CAPÍTULO 5

                                                        Benjamin Padovanne

         - Por que eu sinto que você quer me dizer algo? – digo encarando a mulher à minha frente.

         A imagem dela hoje, por algum motivo, está diferente. Ela não parecia tranquila como das outras vezes, apesar de continuar com sua expressão neutra. Além disso, até o ambiente, que continuava o mesmo, aparentava estar muito mais pesado do que das outras vezes. A angústia pairava entre nós e isso me incomoda.

         - Você não tem como sentir nada, está dormindo - diz sem me encarar.

         - Claro que tenho, hoje você está diferente.

         - Então você quem me responde o que está acontecendo, o sonho é seu.

         - Sei lá, é estranho. É como se isso fosse mais que um sonho.

         - Então é o que?

         - Não sei – a única certeza que tenho é a angústia em sonhar com ela.

         A ansiedade anda consumindo os meus dias e só parece se esvair quando estou aqui com ela. Chego, às vezes, a contar os minutos para vim ver essa mulher. Tem algo de errado comigo.

         Isso não pode ser somente um sonho.

         - Vai me dizer ou não o que está te incomodando? – pergunto novamente.

         - Eu sou só uma imagem da sua cabeça, o que me incomoda é o que te incomoda. Então, o que te incomoda Benjamin? - como é que meu nome soa tão bonito em sua voz?

         - Hoje não, hoje você está diferente.

         - Estou exatamente como nos outros dias.

         - Fala logo - dou um passo em sua direção olhando para ela quase desesperado.

         - Não adianta, você não pode fazer nada por mim – diz com a cabeça baixa.

         - Então me diz como posso te ajudar? – toco em seu queixo e trago seu olhar de volta para o meu.

         - Eu não sei – uma lágrima escapa de seus olhos e eu a seco com o meu polegar.

         A sensação de tocar naquela pele era fogo. Aquela pele delicada em contato com a minha me causava um choque gostoso e eu acho que não é certo está sentindo isso. Porém, a minha maior vontade é poder sentir isso sempre.

         - Me diga, por favor...

         - Eu preciso de sua ajuda...

                                                                        ...

         - Doutor Benjamin! – vejo uma das enfermeiras na porta da minha sala – Ainda bem que te achei, estão precisando do senhor na emergência.

         - Já vou – pego o meu jaleco pendurado em minha cadeira e corro para a emergência.

         O que está acontecendo comigo? Por que não consigo tirá-la da minha cabeça? Eu estava dormindo em pleno expediente? Isso nunca aconteceu!

         Quando chego à ala emergencial, pergunto onde estão precisando de mim e as enfermeiras apontam para uma das salas.

         - Boa noite, eu sou o Dr. Pado...

         - Que dizer que eu tenho que fingir um acidente para conseguir receber notícias do meu filho? – minha mãe estava sentada na maca com uma cara não muito boa.

         Parece que eu tinha me esquecido de retornar a ligação de novo. Helena tinha razão, eu simplesmente esqueço da existência do meu celular.

         - Mãe...

         - Você não imagina a surpresa que eu tive quando ligo para seu melhor amigo em busca de notícias suas e descubro que MEU filho aceitou um pedido de casamento e não me contou! Desde quando você estava namorando?

         Respiro fundo, eu não sairia dali tão cedo sem dar explicações. Minha mãe é uma das pessoas que mais amo no mundo e confesso que não tenho sido o melhor exemplo de filho nesses últimos meses. Sabia que, se ela descobrisse o que estava acontecendo, viria tirar satisfações.

         - Eu só estava esperando a hora certa para contar...

         - E isso ia ser quando? No dia que você fosse subir no altar? Depois do casamento acontecer? Aí depois me ligaria falando? “Mãe casei” – diz irritada.

         - Não sei. Talvez – rio.

         - Benjamin, eu deveria te dar uns bons puxões de orelha. Primeiro por não me dar notícias, depois por não me falar que eu tenho uma nora, que, inclusive, eu faço questão de conhecer já!

         - Mãe, acho que aqui não é o melhor local para falar disso.

         - Você está de plantão hoje?

         - Não.

         - Pergunte se pode sair, exijo explicações agora. Se não vai ser aqui, vamos a outro lugar. De  hoje essa conversa não passa, estou há dias tentando falar contigo, então já chega de me enrolar.

         - Tudo bem, me espere no saguão. Vou só me trocar e encerrar o expediente.

         Uma hora ou outra teria que acontecer essa conversa. Não é de hoje que eu adio esse papo e a situação só piora quando ela descobre por conta própria que o filho vai casar. Olha só a dor de cabeça em que estou me metendo!

         Como a noite estava tranquila e já tinha atualizado todos os meus prontuários, falo para as enfermeiras que sairia para jantar, mas estaria com meu Pager em mãos. Era só me biparem se alguma coisa aparecesse. Eu iria conversar com minha mãe em um restaurante ao lado do hospital, então dá pra vir correndo.

