A queda

Novas propriedades foram construídas ao redor da estação, mesmo depois de sua inauguração. Na ocasião eram apenas quatro hotéis: o prédio da Dimensão Turismo, o hospital, duas pousadas e a universidade. Hoje estava cercada de prédios e casas, havia mercados, padarias, restaurantes e lojas, além de muito mais, ainda em construção.

É claro que este rápido crescimento vinha do turismo que aumentava ano após ano, incentivando os empresários a investirem no local. O esforço da Dimensão Turismo em manter ampla publicidade em todos os meios de comunicação, de diversos países ao redor do mundo, colaborava um bocado para esse crescimento. Como Valdir previra, a oportunidade de ver animais extintos há tanto tempo despertava o interesse das pessoas, que lotavam os hotéis todos os anos e, o melhor de tudo, é que o manto elétrico tornava o lugar inteiramente seguro.

Um desses interessados era a estudante Berenice, filha de um empresário bem sucedido e que por vários meses pediu esta viagem ao pai. Ela tinha se casado no início das férias de inverno e seu pai lhe dera a viagem como presente de casamento. Ela e o marido, Inácio, chegaram à estação na manhã de quinta-feira e hospedaram-se no hotel Três Lagoas, onde passaram a noite.

Já passava das sete horas da manhã de sexta-feira e eles ainda dormiam. Estavam em um quarto no último andar do hotel. Na noite anterior deixaram a janela entreaberta e, enquanto Berenice dormia ao lado do marido, uma leve brisa entrou pela janela, fazendo as cortinas brancas se moverem.

Então, os olhos de Berenice se abriram e, com movimentos rígidos e programados, ela afastou o lençol e sentou sobre a cama, levando os pés ao chão. Em seguida ergueu-se com a mesma rigidez, corpo ereto e olhar para frente, perdido na distância, não se virou nem para olhar o marido que ainda dormia. Caminhou em direção à porta e, sem olhar para baixo, apenas ergueu a mão e a fechadura destravou com um ruído, à porta se abriu como que empurrada pelo vento e Berenice saiu.

Enquanto andava pelo corredor, ela passou por uma camareira que, devido à recente chegada da hóspede, ainda não a conhecia, nem tinha qualquer informação sobre ela. Por isso, ao ver aquela jovem de olhar vago e inexpressivo, pensou que ela fosse cega e tivesse se perdido num lugar que não conhecia. Ela a acompanhou com a intenção de ajudar.

– Quer que eu a acompanhe de volta ao seu quarto ou a algum outro lugar? – perguntou a camareira Elisa, tentando ser gentil, mas Berenice não lhe deu atenção, apenas continuou seguindo em frente, como se a camareira não estivesse ali e isso levou Elisa a pensar: “será que além de cega é surda também”?

Elisa já trabalhava há muito tempo naquele hotel, fazia quase sete anos que ela se mudara para a estação com o marido e o filho e em todo esse tempo nunca presenciara nada parecido. Havia algo de muito estranho com aquela mulher e Elisa logo percebeu que não era problema de visão, pois ela andava decidida, como se conhecesse o lugar ou pudesse ver para onde ia. “Mas e se ela for mesmo cega e estiver perdida, seria uma grosseria desampará-la”. Pensando assim, Elisa sentia-se no dever de ajudá-la, e como havia ficado para trás enquanto pensava no que deveria fazer, apressou-se em acompanhá-la.

– Por favor, moça, diga-me em que quarto está ou o que está procurando, para que eu possa ajudá-la – disse outra vez.

Mas Berenice continuou seguindo em frente, sem lhe dar atenção, o que fez Elisa se perguntar se na verdade ela não era apenas uma garota mimada que se recusava a falar com os empregados. Elisa estava quase desistindo quando Berenice parou em frente à porta da escada que levava à cobertura, residência do dono do hotel.

Perguntava-se o que ela queria ali, pois sabia que a porta estava sempre trancada mas, para sua surpresa, viu que faíscas elétricas saíam da fechadura. Pouco depois, acompanhado por um breve estalo, a fechadura destravou e a porta abriu, sem que ela a tocasse. Assim que a porta abriu, Berenice começou a subir as escadas. A camareira, preocupada, correu atrás, enquanto a eletricidade avançava pela porta e se espalhava por todo o corredor.

– Por aí não, moça, eu não posso permitir isso – gritou Elisa, ficando cada vez mais nervosa. Percebeu que o caso era bem mais sério do que ajudar alguém perdido. Para entrar na casa dos outros daquela maneira só podia ser uma ladra.

