Capítulo 7 - Memórias bloqueadas parte 2

Matt

Cidade de Nova York - Mundo humano

Dois dias atrás

— Matt, é você quem está aí? — a voz de Lilly o fez despertar, e ao abrir os olhos viu que estava em seu quarto. Sentou-se na cama meio confuso, e só quando se levantou, que percebeu que estava completamente nu — Estamos precisando de você lá em baixo!

— Sou eu sim, Lilly — ele respondeu —, vou tomar um banho e já desço!

Olhando para um relógio na parede de seu quarto, viu que eram dezessete e trinta, e não fazia idéia de como chegara até ali. Uma breve lembrança de ter encontrado Snake e seus capangas no beco e de ter levado uma surra ecoavam na sua mente, mas olhando no espelho do banheiro ele viu seu rosto em perfeito estado, o que seria impossível se a surra tivesse acontecido.

Enquanto a água fria caia em seu corpo, ele tentou pensar no que teria acontecido. Ele já teve esses apagões antes, quando era mais jovem, mas geralmente aconteciam enquanto ele dormia. Algumas vezes já adormeceu em seu quarto e acordou nu em algum outro lugar da casa, ou até na rua. Os médicos o diagnosticaram como sonâmbulo, mas dessa vez ele estava acordando e voltando para casa, além de ter lembranças agora nítidas de ter sido interceptado pela gangue no beco.

— Devo estar ficando louco de vez! — ele pensou enquanto enxugava os cabelos e saia do banheiro.

Abrindo o guarda-roupa, ele se assustou com algo que viu, e caiu sentado na cama. A sua mochila e seus materiais de desenho estavam espalhados sobre as suas roupas passadas e dobradas, e o desenho que ele fez de Lilly e que carregava sempre consigo, estava amassado e o maço de notas que recebeu pelos desenhos na praça, estava salpicado de um vermelho ainda meio úmido, que só de olhar ele já sabia que era sangue.

Enterrando o rosto nas mãos, ele tentou se livrar da sua confusão mental e seu coração começou a acelerar, então ele ignorou tudo e vestindo a primeira roupa que ele viu na frente, saiu do quarto às pressas e desceu para a lanchonete.

— Ah Matt, eu não vi você chegar — Hugh gritou de cima de uma escada portátil no centro do salão da lanchonete, assim que ele apareceu —, preciso de uma mãozinha aqui, você é mais alto.

— Eu precisava de um banho, então subi direto — Matt mentiu, caminhando em direção á ele —, pode deixar que eu termino aqui.

— Minhas costas agradecem — Hugh disse sorrindo, enquanto descia da escada —, vou adiantar outra coisa.

O trabalho na decoração durou pouco mais de uma hora e o distraiu um pouco, de modo que ele deixou de pensar no que aconteceu e preferiu não comentar com ninguém. Não queria preocupar sua família com aquilo.

— Mãe, pai, Matt, venham ver isso! — Lilly gritou da cozinha, e chegando lá eles a encontraram com olhar fixo em um aparelho de televisão que transmitia o noticiário.

A repórter falava sobre um crime bárbaro, onde oito jovens foram brutalmente assassinados. Eles foram encontrados em uma caçamba de lixo completamente dilacerados, de modo que só poderiam definir quem eram os donos dos membros arrancados, através de DNA. Acreditavam ser uma briga de gangues, mas a cena que o homem que encontrou os corpos descrevia, fazia parecer difícil aquilo ter sido feito por pessoas normais.

— Esses jovens de gangues ficavam sempre aqui — um senhor de meia idade, gordo e com alguns fios brancos, falava com a repórter —, eu tinha recolhido o lixo e precisava descartar, mas quando eu ia entrar no beco, vi eles batendo em um rapaz. Aí eu voltei e esperei. Quase uma hora depois, os barulhos cessaram e eu vim jogar o lixo e ver se precisava chamar a emergência ou coisa assim, mas tinha sangue por todos os lados, e quando abri a caçamba, eu vi os corpos, e pensei: Meu Deus, quem faz uma coisa dessas! Aí liguei para a polícia.

— Esse é o senhor O'Donnell da loja de chás! — Lilly disse, assustada — E esse beco é a duas quadras daqui.

— Malditas gangues — Hugh disse com raiva, jogando o pano que segurava no chão —, estão matando os nossos jovens!

