Capítulo III

Bauru constava no percurso como a primeira parada oficial. Lá, a equipe faria um rápido almoço antes de seguir viagem.

Willdson estava no volante agora. Era feito um revezamento a cada três horas aproximadamente para não sobrecarregar ninguém. Só o Henrick não participava do rodízio, exatamente por ser o mais novo da equipe.

Ramon fazia algumas anotações em um pequeno bloco quando percebeu o carro puxar um pouco para o acostamento.

— Ih, Will! Acho que temos um probleminha!

— É... eu já percebi, respondeu Willdson sem tirar os olhos da estrada.  Só estou tentando um lugar menos ruim no acostamento.

Enquanto o carro saía para o acostamento, Henrick, que não era de falar muito, teceu um pequeno comentário, talvez no intuito de relaxar um pouco.

— Isso é que eu chamo de uma entrada triunfal!

Willdson olhou pelo canto do olho, sorriu e completou:

— Até que enfim você entrou no espírito da expedição, hein?

Bem, o jeito mesmo era todos descerem. Afinal, quem não estivesse trocando o pneu, poderia pelo menos esticar as pernas.

— Henrick, falou Willdson com as chaves na mão, abre lá atrás e pega a chave de roda e o macaco. Estão no lado direito.

Ao mesmo tempo em que Carlos acompanhou Henrick para apanhar o estepe, Ramon caminhou um pouco mais à frente tentando encontrar algo que pudesse calçar a roda durante a troca do pneu.

Tudo parecia muito fácil, afinal, o que é mais fácil que trocar um pneu em quatro homens? Porém, não foi bem assim. Quando Ramon subiu o macaco, e Willdson soltou as porcas da roda dianteira, o macaco deu um estalo e rebaixou dois centímetros.

— Droga, Willl! Isso não está segurando!

Foi tudo muito rápido e antes que outro barulho fosse ouvido, Ramon gritou:

— Rápido, San, coloca a roda de volta!!

Willdson não esperou Ramon terminar a frase. Numa rapidez de impressionar, San, como Ramon costumava chamar o velho amigo, deu meio giro na roda e a encaixou novamente nos parafusos.

Quando espalmou as mãos para o apoio, o macaco cedeu por completo num barulho surdo e pesado.

Willdson sentou-se no chão e manteve os pés apoiados na roda como medida de segurança.

— Cara, essa foi por pouco. Nunca encaixei uma roda com tanta rapidez, murmurou Willdson ofegante pelo esforço, o susto e a dor.

— Que foi, San? perguntou Ramon preocupado. Machucou a mão?

Willdson esfregava a palma da mão tentando disfarçar um pouco como se tudo não passasse de uma pancada sem importância.

Carlos e Henrick estavam sem ação. O jeito era pensar em alguma coisa que pudesse solucionar o problema.

Ramon, como sempre, foi mais rápido na decisão, e isso, com certeza, era o que lhe garantia o cargo de Diretor Geral de Pesquisa de Campo da CIFEC.

— Henrick, Carlão, disse Ramon sem levantar-se do chão. Vejam o que podem conseguir. Pedras e galhos de árvores. Mas têm que ser pedras grandes e galhos grossos. Vamos tentar suspender o carro e calçá-lo. Dessa vez Will pisou na bola. E virando-se para Willdson, completou: Pôxa San! Está certo que tinha de ser um carro comum, mas você podia pelo menos ter checado o macaco, não é?

Carlos e Henrick saíram em direção ao mato que margeava a estrada.

Antes que Willdson pudesse dizer qualquer coisa, Ramon, voltando rapidamente ao assunto anterior, colocou a mão no ombro do amigo e perguntou com uma certa preocupação na voz:

— Tudo bem com a mão, San?

— Tudo bem! Sério!

— Foi o dardo daquele aborígene da Austrália, não foi? Deixe-me ver!

Willdson abriu a mão direita sem tirar os pés que apoiavam a roda.

—Tudo bem, Ramon. O doutor Othon fez um bom trabalho. Não ficou nem cicatriz. O problema é que com a mão espalmada eu não consigo apoiar direito.

Ramon deu um sorriso. Apanhou o cantil da cintura, abriu e, antes de tomar uma golada, disse em tom brincalhão como era seu estilo:

— Por isso você escreve, às vezes, com a mão esquerda?

Willdson deu sua gostosa gargalhada e em seguida completou:

— Lembra-se de quando voltamos da Austrália? O ferimento havia se complicado em função daquelas ervas que eles passavam na ponta dos dardos. Imediatamente eu fui pra cirurgia. Até plástica eles fizeram, como você pode ver. Só que um dos tendões ficou comprometido. Esse tratamento levaria alguns meses, como de fato, e os testes para incorporar a equipe do Projeto Neanderthal começariam três dias depois da cirurgia.

Enquanto falava, Willdson deu um leve aperto nas porcas da roda, mesmo com o pneu furado, apenas para que pudesse levantar um pouco e esticar as pernas. Acendeu um cigarro e continuou:

— Eu só tinha duas alternativas: estaria fora do projeto ou teria de fazer com que a minha mão esquerda funcionasse com a mesma habilidade da direita. Você se lembra como eram dificílimas as simulações! E era preciso muita firmeza na mão.

— É, eu me lembro sim, San. Eles sempre foram muito exigentes nos testes.

— Pois é, continuou Willdson, eu treinei com a mão esquerda por três dias, desde a escrita até o manuseio de uma arma e continuo treinando sempre pra não perder as habilidades.

