa, mas não sem antes marcarem um encontro. O local escolhido foi a pizzaria onde ele trabalha, era seu dia de folga e isso facilitou tudo para ele. Depois de se conhecerem melhor e ele pediu-lhe mil desculpas. Em seguida passaram a falar sobre o que realmente importava, o sentimento que ambos sentiam um pelo outro. Roberto e Luana começaram a namorar sério, ele a leva em sua casa, apresenta a família e ali ela pôde ver que eram pessoas humildes. 

Mas trabalhadoras. Se agrada de todos, ama a atenção recebida pela sogra e os novos cunhados, porém se identifica sobremaneira com Marcos. O irmão do namorado de quinze anos, por ser o mais extrovertido, até ousou considerar que seria um ótimo amigo para a prima Ana que andava meio solitária. O que se tornará algo verdadeiro muito em breve. Luana, filha de um homem importante e ligado ao governo. Tendo como mãe uma renomada advogada, era tão simples como uma jovem comum da periferia.

Como citou um dia Eduarda, sua filha parecia querer ser como as meninas das favelas, falando e se portando como elas. Bem, não se sabe ao certo do porquê da real semelhança, mas ela tinha mais em si dos pobres do morro que de quem vive nas classes mais altas da sociedade. A tia não sabe do relacionamento entre ela é Roberto, guarda o segredo a sete chaves e Ana prometeu ficar em silêncio sobre o caso.

Principalmente agora que foi levada ao cinema e lá teve o prazer de conhecer Marcos. Um carinha simples, mas gente boa e com quem começou uma grande amizade. Na verdade, pintou um clima logo de cara, mas decidiram esperar um pouco mais para se conhecerem melhor. A tia de Luana era do tipo liberal, permitiu que saíssem juntas para passear sem impor restrições.

Desde que se mantivesse o compromisso de estarem presentes em casa dentro do horário estipulado. Com isso facilitou tudo e em poucas semanas os quatro já formavam dois pares de namorados bem apaixonados. O maior problema estaria nos pais da moça que de maneira alguma iriam concordar com a escolha que fez. Preconceituosos com a pobreza. Carlos e Eduarda não permitiriam aquele relacionamento, exigiram a imediata separação do casal.

E se caso existisse insistência por ambas as partes, agirão com pulso forte para que a decisão fosse cumprida. O preconceito em todas as suas formas mais absurdas era a marca genuína deles. Apesar de terem origens humildes eram extremamente apáticos às classes menos favorecidas financeiramente. E a coisa vai pegar para o lado de Carla, a tia liberal que está permitindo todo esse liberalismo sem ao menos tentar ver o que está acontecendo com as meninas.

Que estavam sob sua responsabilidade. Mas, enquanto eles ainda se mantem distantes e ignorantes acerca da questão.O ideal será viver o presente e deixar que o futuro aguarde para revelar seus problemas que certamente virão a existir.  A cada novo dia maior fica o amor que lhes arde no peito, dois apaixonados que sonham com uma felicidade ameaçada, pois trata-se de uma união que será incansavelmente perseguida pelos opositores que surgirão em breve, para tentar impedir esse amor.

Luana e Roberto passavam todo o final de semana juntos na periferia. Edu foi conhecer Carla, a futura sogra, agora ele é Ana namoravam lá mesmo no apartamento onde moravam as três mulheres.  Ele é bem diferente de seu irmão Pedro e tem dificuldades em se adaptar ao novo nome é era tremendo o sacrifício feito para chamá-lo​ de Roberto.

A maior diferença entre eles é no lado intelectual, enquanto Marcos possuía uma mente amplamente desenvolvida e com possibilidades enormes de aprendizagem, Roberto era lento no raciocínio, porém a versatilidade era seu ponto forte, era hábil no trabalho e capaz de realizar várias tarefas ao mesmo tempo.  Nas suas constantes ironias costumava dizer que ele era o corpo e Marcos o cérebro da família.  