— Meu Deus Matt, você poderia ter passado por ali! — Karen disse, abraçando-o com força — Eu sinto pelas mães desses jovens! Não sei o que faria se fosse você!

— Está tudo bem, mãe — ele respondeu, retribuindo os abraço —, eu estou bem.

Bem era a última coisa que ele estava. Se lembrava de ter estado naquele beco, e de ter levado uma surra dos capangas de Snake, e os seus materiais revirados e o dinheiro sujo de sangue comprovam isso.

— Vão precisar de mais alguma ajuda minha? — ele perguntou, sentindo o estômago revirar com a situação — Eu gostaria de deitar um pouco.

— Pode ir filho — Karen respondeu —, os convidados começaram a chegar, nós damos conta agora.

Ele começou a subir as escadas, mas suas pernas falharam já nos primeiros degraus e ele precisou se sentar um pouco. Não fazia ideia do que aconteceu naquele beco, e era impossível que ele fosse o responsável por aquilo, mas suas lembranças, o desenho da Lilly que o Snake pegou e o maço de notas sujo de sangue eram fortes indícios.

— Merda, merda, merda, o que você fez Matt? — ele perguntou para si mesmo, encostando a cabeça na parede — Você fudeu com tudo, seu idiota!

Ele nunca quis acreditar, mas o que aconteceu na escola já tinha lhe mostrado que ele não era normal. Ele tinha quatorze anos, e era novato em uma escola de ensino médio, quanto um valentão quase três anos mais velho que ele, resolveu implicar com seus desenhos. O nome do garoto nunca saiu de sua cabeça: Josh Austin, um riquinho de merda, que implicava com todo mundo.

No intervalo, Matt sempre se isolava para lanchar e desenhar, mas um dia Josh tinha sorteado ele como a "cobaia" da vez, e foi com outros dois valentões incomodá-lo. Josh pegou seu desenho e começou rabiscá-lo, zombando de sua arte, e quando ele tentou pegar de volta os outros garotos o empurraram, e a última coisa de que se lembrava era do garoto lhe chamando de anormal, e depois de ter o que os médicos chamaram de crise de ansiedade, aquele apagão veio e quando voltou a si, Josh estava inconsciente e completamente machucado, com os membros retorcidos e quebrados com fraturas expostas. E os outros garotos fugiram, e disseram que ele começou a bater neles do nada, e mesmo com Josh implorando para parar, ele não parou.

Ele havia feito outra vez, e agora foi pior. Sete jovens brutalmente assassinados, e ele realmente era um anormal, uma besta sem controle. Não podia ficar à solta por aí, pois sua própria família podia ser vítima de seus surtos psicóticos.

— Eu procuro um jovem chamado Matt — uma voz vindo do salão da lanchonete o tirou dos pensamentos, e instintivamente ele entrou por uma porta próxima da escada, e saiu no estoque da lanchonete, que além da porta por onde entrou, tinha outra porta que dava para o salão, por onde os carregadores passavam com as mercadorias —  me disseram que ele mora aqui.

— E quem são vocês? — Ouviu Hugh perguntar, e olhando pelo vidro da porta, viu que o desconhecido tinha cabelos longos e negros, trajando roupas pretas em couro. Outros três homens estavam imediatamente atrás dele, usando roupas parecidas como se fosse um uniforme. E mais atrás, próximo à porta dupla de entrada, um outro homem aguardava. Este era careca, usava uma barba cerrada, e usava um sobretudo negro longo, e tinha um ar de superioridade que fazia parecer que era o chefe dos demais.

— Independente de quem sejam — Hugh continuou depois da falta de resposta —, eu vou pedir que saiam. Estamos tendo uma festa, e vocês estão assustando nossos clientes. Se forem da polícia, voltem com um mandato depois, se não forem, nem voltem.

Matt viu o homem que estava próximo de Hugh olhar para trás na direção do homem na porta, e o mesmo fez um sinal com os braços e saiu. Sem dar nenhum aviso o desconhecido golpeou Hugh com uma força absurda, que o arremessou contra umas cadeiras, fazendo o cair desacordado. Karen correu desesperada na direção do marido, enquanto Lilly olhava em choque do balcão o momento em que os clientes começaram a correr em direção à porta que estava trancada, e os outros homens começaram a atacá-los brutalmente. Matt estava assustado e seu coração começava a acelerar como em suas crises, e como se estivesse congelado, não conseguiu sair do lugar e ficou assistindo os clientes sendo mortos um por um enquanto o homem que atacou Hugh estava se aproximando de Karen.