Berenice continuou seguindo em frente, sem sequer demonstrar que estivesse ouvindo os gritos da camareira. Ao chegar à cobertura, a porta se abriu da mesma forma como aconteceu com a anterior, e ela entrou. Depois de seguir pelo corredor a eletricidade continuou se espalhando por todas as paredes e móveis como uma onda azulada. Elisa, já cansada de tanto correr e gritar, parou em frente à porta, mas Berenice havia sumido antes que ela pudesse ver para onde havia ido.

Ali, diante daquela porta, Elisa enfrentava um difícil dilema: estava diante da cobertura de seu patrão. Sabia que, como naquela ocasião, ele às vezes ficava fora por muito tempo, e as chaves sempre ficavam na administração, de onde as camareiras só tinham autorização para tirá-las, quando mandadas. Não sabia o que aquela mulher estava fazendo ali, mas sabia que camareira ela não era, portanto, não devia ter autorização para estar ali. Se ela entrasse, Elisa podia acabar sendo demitida.

Por outro lado, sabia que já era tarde demais para voltar atrás, precisava encontrá-la para tirá-la dali o mais rápido possível. Elisa entrou, mas estava tão assustada que sentia o coração bater acelerado. Da sala para a varanda havia uma grande porta de vidro, que estava aberta. Ao olhar para fora, Elisa viu Berenice parada perto do muro que marcava o fim da área. Então, de onde estava, Elisa gritou mais uma vez, esperando ser compreendida.

– Você tem que sair daí, o acesso a este lugar não é permitido aos hóspedes.

Ali em frente estava o prédio Dimensão Gaúcha, que tinha quatro andares a mais que o hotel Três Lagoas. Ao chamar pela quarta vez e não obter resposta, Elisa se calou e aguardou junto à porta, para ver o que a moça pretendia fazer.

Berenice permaneceu parada de frente para o prédio, os braços caídos ao lado do corpo e a camisola ondulando ao vento. De repente, o espaço à sua volta sofreu um abalo e ondulou, como se Berenice fosse uma pedra caindo dentro de um lago. Esse abalo se espalhou por toda a estação com um leve e rápido tremor.

A eletricidade já se espalhara por todo o prédio, e Elisa viu Berenice sendo envolvida por ela. Para sua surpresa, logo começou a lhe acontecer o mesmo. A eletricidade saía do seu corpo sem que Elisa entendesse por quê, causando um leve desconforto, não demorando a começar a doer. Logo se espalhou por toda a estação.

Alex estava em sua casa quando sentiu um zunido nos ouvidos. Era algo semelhante ao que acontece quando estamos debaixo da água. A princípio Alex não deu importância, pois pensou que seria passageiro, mas aquilo foi se alastrando por todo o corpo, como se quisesse entrar pelos poros da pele.

Quando ficou mais forte, ele sentiu uma corrente elétrica passando pelo corpo, causando terríveis cãibras. A tudo isso acompanhava uma terrível falta de ar, que fez com que ele se levantasse da poltrona em que estava. Desesperado, olhou para o braço que erguera diante dos olhos e viu que começava a desaparecer. Tentou andar, mas depois de alguns passos ele desequilibrou-se e caiu. Seu corpo todo começava a desaparecer.

Nesse momento, Alex acordou com um sobressalto, estava assustado e ofegante, suando enquanto tentava recuperar a respiração. Cíntia não estava mais ao seu lado, já havia se levantado e saído do quarto. Alex havia sofrido um acidente alguns anos atrás e desde então esses pesadelos o acompanhavam constantemente. Ficou três dias abandonado em terras pré-históricas, durante os quais estivera inconsciente o tempo todo.

Quando acordou, ainda no hospital, disse à enfermeira que havia sido atingido nas costas por estilhaços da explosão e que com muita dificuldade conseguiu arrancar o maior deles. Mas a enfermeira não acreditou, dizendo que se ele tivesse mesmo sido atingido por este estilhaço não teria sobrevivido próximo a um ninho de tyrannosaurus por três dias.

Além do mais, chegou sem ferimento algum ao hospital. “E ferimentos assim não cicatrizam em três dias, não é mesmo?”, Concluiu a enfermeira. Mas quando Alex perguntou à enfermeira se não era estranho ficar abandonado três dias naquele lugar estando bem próximo a uma explosão e ter voltado sem nenhum ferimento, ela apenas confirmou que sim.

Para Alex, no entanto, restaram os pesadelos e a sensação de que algo continuava sem explicação. Ele se levantou, trocou de roupa e foi encontrar Cíntia, que trazia as coisas da cozinha à mesa da sala de jantar, para o café da manhã.