 Por ser um jovem inteligente e estar no primeiro ano de medicina aos dezessete anos de idade, pois nunca repetiu de série na escola pública onde estudava na baixada. Mesmo meio a tantas dificuldades, conquistou a admiração da sogra. Enquanto isso, entre Roberto e Luana há um grande abismo de diferença, desde a condição econômica até a intelectual. Visto que abandonou cedo os estudos, dedicando-se ao trabalho para ajudar no sustento familiar. 

Mas, a grande margem de qualidades e defeitos entre os dois não impede a existência de um sentimento puro e verdadeiro. Somados significa este amor perfeito que lhes uniu. Carlos e Eduarda decidem ir a Santos ver a filha que ultimamente não se comunica com eles por telefone ou pelas redes sociais. Antes ainda dava notícias uma ou duas vezes por semana, mas nos últimos tempos emudeceu de vez e estavam preocupados.

 A chegada repentina dos preocupou Luana que considerou uma ameaça a seu relacionamento com Roberto.  Não apenas por ser ele uma pessoa pobre, mas pelo fato de ter sido um dos sequestradores. Se isso viesse à tona ele seria denunciado e preso, o que de maneira alguma ela queria que ocorresse por amá-lo demais. O casal encontra-se na residência de Carla e conversam harmoniosamente, quando a sobrinha de apenas dezesseis anos adentra com o namorado e vão para a segunda sala, onde namoram. Eduarda interroga a irmã sobre o tal rapaz que viu passar junto com a sobrinha, queria saber quem era e a procedência:

— Sei apenas que seu nome é Marcos e já iniciou a faculdade e é um bom rapaz

— E para você isso basta? E a origem, minha irmã, é fundamental sabermos de onde esses jovens vem, conhecer a família, as raízes!

 —Eduarda, não sou como você, cheia de preconceitos, se este jovem vem da favela ou baixada não me importo desde que faça minha filha feliz e a respeite

— Não acredito que estou ouvindo uma asneira dessas, então não se incomoda se este indivíduo abusar dela e abandoná-la depois?

 — Pare com seus exageros, Eduarda, é um bom rapaz e não fará isso

 — Como saber se não fará, por acaso está escrito na testa dele?

 — Nem na dele, nem na de ninguém, pois tanto faz ser rico ou pobre, se não tiver caráter comete os mesmos atos

 — Você só pode ter perdido a noção das coisas!

 — Muito me admiro de te ouvir falar dessa forma, afinal, quem éramos nós durante nossa infância senão duas pobres meninas criadas no meio da lama comendo rapadura com farinha no sertão, para sobreviver, e por acaso viramos bandidas ou prostitutas? Que ideia é essa de que toda pessoa pobre é um criminoso em potencial? Por acaso não são os políticos e funcionários públicos os piores ladrões deste país? E por acaso são eles favelados?

 — Por favor, Carla, seja sensata, não misture as coisas!

 — Não se trata de sensatez, minha irmã, é a realidade. O caráter de uma pessoa não se define pela posição social que ocupa na sociedade, nem pela riqueza que porventura venha a possuir. Observe Carlos, o homem com que se casou, era outro que, como nós vivia no interior do Maranhão, colhendo babaçu e comendo do que colhia da roça, olha no que ele se tornou, será que alguém imaginou ser ele hoje o homem que é

A conversa se deu num tom baixo e educado que o casal de namorados não ouviu a colocação indiscreta da advogada. Luana se fazia presente, mas preferiu nada dizer, apenas se perguntou o que sua mãe diria a respeito de seu namorado, com certeza o desprezará e não o aprovará.

Não o aceitará como um futuro genro. Carla está ciente da união, mas, conhecendo bem a índole da irmã e do cunhado prefere guardar segredo e deixar que na hora certa tudo se encaixe.  E, a própria sobrinha se encarrega de revelar a escolha que fez. Na semana que seus pais estiveram na cidade ela e Roberto se viram poucas vezes e com brevidade, aproveitando suas idas a faculdade.