Pegando Karen pelos cabelos, ele a arrastou até próximo do balcão, enquanto Lilly ainda estava em choque e apenas chorava. Matt queria agir, mas o medo e outros sentimentos o mantinham estático naquele cômodo.

— Me diga onde está o jovem chamado Matt, ou eu mato ela —, ele disse para a Jovem, segurando os cabelos de Karen como se fosse arrancá-los.

— Não diga nada a ele, Filha — Karen gritou, corajosamente —, esse desgraçado vai nos matar de todo jeito.

— Você é esperta mulher, e corajosa! — ele disse, e para o espanto de Matt, exibiu caninos enormes em sua boca, e mordeu o pescoço dela com violência, sem ao menos lhe dar chance de reação e a jogou próxima de onde o corpo de Hugh estava.

Vendo a cena, Matt explodiu em ira, e instintivamente golpeou a porta que foi lançada do outro lado do salão e atingiu um dos agressores com tamanha violência, que partiu o corpo dele em pedaços, e foi parar cravada na parede. Sentindo seu sangue ferver e seus músculos pulsando como se estivessem se expandindo, ele saltou para fora da dispensa e viu a carnificina que aqueles monstros haviam feito.

Focando no monstro que tinha atacado seus pais e estava se aproximando de Lilly, ele se lançou em um ataque feroz, mas precisou se conter quando o inimigo agarrou a jovem e a usou como escudo, apontando garras terrivelmente afiada para o pescoço dela.

Matt mal conseguia se conter em sua ira, e em sua mente só via o homem que feriu seus pais, mas a jovem em perigo fazia com que sua consciência entrasse em conflito. Queria matá-lo, mas ao mesmo tempo não teria como fazê-lo sem ferí-la.

Sentindo uma presença ao seu lado, ele viu seu corpo inteiro amolecer ao mesmo tempo que sentiu algo sendo preso ao seu pescoço, e caiu de joelhos sem reação. Olhando para o lado, viu que o homem careca de sobretudo tinha surgido do nada, e colocado uma espécie de coleira em seu pescoço, que de alguma forma o impedia de agir.

— Bela bagunça fizeram aqui, hein? — o careca disse ao homem que segurava Lilly — Levem ele daqui que eu vou limpar essa merda toda!

— E a garota? — o outro perguntou, referindo-se à Lilly — Posso ficar com ela?

— Deixe-a, eu tenho planos para ela! _ O careca respondeu — e saia logo daqui!

Matt sentiu seu corpo sendo puxado com violência, e foi forçado a andar. Virando-se ele viu uma espécie de portal de luz, como se fosse um corte no ar, bem no centro do salão da lanchonete. Um dos inimigos pulou nessa luz e desapareceu, seguido de outro. O homem que segurava Lilly, a soltou e o empurrou para o portal, se jogando logo atrás.

Em instantes ele caiu em outra parte da cidade, e viu outros três homens usando aquele mesmo uniforme negro. Em sua cabeça agora ele só pensava em um jeito de fugir, mas contra seis ele não teria chances a menos que conseguisse usar aquele poder que usou na lanchonete.

Lembrou-se do momento em que o poder sumiu, e deduziu que a coleira que aquele careca de sobretudo colocou nele é que os tinha suprimido.

— Preciso retirar essa coleira, e voltar para salvar Lilly! — Ele pensou tentando ver em qual parte da cidade ele estava, para saber qual caminho mais curto de volta para a lanchonete. Segurando o objeto em volta do seu pescoço com as duas mãos, começou a forçá-lo em direções opostas como se quisesse partí-lo ao meio, mas o objeto parecia resistente demais.

— Não adianta, rapaz — O homem de cabelos longos, que havia atacado Hugh e Karen disse, olhando para ele —, essa coleira é um item mágico feito especialmente para aberrações como você, não tem como tirá-la!

— Eu vou tirar isso! — Matt respondeu com olhar obstinado —, e vou matar você!