Ele sentou à mesa e Cíntia logo sentou à sua frente. Estavam começando a comer quando sentiram o abalo, seguido por um leve tremor. Os curtos começaram de um dos lados da casa e se espalharam pelo teto, chão, paredes e móveis. Alex jogou um pedaço de pão sobre a mesa, Cíntia largou a xícara e ambos saltaram da cadeira assim que a eletricidade os atingiu.

– O que está acontecendo? – perguntou Cíntia depois do susto.

Nem mesmo Alex sabia explicar aquilo, mas sabia que algo assim só podia estar relacionado a uma coisa, por isso respondeu:

– Não sei, só posso dizer que coisa boa não é!

Neste momento os dois filhos do casal, Eduardo, um adolescente de quatorze anos, e Amanda, uma menina de dez, desceram as escadas chamando pelos pais. Foram acordados pelos choques e, assustados, resolveram correr para perto deles, enchendo-os de perguntas. Alex desistiu do café e deixou que Cíntia respondesse às perguntas dos filhos, mas enquanto ele se dirigia para a porta, Cíntia perguntou:

– Para onde você vai?

– Tenho que fazer alguma coisa antes que seja tarde demais!

Depois que se tornara diretor da Dimensão Turismo, Valdir se desligou da medicina. Mas, às vezes, ainda lembrava seus tempos de médico e voltava ao hospital onde visitava alguns pacientes. Ele estava no hospital naquele momento e a paciente que estava visitando havia sido internada no dia anterior. Como a maioria dos casos atendidos ali, não era nada grave, mas a paciente necessitava de cuidados e por isso resolveram interná-la.

Quando a eletricidade surgiu de repente, vindo de tudo o que havia no quarto, a mulher se assustou e, por um momento, pensou que os choques a deixariam pior que o mal-estar que sentia. Mas Valdir logo a ajudou a ficar de pé ao lado dele e ela se acalmou. Mesmo assim perguntou:

– É normal acontecer esse tipo de coisa por aqui?

– Não! – respondeu Valdir. – Esse tipo de coisa não é normal, nem mesmo aqui.

Instantes depois, uma enfermeira entrou apressada no quarto e, ao pôr os olhos em Valdir, disse, aliviada.

– Oh, Valdir, que bom que está aqui! A eletricidade está saindo de todas as coisas e em todos os quartos. Não sabemos mais o que fazer para ajudar os pacientes. Ai... – ela gritou ao bater no marco da porta. Não aguentava mais de dor nos pés.

Valdir pediu à paciente que ela só voltasse a se deitar depois que a eletricidade cessasse, e saiu do quarto acompanhando a enfermeira.

– Não há nada que possamos fazer quanto a isso, apenas tirem os pacientes das camas e mantenham-nos de pé até que isso passe. Só o que podemos fazer é tentar diminuir os ferimentos. Peça aos outros para ajudar, pois eu tenho que ir – disse Valdir, enquanto ele e a enfermeira andavam pelo corredor.

Heitor ainda estava no hotel naquele momento. Tinha pedido que lhe levassem o café da manhã, e o entregador arrumou tudo sobre uma mesinha redonda antes de sair. Heitor mal havia começado a refeição quando a eletricidade invadiu o quarto. Surpreso, ele olhava em volta, admirado com o que estava vendo.

A eletricidade logo atingiu a mesa, envolveu a cadeira passando por ele e atingiu a xícara, fazendo com que ele a deixasse cair depois de um sobressalto. A xícara bateu na mesa derramando parte do café, depois bateu contra sua perna molhando a calça e foi quebrar-se ao chão, onde espalhou o que ainda havia do café, molhando o tapete. Ele levantou da cadeira num pulo.

Quando Alex chegou ao prédio Dimensão Gaúcha, já havia muita gente saindo, então aguardou até que um grupo de colegas passasse, liberando a porta para ele entrar. Mas, no momento em que Alex chegou à porta, foi atingido por uma forte descarga elétrica que o jogou para longe, indo parar no meio da estrada. Outro grupo de pessoas começou a sair e passou por ele enquanto se levantava, ainda tremendo por causa do choque. Ao olhar para a porta teve receio de que aquilo se repetisse e evitou entrar por um momento.

– O que está acontecendo? – perguntou Alex a uma das pessoas que saíam apressadas. – Por que estão abandonando o prédio?

– Ninguém sabe direito – respondeu a mulher. – Fomos aconselhados pelos seguranças a abandonar o prédio, parece que há um defeito nos transformadores.