— Bem, isso mostra que temos mais uma coisa em comum. Ambos somos ambidestros, podendo escrever ou atirar com as duas mãos, completou Ramon dirigindo-se ao encontro dos dois companheiros que agora vinham carregados.

— Vamos lá, moçada, gritou Ramon, já perdemos muito tempo. Will, Carlão, vamos erguer o carro. Henrick, você calça por baixo da coluna.

Ramon virou-se de costas para o carro, abaixou-se e colocou as mãos por debaixo da viatura. De costas ficava mais fácil fazer a alavanca. Carlos e Willdson colocaram-se um de cada lado e seguiram seu exemplo.

A cada erguida, Henrick calçava com pedras e paus, até que fosse possível trocar o pneu em segurança.

O atraso foi de cinquenta minutos e para recuperarem o tempo deveriam sair de Bauru às 13:00 horas.

— Bem, se tudo correr sem problemas daqui pra frente, acho que cumpriremos o cronograma e...

Antes que Ramon pudesse finalizar seu pensamento, Carlos interrompeu.

— Qual o problema se chegarmos depois das 23:00 horas?

Ramon não respondeu de imediato. Estava fazendo algumas anotações. Willdson deu seta e seguiu a placa com destino ao centro da cidade. Era preciso encontrar um borracheiro para fazer o reparo no pneu. Ramon guardou a caneta no bolso do colete e só então se deu conta da pergunta de Carlos.

— Pra ser sincero, Carlão, não tenho certeza dessa possibilidade, mas, caso não cumpramos o nosso cronograma, teremos um problema muito sério.

— Mas, se apenas amanhã cedo vamos nos encontrar com o Coronel Krismmel em Aquidauana, que diferença faz chegarmos em Campo Grande uma ou duas horas mais tarde? Afinal, não vamos parar em Campo Grande apenas para passarmos a noite?

— Não exatamente, continuou Ramon. Temos um contato marcado com a Central exatamente às 23:00 horas, ou seja, 22:00 horas no horário local devido ao fuso horário. Esse contato será feito via satélite e o canal só estará aberto às 23:00 horas ou às 11:00 horas da manhã. Além disso, só conseguimos acessar se for aberto o espaço através da Central.

Henrick, que até então só acompanhara como ouvinte, entrou na conversa. Pra ele, as coisas poderiam seguir um caminho mais simples.

— Por que não fazemos o contato via telefone? Ou até mesmo pelo rádio?

— É arriscado demais, interveio Willdson. Telefone não é um meio de comunicação confiável. Sabe como é... Existe grampo, linha cruzada e o rádio não tem frequência exclusiva.

— Mas o que temos de tão especial para transmitir à Central?

Carlos não conseguiu disfarçar a sua curiosidade. Ele queria saber mais, pois tanto quanto Henrick, pouco sabia a respeito da missão.

Ramon acendeu um cigarro e, antes de responder, soprou a fumaça pela janela do carro.

— Pra dizer a verdade, Carlão, não temos nada a dizer à Central a não ser que tudo está sob controle. Contudo, talvez o Marcos tenha conseguido alguma coisa que possa nos ajudar. Não sabemos o que aconteceu no ponto M, a não ser que cinco homens, dos mais experientes, perderam contato com a Central há quatro anos. E o que está nos tirando o sono é que não temos a menor ideia do que vamos enfrentar lá.

— E de que forma vamos fazer contato? Não temos um computador aqui no carro ligado na rede!

— Vamos usar o sistema do Guerard.

— Guerard? Quem é Guerard?

— É um amigo pessoal e de muita confiança. Faz pesquisas no campo da Ufologia. É um contato da maior importância. Sabe que estamos com problemas, ainda que não saiba de que tipo.

Willdson parou o carro em frente a uma borracharia. Desceu e foi ter com o borracheiro.

Carlos pediu licença, empurrou o banco dianteiro do carro, abriu a porta e desceu, justificando a atitude.

— Vamos até a padaria enquanto isso? Quem sabe lá tem um café!

— Não é má ideia, não seria nada mal aproveitarmos para comer alguma coisa. Afinal, temos de ganhar tempo e almoçar agora nos atrasaria ainda mais.

Ramon desceu do carro acompanhado por Henrick. Enquanto atravessava a rua, gritou para o amigo que abria o porta-malas a fim de apanhar o pneu danificado.

— San, estamos aqui na padaria! Chega lá depois!

Willdson assentiu positivamente e entrou na borracharia. O borracheiro tirou a câmara de ar para fazer o conserto e descobriu que a mesma estava imprestável.

— Desculpa, moço, mas essa aqui não tem mais jeito!, disse o rapaz analisando o estrago.

— Coloca uma nova, falou Willdson.  Que alternativa temos?

— É que eu não tenho, resmungou o borracheiro. Tem que buscar uma no centro da cidade!

Willdson ficou indignado, mas não tinha mesmo outra alternativa. Entrou no carro, deu a partida e foi em direção ao centro da cidade.

Quando voltou, todos já sabiam o que tinha acontecido e estavam à sua espera.

— San, disse Ramon enquanto Willdson descia do carro com a nova câmara de ar, vai comer alguma coisa que eu cuido disso agora.

Às 14:02h, a equipe finalmente saiu de Bauru com destino a Campo Grande.  Haviam perdido uma hora e vinte minutos além do previsto, mas ainda tinham esperança de chegar no horário.

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