 Eduarda desconfiada percebe que algo não vai bem por ali, concluiu que se Carla era assim tão liberal com a filha ao ponto de permitir um namoro à revelia, com certeza não se oporia caso a sobrinha tomasse a mesma decisão de se envolver com qualquer um. Diante disso combinou com o marido que iria contratar um detetive particular para ficar observando o dia a dia da filha.

E dessa maneira descobrir se realmente havia algo acontecendo sem que ela soubesse, tipo um namorado ou coisa do gênero. Luana ainda era menor de idade e precisava ser monitorada para não cometer nenhuma loucura típico de sua idade.

O profissional contratado é ali mesmo da cidade, conhece bem todos os lugares e tem grande facilidade de locomoção, o que facilita seu trabalho.  Começou as investigações imediatamente após sua contratação e não demorou a dar bons resultados, recebeu do detetive um telefonema preocupante. Ele a avisou que a moça possui um namorado com quem se encontra todos os dias após o horário da faculdade e também passa com ele todo o final de semana.

 Juntamente com a informação ele envia pelo serviço de mensagem instantânea fotos e vídeos provando suas declarações sobre a investigação em curso. No mesmo instante em que toma conhecimento disso, Eduarda comunica a Carlos que vai para casa tentar encontrar uma forma de solucionar esse problema. A dúvida que não se calava em suas mentes era sobre quem seria este homem com quem Luana estaria se envolvendo e desde quando isso começou. De acordo com o detetive o rapaz aparenta ser bem mais velho e experiente.

Não estuda na mesma faculdade, nem mora nas proximidades do local onde ela vive. Depois de entrarem num acordo decidem colher mais informações. Saber mais sobre o rapaz e a partir do resultado tomar as devidas providências. O profissional contratado para o serviço executa em poucos dias seu trabalho.

 E logo repassa aos clientes todos os dados solicitados, Carlos e Eduarda ficam sabendo que Roberto mora na periferia, trata-se de um entregador de pizzas, não concluiu os estudos e vem de uma família sem recursos.

Ainda foram informados que o mesmo é irmão do namorado de Ana. filha de Carla. A par de todas estas coisas não tiveram mais dúvidas, Luana acabou se envolvendo com as pessoas erradas e precisava se afastar delas o quanto antes. Sem perda de tempo pegaram o primeiro voo com destino a Santos e em poucas horas estavam outra vez reunidos com a filha, Carla e Ana, para esclarecer a denúncia:

— Mãe, a senhora colocou um detetive para bisbilhotar minha vida pessoal?

— Não se esqueça que ainda é menor e essa sua "vidinha pessoal" ainda nos diz respeito, mocinha!

— Isso que vocês fizeram foi um golpe baixo, é uma invasão da minha privacidade!

— Eu concordo plenamente com ela, vocês foram além da conta, porque não perguntaram sobre isso diretamente a ela?

— Cale-se, Carla, você não está em posição de dar opiniões aqui, afinal, vive acobertando toda essa falta de bom senso da sobrinha e de sua filha!

— Quem lhe dá autonomia para definir se tenho ou não o direito de opinar dentro de minha própria casa? Se acha que aqui sua filha não está bem assistida leve-a de volta para o Rio, e quanto a minha filha os atos dela são problemas meus, minha irmã, e não seus!

— Pois muito bem, Luana, você ouviu o que disse sua tia, vamos voltar para casa

— A senhora enlouqueceu, mãe, esqueceu que estou na faculdade?

— Tranque a matrícula e faça a transferência para o Rio

— Trancar meu curso? Nem pensar!

— Talvez devamos repensar melhor em nossa decisão, meu bem

— Por favor, Carlos Eduardo, limite-se a não dar palpites!

— Como sempre, não é mamãe, a dona razão!

— Eu sei o que é melhor para essa família, aliás, parece que somente eu entendo isso

— O que você entende é de opressão, Eduarda, vive o tempo todo com uma corda amarrada no pescoço desse pobre coitado.

