2. O segredo

Roberto não foi esperto o suficiente para desistir da viagem que tinha planejado com a amante, esperou apenas um tempo e logo apareceu com a notícia de que precisava viajar a trabalho. Minha mãe acreditou, não seria a primeira vez, e eu me perguntava se das outras vezes também era mentira. A única certeza que tive, era que eu não poderia continuar escondendo tudo que sabia, minha mãe não merecia essa traição. 

O traste passou duas semanas fora, raramente o via conversando com minha mãe pelo telefone, às vezes parecia mais que estava tentando descobrir se eu havia contado algo, sempre pedia para falar comigo, mas eu recusava, e minha mãe começou a estranhar minhas atitudes referentes a ele.

— O que está acontecendo, filho? — Me perguntou. Lembro-me perfeitamente de seu tom de voz suave, nunca a tinha visto alterar sua voz. 

— Nada! — Respondi imediatamente, já sabendo onde ela queria chegar.

— Já faz um tempo que você tem agido de uma forma estranha com seu pai, aconteceu alguma coisa? — Insistiu. 

A olhei fixamente nos olhos, como eu poderia mentir? E se eu falasse a verdade, quão mal ela ficaria? Não conseguia tomar uma decisão, me senti mal por estar traindo a confiança da minha mãe, me senti tão covarde quanto o meu pai, mas não queria vê-la sofrer. 

— Não é nada. — Garanti, reprimindo um choro. 

Minha mãe me abraçou, percebeu que eu não estava bem e respeitou o meu desejo de não me abrir naquele momento, mas aquela situação toda estava mexendo com a minha cabeça cada dia mais, eu imaginava que se ela descobrisse de outra forma e soubesse que eu já sabia, ia me odiar para sempre, jamais me perdoaria, e eu acabaria sozinho. Hoje vejo que ser digno do ódio dela seria o menor dos meus problemas. 

Me tornei uma criança que já não brincava, passei a ter problemas na escola, me afastei dos meus amigos. As professoras perceberam e chamaram minha mãe para conversar, até encaminhado para uma psicóloga fui na época, e me perguntava se poderia me abrir com aquela estranha. No fundo era isso que eu precisava, me abrir e arrancar de mim aquele peso, que era muito para minhas costas, mas eu não conseguia, não sabia se deveria.

Os meses foram passando e meu pai deixou de se preocupar, no mínimo imaginava que se eu não havia dito nada até aquele momento, não diria mais. Acredito que tenha deixado de acreditar que eu de fato tivesse ouvido alguma coisa, em sua cabeça eu era apenas uma criança apresentando transtornos psicológicos. Então ele voltou ao normal, voltou a se afastar, parou de tentar fingir que me queria por perto, e da mesma forma, voltou a tratar minha mãe como antes. Para mim não fez a menor diferença, mas pude notar que ela sentiu, estava feliz com aquele breve momento de casamento perfeito e parecia não entender porque tudo havia mudado novamente. 

Brigas e mais brigas, as discussões entre os dois se tornaram constantes, ao menos antes isso não acontecia, e na maioria das vezes os motivos eram os mesmos, meu pai sempre chegava tarde do trabalho, viajava com frequência e nunca estava disponível nos finais de semana. Minha mãe estava desconfiada, finalmente. Eu me perguntava o que aconteceria se ela descobrisse, eu tinha amigos com pais separados, não parecia ser tão ruim assim, até porque, a presença do meu pai não fazia diferença para mim. Desejei que ela descobrisse, queria que isso acabasse, minha mãe merecia ser feliz, mas eu a vi chorando sem que ela percebesse e aquilo que matou por dentro, logo vi que as coisas não seriam tão simples, ela sofreria no processo. 

Minha mãe evitava discussões na minha frente, geralmente eles se trancavam no quarto, mas provavelmente não faziam ideia de que eu podia ouvir as vozes alteradas, ambos gritavam e na maioria das vezes o fim era o mesmo, meu pai saia de casa e dormia fora, enquanto minha mãe permanecia chorando. Lembro-me que em uma dessas discussões ouvi a palavra divórcio sair da boca do meu pai, e pior do que isso, foi ouvir minha mãe suplicando para que ele não fizesse aquilo. Como eu odiava aquele homem, ouvia tudo, chorando sozinho no meu quarto, tomando as dores da minha pobre mãe, como era doloroso ver a pessoa que eu mais amava nesse mundo sofrendo daquela forma.  

Meu estado foi se agravando, me isolei de tudo e de todos, me fechei para o mundo ao redor, meu corpo ia para a escola, mas minha alma já não estava lá, eu não me relacionava com as outras crianças, não conseguia prestar atenção nas aulas e inutilmente as professoras continuavam insistindo em atormentar a minha mãe, que permanecia tentando explicar que estávamos passando por problemas familiares. Crises de ansiedade, síndrome do pânico, vários foram os transtornos com que me diagnosticaram na época. 

Eu tinha pesadelos terríveis, em alguns deles perdia a minha mãe. Lembro-me de um, em que ela caia num imenso buraco negro, eu ouvia seu grito, mas não podia vê-la, era fundo e escuro, então pulei logo atrás dela tentando encontrá-la. Naquele dia acordei gritando na madrugada, um grito de pavor, meus pais entraram correndo em meu quarto, tentando entender o que estava acontecendo, mas eu mal conseguia ouvi-los e comecei a chorar desesperado, um choro doloroso, já não suportava mais aquela dor, aquela angústia. 

Naquele dia, notei a preocupação no olhar do meu pai, eu não conseguia acreditar que ele me amava, mas se sentou ao meu lado e me abraçou, me acolhendo num ato protetor que jamais havia visto antes, então me acalmei. Minha mãe se sentou próximo de nós e segurou a minha mão. 

