CAPÍTULO 4

                                                              Maya Costa

“Descobriu quando ele vai sair? (S.S.)”

“Parece que vai ter uma festa na casa de um dos amigos dele da delegacia hoje (M.C.)”

“Então deixe tudo separado, pois, assim que ele sair, eu passo aí para te buscar (S.S.)”

         Já tinha passado uma semana desde que contei tudo para Sophie e as coisas têm  andado nos trilhos desde então. Consegui colocar todas as minhas roupas e as de Théo em três malas e mantinha tudo escondido dentro do guarda-roupa. Era mais difícil de mexer, mas iria valer a pena o esforço, só de pensar que poderia conseguir me livrar desse idiota de fato, já me deixa tranquila.

         Nessa semana, só falei com Leandro quando realmente era necessário, ou seja, papos sobre a casa, compras do mercado ou quanto tentava tocar no assunto do meu trabalho. Ele tinha que achar que eu estava miserável e não que estava planejando fugir. Além disso, o posto de boa moça/namorada/mulher estava plantado. Tinha me tornado o “sonho de consumo de Leandro”. Lavava, passava, cozinhava e ficava de boca calada.

         Espero que ele aproveite enquanto durar, pois nunca mais me submeto a uma humilhação dessas novamente!

         Já estava tudo encaminhado. A tia de Sophie tinha me aceitado na casa dela e os pais de Sophie também já sabiam da história, não na íntegra, mas sabiam a essência. Eu, finalmente, poderia planejar a minha vida fora daqui, longe desse idiota. Só tinha uma brecha para acertar: como continuaríamos levando Théo a escolinha até Sophie passar na prova do internato  sem correr o risco de Leandro nos achar?

         Eu tenho que conseguir ficar escondida por um tempo até Sophie receber a bolsa de internato, porém meu pequeno não pode faltar às aulas por todos esses dias, até porque nem sabemos quanto tempo isso vai durar. Então, tenho que manter essa responsabilidade com ele e não comprometer o seu desenvolvimento.

         - Maya! – escuto o idiota/Leandro gritar da sala.

         - Não sai daqui – digo para Théo que brincava com seus brinquedos na cama e vou até a sala – Oi.

         - Estou saindo agora para a casa de Augusto, mas gostaria de conversar contigo sobre algo antes.

         - Pode dizer.

         - Eu andei pensando e nessa última semana você tem se comportado de uma maneira até aceitável, gostaria de saber o motivo – me analisa.

         - Estou presa em casa, você quer o quê? Preciso fazer algo para não morrer de tédio.

         - Por isso, vou permitir que volte a trabalhar com uma condição.

         - Leandro, não estou a fim de brincadeirinhas, não quero criar esperanças para depois você se arrepender e me fazer pedir demissão novamente. Você acha que meu chefe é o que? Um otário?

         - Não vai querer ouvir a condição? Então tá, vou indo, não me espere – diz pegando a carteira em cima da mesa, a chave do carro e vai em direção à porta.

         - Espera! – grito antes que saísse – Qual a condição? – reviro os olhos sem que ele pudesse ver.

         Lembro do teatro a ser cumprido nessa casa, ele tem que acreditar nisso de verdade.

         - Deixa pra lá, tarde demais, você foi muito mal agradecida – ele faz que vai sair de novo, mas eu corro e seguro seu braço para impedir.

         Sinto um calafrio medonho percorrer o meu corpo só de tocar nessa pele, mas ignoro e mantenho a postura.

         - Por favor... Desculpa ter respondido dessa forma, estou um pouco cansada hoje e com dor de cabeça, não deveria ter descontado em você.     

         - Que isso não se repita, vou ignorar a sua rebeldia pra você ver como eu sou bom – seguro minha risada – Você vai ter que arranjar algum emprego aqui pelo bairro.

         - Você sabe que eu tentei isso antes e não deu certo.

         - Você quem está pedindo para trabalhar. Quer ganhar dinheiro para manter o seu pirralho? Então ache um emprego perto de casa.

         - Tá – digo seca.

         - Você precisa entender que eu só quero o seu bem – segura meu rosto e me força a encará-lo – Como posso garantir sua segurança com você trabalhando quase do outro lado da cidade? Como posso garantir que nenhum homem nojento vai colocar os olhos em você? – dá um selinho em minha boca antes de sair.

         O empurro e fecho a porta.

         NOJO! É só isso que consigo sentir com o toque dele em mim. Sinto-me imunda por ter que conviver com esse homem! Chega até ser irônico tudo o que sai daquela boca, extremamente contraditório.

         Corro de volta para o quarto e pego meu celular para avisar a Sophie.

         “Ele saiu agora! (M.C.)”

         “Prepara tudo que em 15 minutos estarei na frente da sua casa (S.S.)”

         Tiro as malas do guarda-roupa, mas deixo tudo dentro do quarto, pois não posso correr o risco de Leandro voltar e ver isso tudo na sala.