Todos eles riram da audácia do jovem, e seguiram andando. Eles pareciam preocupados em se manter escondidos de algo, como se fossem perseguidos, e enquanto o de cabelos longos andava à sua frente, os outros flanqueavam e vigiavam espalhados pelo perímetro.

Ele precisava agir e então decidiu correr para trás, onde trombou com um dos soldados, acertando-lhe o peito com o ombro, fazendo-o desequilibrar-se e cair abrindo-lhe passagem, mas imediatamente um outro veio em cobertura numa velocidade impressionante e o acertou, lançando-o contra o muro.

Antes que pudesse se recuperar, o homem que ele havia derrubado, começou a atacá-lo brutalmente com chutes, e ele se encolheu em defesa recebendo todos os golpes.

— Já chega, Clark — o homem que parecia ser o líder ordenou —, temos que levá-lo antes que um deles apareça.

— Você tem sorte que o Slade está no comando — Clark disse interrompendo o ataque —, se eu fosse o líder, você seria levado desacordado.

Matt sentiu seu coração acelerando, e colocando a mão na coleira viu que os ataque que sofreu tinha danificado a mesma, forçando um pouco, conseguiu trincá-la. Concentrando-se com lembranças de sua família ele sentiu seus músculos pulsarem, e sentiu uma dor no ossos como se eles estivessem se reorganizando em seu interior, ou crescendo. Olhou para suas mãos e unhas e as viu estranhamente grandes, e seus braços também pareciam crescer.

— Você não passa de um pau mandado não é, Clark? — Matt disse para o soldado, que agora o acompanhava de perto — Por um acaso Slade é o seu macho?

— Cale a boca, seu verme! — Clark disse, visivelmente irritado com a provocação — Ou eu vou ter que quebrar alguns de seus ossos.

— Vai nada — Matt continuou —, você não passa de um cachorrinho que só pega quando o dono manda!

— Seu filho da puta! — Clarke gritou e partiu para o ataque, mas foi surpreendido por Matt, que já havia iniciado uma transformação, e com as mãos arrancado a coleira. Antes que pudesse ser atingido, o jovem se esquivou e com um golpe de mãos acertou a cabeça de Clark, que caiu de cara do asfalto. Imediatamente, Matt usou os pés para golpeá-lo com tanta força que seu crânio se partiu como se fosse uma melancia, e seu corpo se desfez em cinzas.

— Ele está se transformando — Slade gritou, indo na sua direção —, Segurem ele!

Atendendo à ordem, todos se apressaram em sua direção e seguraram braços e pernas, sendo que mesmo tendo quatro homens o segurando, ele ainda estava prestes a se soltar até que Slade o alcançou, e abrindo uma boca com grandes caninos, os cravou em seu pescoço, próximo da sua jugular, sendo seguido pelos demais que morderam pernas e braços, fazendo-o gritar de dor e ir voltando ao normal aos pouco.

Um golpe surpresa decepou as cabeças dos dois monstros que estavam mordendo seus braços. E os corpos viraram cinzas imediatamente, enquanto os outros soltaram ele, e assumiram uma postura defensiva. Ele caiu de joelhos no asfalto, e viu uma figura como se fosse um vulto de tão veloz e com mais um golpe outra duas cabeças voaram, sem terem a mínima chance de defesa.

Mesmo com todos os ferimentos que tinha, Matt se mantinha alerta e vidrado na batalha, o que o permitiu ver quando ela aterrissou suavemente à frente de Slade. Ela tinha longos cabelos brancos como a neve, usava uma armadura e tinha uma espada curta em cada mão. Era a mulher mais linda que Matt já viu na vida, e parecia uma princesa guerreira de um jogo de RPG.

Slade tentou fugir, mas com o uso de uma espécie de portal, ela apareceu na sua frente, e com um golpe das duas espadas, decepou a cabeça e seu corpo também se transformou em cinzas.

— Eu terei que te matar também garoto — ela disse, aparecendo na sua frente, a menos de um metro dele —, eu não sei por que quis se tornar um vampiro, mas para você tudo acaba aqui

— Eu não quis nada! — ele disse sentindo que ia desmaiar, e enquanto ela preparava para desferir o golpe fatal, mas antes de ser atingido, sua força vacilou e ele sentiu seu corpo cair e tudo escurecer ao redor.

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