— Foi apenas um pesadelo, meu amor! — Disse com o mesmo amor de sempre, mas ela estava chorando. Que motivos minha mãe tinha para chorar? Eu me perguntava, afinal ela não sabia o que eu tinha sonhado, e jamais deixaria que soubesse. 

— Eu te amo, mamãe! — Falei em desespero. — Me perdoa? — Supliquei, só queria que ela não me odiasse por minha traição, por ter deixado que as coisas chegassem onde chegaram. 

— Pelo que, meu amor? — Ela me olhava confusa, mas no olhar do meu pai não havia confusão, ele sabia que era o culpado. 

— Eu sou um covarde! — Gritei. 

— Por que está dizendo isso? — Minha mãe parecia preocupada com a minha sanidade mental, quando meu pai interferiu.

— Não, você não é! Você é um ótimo filho… — Ele me disse, e o vi chorar. Naquele momento não entendi o porquê, meus pais se entreolharam, minha mãe confusa e meu pai com pesar, com arrependimento. 

— Posso conversar com ele um segundo? — Pediu para minha mãe, seu tom era suave. Ela apenas concordou sem questionar e saiu do quarto. Olhei para meu pai tentando entender, e ele enxugou suas próprias lágrimas, olhando fixamente em meus olhos. — Me perdoa, filho… Eu sei que errei com você!  Não se culpe dessa forma, você não vai entender agora, mas os problemas que sua mãe e eu temos, não tem relação contigo, de forma alguma! Nós somos adultos, saberemos resolver as coisas, não precisa se sentir na obrigação de interferir. 

— Por que o senhor não conta de uma vez para ela? — Supliquei, escondendo meu rosto em minhas mãos, imaginei que ele se chocaria com o meu pedido, mas não, somente colocou a mão em minhas costas. 

— Ela já sabe. — Falou tranquilamente. 

Ergui a cabeça para olhá-lo, incrédulo. Não pude acreditar que minha mãe sabia da verdade e ainda assim estava com ele. Meu pai pareceu perceber a confusão que assolou a minha mente naquele momento, eu era apenas um garoto, mas não era difícil entender que ninguém gostava de ser traído ou enganado. 

— Eu só quero que você saiba, que independente do que aconteça, você sempre será nosso filho, amado por nós dois! — Ele disse com a voz falhando, engasgando com o choro. 

— Você não me ama! — O olhei fixamente. — Nunca me amou, você não merece a minha mãe!

Pude ver o choque em sua expressão, ele perdeu as palavras quando me levantei correndo e fui ao encontro da minha mãe que estava na sala de cabeça baixa, chorando silenciosamente. Ela ergueu a cabeça para me olhar nos olhos e abriu os braços para que eu me aninhasse em seu colo. 

— Não se preocupe, meu amor, tudo vai ficar bem! — Disse enquanto me envolvia num abraço apertado. 

Meu pai se aproximou de longe e nos observou por um momento, ainda chorando e eu não entendia o porquê, não tinha motivos para estar triste, ele era a razão do nosso sofrimento e não o contrário. Algum tempo se passou e eu adormeci nos braços da minha mãe, quando acordei na manhã seguinte, já estava em minha cama. Olhei no rádio relógio que ficava em cima da cômoda e vi que tinha perdido a hora da escola, minha mãe não havia me chamado, me deixou descansar. Me levantei ainda sonolento indo na direção do banheiro, mas do corredor pude ouvir a voz da minha mãe, seguida pela voz do meu pai, estranhei o fato dele ainda estar em casa pois naquele horário já teria ido para o trabalho, os dois pareciam estar conversando tranquilamente, então resolvi espiar. 

— Para mim, nossa família é o mais importante. — Minha mãe dizia. Notei que haviam lágrimas em seu rosto, mas também havia um leve sorriso. Ela não parecia estar chorando de tristeza, mas que motivo teria para estar chorando de felicidade? Entendi melhor quando meu pai a abraçou, aquilo não era a muito tempo algo normal de se ver. "Eles estão fazendo as pazes?" Pensei, e por um momento minha mente infantil se alegrou, voltei na direção do banheiro animado, escovei meus dentes e corri de volta para a cozinha, permitindo que eles me vissem dessa vez. 

— Oh, meu amor, você está aí?! — Minha mãe disse, aguardando meu abraço. — Bom dia! 

— Bom dia, filho! — Meu pai acenou de longe, com uma expressão aparentemente desconfortável, mas abriu um leve sorriso. 

Forcei um sorriso de volta para ele, diante do que eu tinha visto, se minha mãe o perdoou e havia a chance de que fizessem as pazes, por que eu não poderia perdoar também? Meu pai abriu os braços e me aproximei timidamente, nos abraçamos de uma forma que eu não estava acostumado e ele sussurrou. 

— Eu te amo, acredite… — Entendi que as minhas palavras na noite anterior o machucaram, ou ao menos abriram seus olhos. 

Estranhamente nos sentamos todos juntos para tomar nosso café da manhã, o mesmo aconteceu durante o almoço e meu pai não foi trabalhar. Naquele dia, experimentei a sensação do que deveria ser uma família de verdade, mas no dia seguinte, meu pai foi para o trabalho normalmente e voltou arrasado por algum motivo que eu não saberia explicar. 

Hoje entendo que todos os sorrisos que ele abriu a partir dali eram falsos, hoje enxergo que ele tentou voltar atrás na sua atitude e salvar a nossa família, mas que aquilo não o fazia feliz, tanto que falhou e alguns meses depois voltamos à estaca zero. 

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