Capítulo 2 - A bela rebelde

Cathe

Cidade de Nova Yorque - Mundo humano

Enquanto abria a porta de sua casa, tentando fazer o mínimo de barulho possível, para não acordar seu irmão, Cathe ainda pensava no jovem que deixou na cabana, inconsciente e acorrentado. Seria sua magia poderosa o suficiente para mantê-lo seguro?

— Você deveria tê-lo matado! — Seu irmão diria — Como pôde ser tão irresponsável.

Virando-se, após fechar a porta, viu que seu esforço foi em vão, e que Seu irmão, Cody, estava sentado na poltrona do patriarca, voltado para a porta, sem piscar. Chamas azuis em seus olhos, ocupavam o local onde devia estar a íris, e uma densa luz azulada fazia contorno em seu corpo. Estava imóvel, não esboçando sequer um movimento de respiração.

— Ele está recarregando — ela pensou, aliviada, olhando o irmão inerte —, com certeza viu que eu não estava em casa e quis me esperar, mas como na última caçada ele se desgastou muito, teve de ceder à meditação.

Vendo o irmão em transe, percebeu o quanto estava desgastada também, depois de tantos anos lutando uma guerra que não era sua e nem dele.

Originalmente, os magos, lutavam contra seres das trevas para proteger os humanos, ficavam alertas aos ataques, e só agiam quando havia ameaças. Mas com o tempo, viraram caçadores e começaram a atacar antes e perguntar depois, e aos poucos ela foi vendo o quanto essa atitude os tornava parecidos com as criaturas malignas que combatiam.

Geralmente ela não hesitava. Independente de qual fosse a abominação. Macho, fêmea, ou filhote, seu treinamento era para exterminar todo ser das trevas que cruzasse seu caminho, e ela o fazia com perfeição.

Filhotes crescem e se reproduzem, então não podia ter misericórdia. Mas aquele rapaz era diferente. Um vampiro recém-transformado, que geralmente seria morto como os outros, mas quando ele a olhou nos olhos, com o olhar de quem não fazia idéia do que estava acontecendo, ela recuou, não por misericórdia, mas talvez por curiosidade.

Geralmente, humanos viram vampiros por vontade própria. Atrás de poder, ou da imortalidade, mas ele, não parecia ter escolhido aquilo.

— Vampiros não escolhem quem transformar, assim, a esmo — pensou ela, enquanto se preparava para recarregar —, humanos são para eles apenas gado, e só o transformariam se vissem nele algo especial que, nem ele mesmo havia visto.

Ela tinha saído para relaxar, não estava aguentando mais aquele ambiente burocrático dos magos, e volta e meia dava as suas escapadas. Mesmo não estando em uma caçada, ela não abria mão das armas mágicas, já que sabia que Criaturas Sombrias vagam pelo mundo humano à procura de vítimas, e ela não queria ser uma.

Quando viu aquele grupo de vampiros escoltando mordendo o rapaz ao mesmo tempo, ficou sem entender. No local ela também viu cinzas de um vampiro recém destruído, mas não teve tempo para entender o que estava acontecendo, e sentiu que devia agir e matar todos eles.

Porém quando ele lhe olhou e disse que não quis ser transformado, ela não pensou duas vezes, e apenas o desmaiou, para depois abrir um portal, o levar para uma cabana que usava para se esconder do seu mundo.

Ainda pensava nele, quando a aura brotou em seus olhos, não era azul como a de Cody, mas de um vermelho incandescente. Deixou-se repousar em um dos sofás e aos poucos foi esvaziando a mente, enquanto a aura cobria seu corpo, até se desligar por completo.

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— Onde esteve ontem à noite, Cathe? — Perguntou Cody, enquanto a irmã voltava a si lentamente —  Não me diga que saiu pra caçar sozinha.

— Bom dia pra vc também, irmão — respondeu ela, ainda sonolenta, como ficam quando acabam de despertar de uma meditação —, posso ao menos comer algo antes do interrogatório? 

— Você pode comer durante — respondeu seu irmão com o ar sério de sempre —, aliás, o café está servido. Junte-se a mim à mesa, e conversamos enquanto comemos.

— Vou me lavar primeiro Alfred — disse ela, com tom zombeteiro, levantando-se.

— Não demore — ele respondeu, sem ligar para a provocação —, ou a comida esfriará.

Enquanto a água quente corria pelo seu corpo, Cathe se viu pensando mais uma vez naquele jovem vampiro, a essa altura ele já estaria acordado e confuso, sem entender o que aconteceu e porque estava preso. Teve um arrepio ao pensar na reação de Cody se ele descobrisse algo, mas logo se acalmou, afinal ela sabia que teria que encará-lo. Quando terminou o banho, já estava tranquila e era hora de enrolar o irmão, mas isso, era algo que ela fazia muito bem.