 Ditando regras e ele te obedecendo. Agora quer fazer o mesmo com a filha, mas se esqueceu de um detalhe muito importante: Essa menina possui o mesmo temperamento que você!

— Luana é menor e ainda me deve obediência, além do que é minha filha. Portanto, não discuta, organize suas coisas e voltaremos o mais breve possível ao Rio de Janeiro!

Ela não poderia ir de encontro com a mãe, pois Eduarda estava certa, como menor deveria seguir suas normas. Naquela mesma manhã foram até a faculdade e trancaram a matrícula do curso de letras e solicitaram imediata transferência para a cidade do Rio de Janeiro, onde estava fixada a residência.

No dia seguinte Eduarda e Carlos retornam com Luana, que só teve tempo de pedir Ana que explicasse o que aconteceu a Roberto e lhe mandasse aguarda seu contato. Sua mãe estava marcando em cima e ela não podia ligar nem enviar mensagem facilmente.

Que estava voltando a morar no antigo apartamento, em frente a banca de revistas onde antes ele trabalhou. A notícia pegou o rapaz de surpresa. Deixando-o completamente desnorteado, há uma boa distância entre o Rio e a cidade de Santos, como fariam para voltarem a se ver? Conversando com o irmão.

 Recebeu de Marcos um conselho inteligente que aceitou como a única saída para resolver aquele impasse.  Decidiu voltar a morar no Rio. Mas, havia nisso tudo um grandessíssimo problema, como ainda não possuía emprego garantido e casa onde ficar, moraria com uma tia na periferia. O local fica bem distante da baixada fluminense.

 E do morro do urubu. Isso evita ser reconhecido pelos moradores e correr sérios riscos de ser denunciado à polícia pela farsa que fez sobre sua morte e ser novamente preso. Pior agora com mais um agravante de falsidade ideológica, afinal, estaria usando identidade falsa.  Mesmo gostando da ideia sugerida por Marcos, ele sabia dos riscos que correria nessa louca aventura de ir em busca da mulher amada. no seu antigo lar, onde cometeu crimes e possuía uma grande dívida com a justiça e o tráfico, por ter tirado a vida de Ligeirinho e seus homens de forma covarde.

Entretanto, ficar distante dela seria mais terrível, pois não sabia como viver sem seus carinhos. Correria riscos, sim, poderia até voltar a ser preso ou morto por traficantes, mas nada disso iria impedi-lo de arrumar o quanto antes sua mochila e partir em busca de sua felicidade.  Após pedir dispensa do emprego na pizzaria e se despedir da mãe e dos irmãos, partiu no primeiro ônibus em direção a cidade maravilhosa à procura de seu grande amor.

Leva no bolso apenas o suficiente para se manter durante a viagem e fazer umas compras no supermercado do bairro para abastecer a dispensa da tia Júlia, que reside no morro do querosene, lugar barra pesada, mas andou muito por lá enquanto criança e fez muitos amigos, tinha livre acesso na área e os caras do lugar lhe tinham respeito.

O diabo será explicar como estaria vivo se foi noticiado sua morte.  Além do risco de algum x nove o denunciar as autoridades, pois assim como há criminosos, há informantes. No meio da polícia para repassar informações ao tráfico, assim mesmo tem agentes da inteligência militar e civil infiltrados no meio da bandidagem para fazer o mesmo.

 Sem dúvida que sua chegada ali seria rapidamente anunciada ao comando militar pelos informantes que não demoraram colocar as mãos sobre ele.  A única saída é usar uma velha tática, que nem de longe sabe se irá mesmo funcionar.   Alegando ser um irmão gêmeo de Pedro, criado noutra cidade. Quem sabe diria ser em Santos, onde morou algum tempo. Bem, terá que inventar isso ou estará fadado a voltar para a cadeia ou ser morto pelo tráfico, agora é tudo ou nada, tem que pagar para ver.