         - Mamãe, vuxê vai viajar? E eu?

         - Lembra que a mamãe tinha prometido que um dia a gente ia embora pra longe do homem mau?

         - Xim.

         - Esse dia chegou, hoje você vai conhecer uma amiga da mamãe que vai nos ajudar com isso.

         - A gente vai anar de vião?

         - Hoje não pequeno, mas outro dia sim.

         - Vuxê pomete?

         - Prometo.

                                                         Benjamin Padovanne

         - Quem é você? – pergunto para a figura feminina à minha frente.

         Esses sonhos começaram a ficar cada vez mais frequentes, passei a última semana inteira repetindo o mesmo cenário: eu estava no meio da praia sozinho e começava a ouvir a voz me perguntando ou me chamando, então começava a correr atrás, mas não encontrava nada. Hoje, pela primeira vez, consegui encontrar a dona da voz e não poderia estar mais impressionado.

         Ela era absolutamente linda da cabeça aos pés. Tinha uma imagem tão angelical, mas, ao mesmo tempo, uma expressão profunda de quem já passou por tanta coisa.

         - Isso não importa agora, estou aqui para falar de você.

         - De onde eu te conheço? – digo analisando-a por completo e tentando associar a sua imagem a alguma conhecida minha. Nem preciso falar que falhei.

Nunca a vi na vida. Se tivesse visto, não esqueceria.

         - Você não me conhece – sorri e eu fico hipnotizado pelo seu movimento.

         - Então por que está aqui? Por que estou sonhando tanto contigo?

         - Isso é só a sua consciência querendo te fazer perceber algo, eu sou só parte de sua imaginação.

         - E qual o seu nome?

         - Por que quer se casar com Helena?

         - Toda vez que eu te perguntar algo, vai me responder com uma pergunta? – rio, mas ela se mantém.

         - Por que quer se casar com Helena?

         - Eu gosto dela, acho que é isso que deve ser feito quando as pessoas gostam das outras.

         - Eu gosto de muita coisa e isso não é motivo para eu sair me casando por aí – ela sorri me dando as costas e caminhando por entre as flores, enquanto permitia a ponta dos seus dedos passar por elas, por que cada movimento dela me afeta tanto? – Um casamento é muito mais do que gostar, sabia?

         - Eu sei, mas ela é muito importante pra mim.

         - E se você não casar com ela, não vai estar demonstrando que ela é importante? – vira franzindo as sobrancelhas.

         Linda!

         - O que eu sinto por ela é diferente.

         - Existem muitas formas de rotular uma relação desse tipo. Amigos, por exemplo, sentem algo diferente entre si, algo que os mantém unidos a ponto de serem mais que conhecidos.

         - Mas e se ela for a pessoa que eu estava esperando para passar o resto da minha vida e eu estiver jogando essa oportunidade fora ao dizer não?

         - E se ela não for essa pessoa? E se você nunca for feliz ao lado dela, a trair e fazer com que a relação dos dois vire um inferno?

         Fico sem resposta. Ela e Vicente tinham um fundo de razão, mas eu não sei o que fazer com o que sinto por Helena. Tenho certeza que existe alguma atração entre nós.

         - Por que eu sonho com você?

         - Eu já disse, a sua mente está querendo te dizer alguma coisa.

         - Dizer o que?

         - A resposta está contigo, você tem que descobrir.

         - Eu vou te conhecer um dia? – seguro seu braço fazendo-a virar de frente pra mim.

         - Não sei. Talvez. Não. Sim. Qual é a resposta Benjamin? – ri achando graça e sai correndo.

         Eu corro atrás dela, mas é tarde demais.

         - Ei! Volta aqui!

                                                                     ...

         - Amor, está tudo bem contigo? – abro os olhos e vejo Helena me chacoalhando com uma expressão preocupada.

         - O que houve?

         - Você estava agitado, se mexia e dizia “volta aqui”, estava tendo um pesadelo? – me olha ainda mais preocupada.

         - Não, era só minha cabeça brincando comigo.

         - Fiquei preocupada, nunca te vi desse jeito – me dá um selinho.

         - Não precisa, estou bem. E você? Nem perguntei como foi o seu dia.

         - Sua mãe me ligou hoje – deita de bruços e apoia a cabeça sobre os punhos me encarando.

         - O que ela queria? – estranho, minha mãe não tinha motivos para ligar para Helena.

         - Ela me exigiu te convencer a ligar de volta. Disse que está tentando te ligar há dias, mas você não atende e sua caixa de recados está cheia.

         - Minha mãe exagera, às vezes – faço careta.

         - Ela exagera ou o filho dela não sabe qual a função de um celular? – sorri.

         - Ah, que legal! Agora virou um complô.

         - Ué, você tem esse celular só por ter, porque atender ligação que é bom, não atende.