Alex afastou-se pela rua, andando entre as pessoas que saíam do prédio e olhando para cima, A eletricidade o envolvia de alto a baixo e se alastrava para as propriedades ao redor dele. De alguma forma toda a energia que usavam estava voltando para o prédio de origem. Instantes depois houve uma explosão, logo seguida por outras, em diferentes andares e pontos do prédio. Eram os transformadores que, sobrecarregados e aquecidos demais, começaram a explodir um após outro, lançando grandes chamas.

Após as explosões, todos os vidros do prédio começaram a quebrar de alto a baixo, destruídos ou pelos tremores da explosão ou pela eletricidade que continuava açoitando o prédio, e caíram sobre as pessoas, que começaram a correr para afastar-se do local.

– Cuidado! – gritou Alex, puxando uma mulher pouco antes de um grande pedaço de vidro se quebrar no lugar onde ela estava.

Alex continuou correndo entre as pessoas, cobrindo a cabeça com os braços e tentando evitar que grandes pedaços de vidro o atingissem. Em meio a toda aquela confusão, nem sabia mais para onde estava indo, apenas queria afastar-se do prédio e, de repente, bateu forte contra Ana de forma que ambos se desequilibraram e quase caíram.

– Desculpe-me, eu não a tinha visto! – disse Alex e, neste momento, os fragmentos de vidro acabaram e pôde olhar para ela, reconhecendo Ana.

– Vim em busca da causa de toda essa confusão, já descobriu alguma coisa? – perguntou Ana.

– Ainda não – respondeu Alex. – Estava tentando entrar no prédio, mas vai ficar sempre mais difícil com todo mundo querendo sair. A única coisa que sei é que um defeito nos transformadores não causaria isso.

Elisa não chegou a ver as explosões, pois não houve nenhuma na pequena parte do prédio que lhe era visível, mas pôde ouvi-las muito bem. Ela ainda sentia os efeitos da eletricidade que vinha de suas roupas. No momento em que saía pela porta para ver o resultado, não pôde evitar um grito de "ai" devido a um choque que levou ao esbarrar na parede.

Ao ver o prédio, que sem as vidraças ficava sem as paredes da fachada, ela voltou para a cobertura e saiu de frente à porta, para que Berenice não a visse. Estava quase encostando-se à parede quando, ao lembrar o que acabara de acontecer, constatara que não era uma boa ideia.

“Ela esta causando isso,” pensou Elisa, parada no mesmo lugar e tremendo tanto que não ousava se mexer. “Mas por quê? Qual o motivo de um ato tão cruel?” Elisa só encontrava uma explicação para o que estava acontecendo: bruxaria, aquela mulher era uma bruxa poderosa e fazia coisas que nunca imaginou serem possíveis. Elisa estava com tanto medo que queria ir embora, mas a curiosidade era mais forte e não a deixava ir. Precisava ver como aquilo iria acabar.

 Alex abria caminho entre as pessoas que saíam do prédio, tentando chegar outra vez à porta, mas quando conseguiu se aproximar as últimas pessoas que estavam no prédio já tinham saído e um dos seguranças trancava a porta.

– Abra logo isso e me deixe entrar – gritou Alex, ainda correndo em direção a eles.

– Não posso, é perigoso lá dentro – respondeu um dos guardas, e ambos seguraram Alex por um dos braços, arrastando-o para longe.

– Me solta – gritou Alex. – Eu tenho que ir até lá fazer alguma coisa.

Ele se soltou dos guardas e saiu correndo em direção à porta. Desta vez os guardas não foram atrás. Nem foi necessário. Ao aproximar-se do prédio, Alex chocou-se com grande violência contra alguma coisa e a força do impacto o jogou para trás, fazendo-o desequilibrar-se e cair no chão. “Isso não é possível,” pensou Alex, enquanto se levantava, ainda desorientado pelo impacto. Era como se ele tivesse se chocado contra uma parede e, no entanto, não havia nada ali.

Ao pôr-se de pé outra vez, começou a tatear à sua volta em busca do que havia impedido sua passagem, mas só conseguiu sentir que algo bloqueava o caminho. Toda vez que o tocava, erguia-se uma onda azulada, como se estivesse tocando na água que ia endurecendo e solidificando mais adiante como gelo.

– Vai desabar – Alex ouviu alguém gritar.

Alex olhou para o prédio, incapaz de acreditar, mas para o seu mais profundo pesar percebeu que era verdade ao ouvir o som das rachaduras que se intensificaram no último momento. Paredes, colunas e vigas começaram a rachar e logo as colunas do térreo estavam tão danificadas que cederam. O primeiro andar veio abaixo num instante e assim continuou um andar após o outro, até não haver mais nada a não ser um monte de entulho e poeira.