Ao chegar, teve que abrir o jogo com o casal de tios, explicando em detalhes as confusões nas quais se envolveu. No propósito de ajudar sua mãe a sair com vida daquele hospital.  Falou sobre o sequestro que participou como preço pela ajuda que recebeu de um traficante, das mortes e da prisão. Citou como escapou da penitenciária e do que precisou fazer para ficar limpo das acusações. Sem que todos estes crimes pesassem sobre seus ombros, usando uma nova identidade.

Como quem mora nas baixadas do Rio de Janeiro, em grande maioria, é usuário ou vendedor de drogas, ali não era diferente. Seus tios eram um casal de idade avançada, mas desde cedo traficavam. Ele não pretende condená-los por isso, nem deve, afinal está de favores dentro da casa deles. ]

Aos poucos a vizinhança passou a perceber a presença do sobrinho do casal e por curiosidade frequentavam a casa, inventando todo tipo de desculpas apenas para vê-lo de perto, principalmente as garotas mais assanhadas do bairro. Os mais antigos o reconheceram e estranharam em decorrência dos noticiários. Pois eles informaram a população sobre sua recente morte.  A desculpa usada era sempre a mesma para confundir os curiosos. Combinava com os tios, de falar que não se tratava de Pedro, mas de Roberto.

 O irmão gêmeo que foi criado em Santos com uma irmã de sua mãe. Essa explicação não convence facilmente os moradores até que ele passou a andar pela vizinhança sem camisa, mostrando o desenho de um dragão estendido por toda as suas costas.

Todos que conheciam Pedro sabiam da aversão dele para com quem usava tatuagens. Na opinião dele os tatuados eram criminosos, seu preconceito quanto a isso era tão grande que sequer aceitava namorar mulheres tatuadas, por menor que fosse a marca em sua pele. No entanto, aquele que julgavam ser ele trazia no corpo uma tatuagem enorme.

 E isso lhes fez aos poucos começar a crer na possibilidade de ele não ser mesmo o jovem morto pela polícia. Aquela tatuagem foi feita dias após trocar de identidade, quando ainda residia em Santos. A ideia era exatamente despistar a polícia no caso de ser preso, porém avaliou que de nada adiantaria, visto que não teria como trocar as digitais.

Gastou uma fortuna naquilo e muito lamentou depois, porém, tudo o que faz parece ser orientado pelo destino, pois lá na frente acaba se encaixando. E olhem só, agora a tatuagem teve utilidade. A novidade sobre seu reaparecimento acabou ultrapassando fronteiras e chegou aos ouvidos do chefe do tráfico, no Morro do Urubu.

  Localizado na baixada fluminense, que logo mandou um de seus homens averiguar a informação ordena que se faça isso em absoluto sigilo e assim foi feito. Avisado de que uma cara idêntica a ele estaria por lá, mas diziam ser outra pessoa compreendeu que o amigo procura se manter no anonimato.

 E permaneceu quieto. Aguardando que ele mesmo decida procurá-lo no momento que achasse mais adequado. Roberto, agora, tinha uma experiência profissional registrada na sua carteira e ainda trouxe referências do antigo empregador.  O que facilitou arranjar um novo emprego. Novamente exercendo a função de entregador para uma importante pizzaria na cidade.

 O que calculava ser a melhor maneira de se aproximar de Luana, com quem mantém contato apenas por telefone. Pouquíssimas vezes, quando ela empresta o celular de alguma amiga durante o intervalo de aulas na nova faculdade. Pois sua mãe lhe tomou o seu e nem o computador pode usar.  Eles nem se viam.

 Preocupados em serem observados por algum detetive contratado por Eduarda, pois consideravam o que ela fez pouco tempo atrás, mas a saudade apertava e a vontade de ficarem juntos lhes sufocava o coração. Ela enfrentava as implicâncias da mãe e ele as desconfianças das pessoas que não estavam completamente convencidos de que ele não fosse Pedro,

 E o risco de ser denunciado ou morto pelos traficantes era grande. Lembrou-se finalmente do amigo e resolveu ir em busca de ajuda. Depois de explicar as dificuldades que estava enfrentando foi confortado ao ouvir que receberia uma grande ajuda.  O traficante resolve, devido à grande amizade que tinha por ele, esquecer a antiga dívida que fez ao emprestar dele dinheiro para comprar a casa em Santos. Pois reconhecia que seu propósito era ajudar a família.