         - Não preciso ficar o tempo todo mexendo no celular, faz mal, sabia?

         - A questão é que você não pega nele quase nunca, aposto que deve estar sem bateria, desligado ou jogado em qualquer canto desta casa nesse momento. Não é à toa a preocupação dela – me dá outro selinho – Liga pra ela – faz bico.

         - Amanhã eu ligo, agora já está tarde – a puxo mais pra perto.

         - Benjamin, você é uma dor de cabeça que só.

         - Sinto muito...

         - Mas eu adoro essa dor de cabeça – sorri me abraçando – Quero me casar com ela.

         - Espero mesmo que você tenha certeza do que está fazendo.

         - Eu tenho certeza disso desde o momento que entrei naquele escritório e te encontrei deprimido por causa de um paciente. Sua carinha triste me ganhou à primeira vista, aquela carinha de cachorro abandonado que quase grita “por favor, me ajuda” roubou meu coração assim – estala o dedo.

         - Nunca vou agradecer o suficiente pelo que você fez por mim. Eu realmente estava desolado quando Lorenzo morreu e a família me culpou.

         - Mas as famílias quase sempre culpam os cirurgiões quando os entes queridos morrem em uma cirurgia, temos que nos manter erguidos e sempre ter a certeza de dar o melhor.

         - O meu erro foi ter dado a entender que era algo simples. Eu prometi que ele sairia vivo!

         - Esse foi o erro e você já aprendeu com ele, nunca mais vai acontecer novamente, pois imprevistos acontecem e nunca poderemos prever com toda certeza como o corpo irá reagir até o final do procedimento.

         - Eu sei... Quer dizer, agora, mais do que nunca, eu sei.

         - Vamos mudar de assunto, nada de coisa ruim. Vamos pensar em coisas boas para m****r energias positivas para o evento que se aproxima: o nosso casamento.

Maya Costa

         Passados os 15 minutos, vejo um carro estacionar na frente da casa. Fiquei um pouco receosa em ser Leandro voltando de carona com algum amigo, porém meu medo se esvai quando vejo minha amiga sair do veículo. Abro a porta antes mesmo que ela tocasse a campainha e a abraço forte.

         - Nem estou acreditando que isso está acontecendo de verdade – lágrimas caem dos meus olhos.

         - Deixa pra chorar no carro, rumo à sua nova vida. Vamos, não podemos perder nem um segundo.

         Ela corre comigo até o carro e pegamos as malas. Colocamos tudo dentro do porta malas e eu entro no banco de trás com Théo em meu colo.

         - Então você é o famoso Théo – Sophie diz sorrindo olhando pra mim pelo retrovisor.

         - Famoxo eu num xou, mas eu xou o Théo – ele diz e Sophie ri alto.

         - Pode não ser famoso, mas é muito inteligente pelo visto.

         - A mamãe sempe diz pa pestá atenxão na aula.

         - Isso é muito importante, continue seguindo do jeito que sua mãe diz que você vai crescer, se formar e ser o que você quiser.

         - Até pioto de vião?

         - O que você quiser meu príncipe – digo apertando-o em meus braços.

         - Eu vou podê te tilá do homem mau?

         - Acho que agora esse não é mais um problema pequeno – Sophie responde – Agora esse homem mau não chega nem perto de vocês dois.

         Rezo para que isso seja verdade, preciso de um pouco de paz.

         - Eu sou sua tia Sophie, Théo.

         - Xophie.

         - Ela é meio doidinha, mas acho que você vai gostar – digo e ele ri.

         Sophie ia dirigindo e cantando as músicas da rádio fazendo Théo rir, enquanto me permitia ficar observando as ruas. A casa da tia dela fica bem afastada, por isso demoramos um pouco mais que uma hora até que ela parasse o carro em frente à casa pequena e elegante.

         Saio do carro com Théo já dormindo em meu colo e Sophie ao meu lado. Ela toca a campainha e uma senhora de aparência muito simpática abre a porta.

         - Finalmente chegaram! Entrem! Acabei de terminar de passar um café.

         - Tia, essa é Maya e seu filho Théo, foram deles que eu comentei.

         - Você é muito mais do que bem-vinda aqui Maya – sorri passando as mãos pelos cabelos de Théo com carinho – E nós vamos nos divertir muito – sussurra para Théo.

         - Eu agradeço muito à senhora pela ajuda, espero não causar nenhum incômodo.

         - Não fale besteira, uma amiga de Sophie precisando de ajuda já é família. Agora venham, entrem – abre espaço – Deixe seu pequeno na cama que irei ajudar as duas com as malas.

         Ela me leva até o “meu” quarto e de Théo e deixo meu pequeno na cama, coloco alguns travesseiros em volta dele para dar mais segurança. A gente pega todas as coisas no carro e depois sentamos para acertar como as coisas iriam funcionar daqui pra frente.

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