         - Quero a história do começo – minha mãe diz após termos nos sentado e feito nossos pedidos.

         - Bom, tudo começou há uns cinco meses atrás...

         - VOCÊ ME ESCONDEU ISSO POR CINCO MESES?! – dá um tapa leve em meu braço.

         - Sim, eu sinto muito.

         - Eu ainda te mato, Benjamin.

         - Enfim, cinco meses atrás eu fiz a cirurgia de um paciente muito importante pra mim. Não posso entrar em detalhes por conta do sigilo médico, mas eu já acompanhava o tratamento desse homem há um tempo e, consequentemente, acabei me tornando muito próximo de toda a família. Infelizmente, ele não saiu vivo da cirurgia por causa de uma condição inesperada que poderia ter sido identificada em um pré-operatório, mas estávamos sem tempo de fazer o teste antes, pois ele estava tendo um ataque, então decidi que o correto era levá-lo direto para a cirurgia. Conversei com os familiares antes de entrar e dei a entender que era um procedimento simples e era quase garantido ele sair de lá bem.

         - Ele morreu e você se culpou por isso?

         - Sim, a família me processou, mas acabou não dando em nada, pois ficou claro que a decisão de ir direto para a cirurgia era a melhor opção na hora. Vários médicos especialistas foram convidados para analisar a situação e disseram que fariam a mesma escolha. Porém, isso não deixou de me afetar. Eu passei um mês em casa, Vicente vivia dizendo que eu devia contar o que estava acontecendo e que eu precisava de ajuda, mas eu o proibi de falar qualquer coisa.

         - Você sabe que eu te ajudaria filho...

         - Eu sei, mas eu não queria ajuda.

         - E o que te fez voltar a trabalhar?

         - O hospital começou a me enviar e-mails falando que iam me demitir, mesmo sabendo da minha boa reputação. Então, tive que voltar para, pelo menos, dar aulas aos novos internos. Por um mês inteiro eu só dava aulas e o meu colega de departamento ensinava a prática. Comecei um acompanhamento psicológico por indicação do hospital, mas não mudou muita coisa, eu não falava sobre o assunto.

         - Benjamin...

         - Foi aí que conheci Helena.

         - Sua noiva? – assinto – Eu a conheço! Por que não me disse antes?

         - Helena era a mais nova atendente pediatra contratada e logo ficou sabendo dos rumores que circulavam pelo hospital sobre eu estar arruinando minha carreira, entre outras coisas. Aí ela me conheceu e começou a se aproximar. No início eu não me abria, mas ficamos amigos com o tempo e ela passou a ser a única pessoa que eu conversava direito quase. O tempo foi passando e ela me ajudou a superar, a voltar a operar. Então me pediu em casamento e eu aceitei, foi isso.

         - Você se apaixonou por ela filho? – ela sorri pra mim.

         - Eu gosto muito dela mãe, mas Vicente está desconfiado.

         - Do quê?

         - Ele acha que não a amo.

         - E isso é verdade?

         - Eu não sei. O que é amar? Eu sei que te amo, mas eu não sei o que é um amor de um homem por uma mulher, o máximo que senti até hoje foi atração por outras mulheres. O único exemplo de relação que tenho é a sua com papai – ela se mostra um pouco incomodada com o que digo e eu fico surpreso com sua reação.

         Falei algo errado?

         - O que você sente por ela?

         - Tenho certeza que gosto muito dela e é diferente de uma mera atração.

         - Filho, eu não tenho muito que dizer, pois você é o único capaz de descrever seus sentimentos. O amor que você sente por mim é uma coisa e o amor entre um homem e uma mulher é outra e, ainda assim, os amores de casais por aí são diferentes. Não é possível comparar uma relação com a outra, então você quem tem que definir as coisas.

         - E se eu me separar dela e me arrepender depois? Se ela for a pessoa certa para mim e eu estiver perdendo essa oportunidade em meio a tantas dúvidas?

         - Quando se ama, não existem dúvidas. Acho que você deveria tirar um tempo para pensar, essa é uma decisão séria. É o futuro de duas pessoas que está dependendo disso.

         - Vicente disse a mesma coisa.

         - Isso é um sinal que pensamos igual e que, talvez, tenhamos razão. Eu sei o que pode estar acontecendo, mas acho que você deve descobrir por si mesmo, não tenho o direito de te influenciar nisso.

         - E quanto tempo eu vou precisar?

         - Não sei. Faça uma viagem, tire férias, faça o que for, mas se afaste um pouco de tudo e todos para esclarecer as coisas. Talvez seja o fato de você nunca ter tirado esse tempo de reflexão  sozinho que está te impedindo de pensar.

         - Não posso abandonar o hospital agora.

         - Então tente dar espaço a seus pensamentos, não os reprima, e escute o seu coração.

         - Tudo bem – suspiro frustrado.

         Eu esperava que ela pudesse ser um pouco mais clara nisso.