Além disso. Deu-lhe mais uma alta quantia para que comprasse uma casa própria em algum lugar distante do morro, que facilitasse o encontro dele e Luana. Diarubu nunca se casou, era um homem sozinho, sem amigos, parentes nem filhos.

Via no rapaz tudo isso e fazia questão de demonstrar a consideração que tinha pelo amigo:

 — Poxa, cara, não tenho como te agradecer

 — Precisa não, moleque, tenho muita grana e nenhum parente para ajudar, então vou te dar essa força, somos irmãos, valeu?

 — Valeu, sabe o quanto te considero meu amigo!

 Um apartamento foi comprado à vista no subúrbio do Rio, no programa social do governo federal, por um bom preço. Quase não conseguia acreditar que finalmente poderia viver de forma digna. Dentro do que era seu e ainda por cima receber ali a mulher que amava, com ela desfrutar de tudo aquil o.

 Como planejado, Roberto usa parte do dinheiro que recebeu como cortesia do amigo traficante que insistia em ajuda-lo. E aplica num imóvel que, apesar de ficar na periferia é uma área mil vezes melhor que as favelas na baixada. A venda de drogas nos morros do Rio, assim como em qualquer outra parte do mundo, gera uma renda incalculável.  Diarubu, como qualquer outro traficante, possui milhares de reais nos bancos, em contas de laranjas.

 Consegue lucros de investimentos na bolsa de valores que são administrados por terceiros, pessoas ligadas ao crime organizado para a lavagem de dinheiro, e a maior parte de tudo isso é outra vez investido em novas toneladas de drogas todos os anos para distribuir numa sociedade de jovens escravizados pelo uso descontrolado de entorpecentes. Nisso estão envolvidos desde os pequenos usuários até pessoas do alto escalão do governo.

 O tráfico se expandiu neste país a tal ponto de ser quase impossível combatê-lo. As autoridades se rendem diante deste império e a sociedade sofre por não ser capaz de reagir sozinha ao avanço da criminalidade e da degradação social típica de um país dominado pela impunidade

. E, se esta riqueza toda vai ser novamente aplicado neste círculo vicioso do mundo do crime, então é bem mais justo usá-lo em prol de uma causa mais justa.  Como a de comprar um local digno para morar com seu grande amor. E é pensando assim que Roberto levou à diante a aceitação daquela ajuda, mesmo ciente que aquele dinheiro era sujo.

 E que vidas derramaram seu sangue ou tornaram-se viciados. Escravos das drogas ou novos integrantes das centenas de facções criminosas existentes por aí afora, porém, usaria em algo justo e mudou-se para seu novo lar.

Comunicou a namorada sobre a novidade, deu-lhe o endereço e fizeram planos para o primeiro encontro. Luana desconfiava estar sendo seguida todas as vezes que saía de casa, então, orientada por Roberto, usa de esperteza para flagrar seu observador e descobriu quem é o indivíduo que vive no seu encalço.

 Consciente de quem se trata ficou mais fácil despistá-lo e conseguir ir para os braços de seu amado. O novo apartamento ficava em um residencial na periferia, porém muito bem localizado e com uma boa vizinhança. Pelo menos duas vezes na semana o casal se encontrava ali.  Luana, agora aos dezoito anos, não concordava em viver sua primeira experiência sexual antes do casamento, tinha pavor de se tornar uma mãe solteira e mesmo morrendo de amor por Roberto se negava aceitar esse tipo de proposta.