Fragmentos batiam contra a barreira a todo o momento, mas assim como Alex, também não foram capazes de transpassá-la. No entanto, a barreira empurrava as pessoas cada vez mais para longe enquanto o prédio ia caindo e, ao final, o entulho chegava ao outro lado da rua.

Ao ouvir o prédio desabando, Elisa tomou coragem e voltou a ficar em frente à porta, ainda em tempo de ver os dois últimos andares do prédio da Dimensão Turismo desaparecendo em direção ao chão, do outro lado da rua. Elisa teve um impulso de ir ver o que estava acontecendo lá embaixo, mas logo lembrou-se de que não conseguiria ver a rua daquele lugar. Estava para sair quando viu Berenice cair, desmaiada.

Naquele momento um novo som ecoou à sua volta, quase tão forte quanto o da queda do prédio e, ao olhar para o alto, viu as nuvens escuras que encobriam o céu. O manto elétrico não a permitiu ver que o dia começou nublado, algo que Elisa não via desde que viera para a estação.

Depois que o instalaram não havia mais invasões de animais indesejados, não havia mais chuva, nem sol em demasia. E como agora não havia mais eletricidade e o manto elétrico se fora junto com o prédio, estava tudo tão escuro como se o dia começasse a nascer, apesar de já ser quase oito horas da manhã. Logo outro relâmpago iluminou o céu sobre a estação por um segundo, antes de começar a chover levemente.

Elisa deu um passo à frente com a intenção de ir socorrê-la, mas depois do que viu Berenice fazer não sabia qual seria a sua reação se ela soubesse que havia uma testemunha. Mais uma vez o medo a afastava, acreditava que correria perigo de vida se Berenice soubesse que alguém havia presenciado o que fez.

Apavorada, correu porta afora e desceu as escadas, correndo de volta ao trabalho. Passou o dia inteiro tentando esquecer o que acontecera e desejando que ninguém descobrisse o que presenciou. Mas, a todo o momento, flagrava-se pensando no assunto outra vez, e isso a deixava ainda mais nervosa.

Berenice acordou logo depois que Elisa saiu. Ficou surpresa ao ver que não se encontrava no quarto onde adormecera e, sim, no terraço do hotel. A chuva estava ficando cada vez mais forte e como ali só havia um muro baixo, pois o telhado começava mais para trás, a chuva molhava toda a área. Berenice quis olhar para baixo, tentando entender o motivo de tanto barulho, mas, com o telhado na frente, não conseguiu ver nada. Sua cabeça doía.

Ela foi então para o lado de divisa com a pousada, de onde podia ver uma parte da rua repleta de pessoas, funcionários e turistas, que, assim como ela, queriam ver o que havia acontecido. Assustou-se ao perceber que onde antes havia um prédio, agora não havia mais nada, e onde havia uma rua agora só havia entulho.

Ainda sonolenta, Berenice bocejou, exausta, e saiu dali. Apesar de não conhecer o lugar, não teve dificuldades para sair, pois passou pelas únicas portas que estavam abertas e logo chegou à escada. Depois que chegou ao corredor foi direto ao seu quarto, onde o marido já a aguardava, sentado numa poltrona.

– Aonde você foi tão cedo? – perguntou Inácio, olhando seriamente para a esposa. – E por que esta roupa toda molhada?

A camisola de Berenice estava tão molhada que grudou-se moldada ao corpo, e a água que escorria formava uma poça no chão. Ao ver isso Berenice entendeu por que o marido parecia tão furioso e agora, além de assustada, também se sentia envergonhada.

– Acordei no terraço... ninguém me viu voltar – respondeu Berenice, nervosa. Fez uma pequena pausa e depois tentou mudar de assunto. – Viu o que aconteceu ao prédio aí em frente?

– É claro que vi, acordei com os choques que vinham da cama – disse Inácio e levantou-se, mostrando algumas marcas pelo corpo, depois continuou. – Quer me explicar o que está acontecendo?

Berenice estava tão nervosa que quase começou a chorar.

– Juro que não sei – respondeu ela, que ainda tentava entender como fora parar no terraço. – Dormi ontem à noite com você e só acordei agora há pouco no terraço, sem a menor ideia de como fui parar lá.

– Tem certeza de que ninguém a viu desse jeito? – perguntou Inácio agora mais calmo.

– Não posso dizer o que aconteceu antes de acordar, mas posso garantir que desde que recobrei a consciência ninguém me viu – respondeu Berenice, abraçando o marido. Ela sentiu que o marido acreditava no que estava dizendo, mas ele continuava estranho, e Berenice temia que pensasse que ela havia enlouquecido. Ela mesma temia estar enlouquecendo.

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