         Eu preciso de alguém para esclarecer essas coisas. Tudo isso é muito confuso e ter que descobrir sozinho me deixa ainda mais assustado.

         - Não precisa ter pressa – diz ao perceber que eu não fiquei muito contente com seus conselhos – Um casamento demora a ser planejado, você vai ter tempo para perceber as coisas. Além disso, um casamento entre médicos demora mais ainda, pois a carreira dos dois é algo delicado, já que ambos escolheram dedicar a vida a um trabalho lindo, que é salvar pessoas. Então, não acho que seria absurdo se você conversasse com Helena e pedisse um pouquinho de paciência.

         - Ok.

         - Agora me promete que não vai mais me deixar preocupada e que vai me ligar, pelo menos, uma vez por semana para me dizer as coisas. Não quero ter que ir ao hospital para saber de você.

         - Eu prometo tentar.

         - Já fico mais feliz com isso – sorri satisfeita.

                                                               Maya Costa

         - Mamãe, ola – Théo diz apontando para os patos nadando no lago atrás da casa de Dona Eliana – O que é?

         - Olha filho, parece que aqui tem um monte de patinhos!

         - A gente vai podê vi mais pa podê vê di novo?

         Já era final da tarde do dia seguinte e nós dois tiramos um tempinho para caminhar pela área verde ao redor da casa. Como o local era bem afastado, parecia uma pequena fazendinha rodeada por um espaço grande, perfeito para uma família grande morar. Théo estava doido para “explorar” a floresta, então resolvi vir com ele dar uma volta.

         - Vai meu amor, você gosta?

         - Xim, eu quelia podê i na pixina tamém.

         - Por enquanto não. O tempo está bem frio e não quero que você fique doente.

         - A gente vai molá ati agola?

         - A gente vai ficar aqui por um tempinho e depois vamos para outro lugar.

         - Onde?

         - Ainda não sei, mas espero que seja bem longe daqui.

         - Sem homem mau?

         - Sem homem mau.

         Ficamos sentados observando os patos até o sol desaparecer e depois voltei com ele no colo. Não queria deixar transparecer, mas ainda estava muito preocupada com a rotina escolar de Théo. Era muito simples para Leandro bater plantão na escola e achá-lo e isso me faz refletir se estou fazendo o certo ou se deveria ter aguentado um pouco mais antes de sair de lá.

         - Minha querida, sabe me dizer se Sophie ainda vai vir aqui hoje? – Dona Eliana pergunta do fogão assim que entrei com Théo pela porta da cozinha.

         - Não sei Dona Eliana, ela disse que estava para ver alguns detalhes na faculdade.

         - Ela deve estar muito ocupada então.

         - Precisa de algo?

         - Estou tentando arranjar alguém para levar o menino para a escola amanhã – diz abrindo um caderninho.

         - Eu não quero atrapalhar, pode deixar que eu mesma o levo de ônibus.

         - Não, vocês não podem correr riscos, ainda temos que pensar em uma forma de não reconhecerem ele na rua.

         - Tudo bem, eu vou pôr ele pra dormir – digo ao ver Théo deitar a cabeça em meu ombro – E já volto.

         - Tá bom.

         Vou para o quarto e fico um tempo andando com Théo no colo enquanto embalava seu corpo e cantava uma música. Théo nunca deu trabalho para dormir e sempre pegou no sono rapidinho, bastava ficar andando de um lado pro outro.

         - Mamãe... – diz com os olhinhos fechados.

         - Oi.

         - Ta difixiu de respilar - diz quase num sussurro.

         - Calma amor, continua tentando que eu vou pegar a sua bombinha.

         Coloco-o sentado na cama e corro até a minha bolsa.

         - Pronto pequeno – digo após dar a bombinha – Fica calmo e respira fundo – acompanho sua respiração até que se acalme e normalize – Hoje você só precisou dela uma vez.

         - Eu num goto dixu – faz careta.

         - Eu sei que é chato, mas você precisa pequeno.

         - Meus amiguinos tamém pecisam?

         - Não.

         - Então pu que eu peciso?

         - Porque você é especial meu amor – beijo sua testa – É o meu príncipe especial.     

         Repito nosso ritual até que ele caia no sono, o coloco na cama e arrumo os travesseiros para ele não cair. Depois volto para a sala.

         - Consegui uma pessoa para levá-lo para a escola amanhã. É filha de uma amiga minha, pode confiar que ela é muito responsável.

         - Obrigada, eu nunca vou poder...

         - Já disse que não precisa – sorri.

         A campainha toca.

         - Deve ser Sophie, pode deixar que eu atendo – digo indo até a porta.

         Quando abro, sinto o meu coração parar por um segundo e tenho certeza que minha pressão caiu.

         - Oi meu amor, sentiu a minha falta? – Leandro estava na porta sorrindo maléfico e me olhando com aqueles olhos aterrorizantes.

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