 Mas, quando o amor de um homem por sua mulher é verdadeiro, existe respeito e por amá-la demais ele sempre respeitou sua decisão. Prometendo-lhe que deixaria a primeira vez para depois do casamento.  Isso pode parecer bobagem, mas se para ela é importante, então para ele também será. Apesar de ficarem a sós naquele apartamento por longas horas. Lógico haver momentos em que se tornava quase irresistível segurar vontade, conseguiram, devido serem eles determinados naquilo que decidiram.

 O profissional contratado para observar Luana perdeu seus rastros por muitas vezes e acabou sendo obrigado a confessar para Eduarda que sua filha parecia tê-lo descoberto, e com isso a investigação sobre seus atos ficou comprometida. Ele, então, recomendou que ela contratasse outro detetive para prosseguir com o trabalho. Feito isso, Luana cometeu o inocente erro de não verificar esta possibilidade.

 E continuou agindo da mesma forma de antes, usando os mesmos truques, pensando estar despistando seu antigo observador. Mas, mal sabia que um novato havia assumido as funções e andava lado a lado com ele sem se dar conta disso.  Nesta sexta-feira, ela assiste a última aula do seu curso e sai pela parte detrás da faculdade, pega carona com uma amiga e segue na direção oposta à sua casa, rumo a periferia.

Ela ainda conseguiu, nos quatro dias anteriores, despistar o novo detetive porque ele investigava seus métodos, as amizades, horários de chegada e saída, visitou a secretária da instituição para identificar detalhes que o ajudassem a formar um esquema mais prático.  Algo que lhe permitisse monitorá-la mais de perto, subornou funcionários.

 Vigilantes para que permitissem seu livre acesso nas dependências do local. Enfim, fez tudo aquilo que o outro profissional deveria ter feito, mas não fez. Com isso, ela ficou à mercê se sua observação e nem se deu conta, o que seria mesmo impossível, pois sequer o conhecia. Ao sair no veículo de cor preto que pertencia a amiga Juliana, que morava próximo ao local onde costumeiramente ia ao sair da faculdade.

Foi seguida de perto sem se dar conta que estaria levando o observador a descobrir seu grande segredo. Chegando no local de sempre ela desce e um motoqueiro a espera, levando-a para lugar desconhecido. Depois de pelo menos uns quinze minutos entram num condomínio fechado, localizado na zona leste da cidade. O detetive, sem poder entrar retorna e a certa distância para o carro e dá um telefonema, relatando a sua cliente tudo o que acabou de presenciar.

Revelou, também, o local exato de onde estavam o casal.  Eduarda, sempre astuta, ordena que o profissional aguarde até a saída da moça. A ideia era verificar o tempo de sua permanência ali, assim seria mais fácil traçar um plano para pegá-los juntos no dia seguinte, assim se fez. A noite as duas, mãe e filha, estavam à mesa na hora do jantar, Luana feliz da vida por estar conseguindo ficar perto de seu grande amor.

 Sua mãe, por outro lado ardia- se de ódio por se sentir traída pela filha.  No entanto soube se manter fria e calculista até que seu plano se concretize dentro de algumas horas. A rotina foi a mesma, após a última aula Luana dirige-se ao veículo da amiga e seguem, logo atrás vem o detetive e Eduarda, cada um em seu próprio carro. Tempos depois estacionam e a jovem desce, sendo acolhida por um motoqueiro que a leva em alta velocidade pela rodovia na direção da periferia.

 Meia hora depois entram num condomínio de classe média baixa, prédios construídos através de um dos programas sociais, e que estaria bem longe do nível social no qual ela havia sido criada.  Dentro do carro Eduarda não consegue acreditar no que está vendo com seus próprios olhos.

 De fato a filha está mantendo um caso com um homem de posição social inferior, naquele mesmo instante os dois talvez estivessem juntos na cama e ela, quem sabe, até estivesse grávida do desgraçado. Pensou em entrar no local e pegá-los em flagrante, mas assim iria expor ela ao ridículo e, rancorosa como era passaria a odiá-la, preferiu agir com mais prudência.

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