— Até que enfim a bela rebelde apareceu — disse ele em tom impaciente, enquanto ela se aproximava —, pensei que tinha fugido pela janela do banheiro.

— Porque eu faria isso, senhor carcereiro? — disse ela ironicamente, sentando e servindo-se — Eu não cometi crime algum.

— Você sabe muito bem que não deve sair para caçar sozinha — começou ele —,  é contra as regras e é muito perigoso!

— Existe vida além da caça, irmãozinho — disse ela, logo após mastigar e engolir um pedaço de torrada —, eu saí por aí, para desestressar, ver pessoas comuns fazendo coisas comuns.

— Nós não somos pessoas comuns, e não podemos nos comportar como tal — Respondeu ele, olhando fixamente para ela, com o ar sério de um tutor —, nós nascemos com dons e responsabilidades, e devemos viver por eles.

— Não precisa se esforçar tanto, Cody — disse ela, interrompendo a refeição e segurando as mãos do irmão com ternura —, não é porque você é o líder, que tem que ser igual ao papai. Você precisa relaxar, se distrair um pouco, se apaixonar. Mesmo ele se permitiu viver o amor ao lado da mamãe.

— Amor é um sentimento que revela a fraqueza humana — disse ele, desvencilhando-se do toque da irmã —, e, certamente, foi a ruína de nosso pai. Como você, nossa mãe era sonhadora e sensível demais, e sua fraqueza a colocou naquela situação, e forçou ele a abrir a guarda. O resultado você já conhece, e ao menos que você queira ter o mesmo fim, eu sugiro que cresça e comece a se comportar como a caçadora que é.

— Com licença senhor caçador — disse ela com tom irônico, interrompendo a refeição e levantando-se —, eu perdi o apetite.

— Vou me reunir com o Conselho dos Élderes no parlamento — disse ele, ignorando a empáfia da jovem, enquanto ela se virava e seguia em direção ao quarto —, e pela tarde quero acompanhar seu treinamento. Esteja pronta às quinze horas!

Ignorando a indiferença do irmão, Cathe seguiu para o seu quarto, com lágrimas nos olhos. Como ela queria que sua mãe estivesse ali. Como queria deitar em seu colo e ouvi-la dizer que ia ficar tudo bem.

Deitada em sua cama lembrou-se de certa vez em que Cody viu quando um colega de escola lhe deu um beijo no rosto, e contou para seus pais durante o jantar, e antes mesmo que eles pudessem falar qualquer coisa sobre o assunto, ela se levantou e correu para seu quarto, aos prantos, envergonhada e sentindo-se traída pelo irmão.

Fechando os olhos, Cathe pôde ver tudo outra vez, como num flashback. Cheiros, clima, sons, tudo como se estivesse acontecendo naquele momento.

— Posso entrar Cat? — sua mãe disse, ela depois de bater e destrancar a porta com sua magia.

Margareth era uma mulher forte e uma caçadora habilidosa e feroz, mas sem perder sua suavidade e sua ternura. Seu nome era temido e respeitado pelos seres das trevas, mas era criticada pelos caçadores conservadores, que a julgavam por suas atitudes misericordiosas, e suas idéias de paz. Ela não concordava com a caça indiscriminada aos seres das trevas, porque acreditava que nem todos eles eram ameaça para os humanos.

— Sabe, querida  — disse Margareth aproximando-se da cama onde a filha estava deitada, com os olhos ainda úmidos, abraçada à uma almofada —, quando eu tinha a sua idade, algo semelhante me aconteceu. Assim como você, modéstia à parte, eu era uma bela garota, e também tinha esses grandes e expressivos olhos azuis, e esse sorriso maravilhoso que vc tem. Era comum atrair a atenção de garotos.

Um dos professores, que também era um caçador, viu quando um amigo segurou a minha mão e me beijou no rosto. Imediatamente ele contou para meus pais, que me buscaram naquele dia. Eles não ficaram bravos, mas me disseram algumas palavras que me ajudaram a entender melhor as coisas: Margareth, um dia você despertará dons, e terá que assumir um legado que é impossível aos olhos de humanos comuns, e isso torna inviável essa aproximação. Seria doloroso para você ter que manter esse segredo.

— Isso quer dizer que eu não posso ter amigos? — perguntou Cathe, ainda chorosa.

— Na verdade, meu anjo — respondeu sua mãe, puxando-a carinhosamente para seu colo, onde ela pousou a cabeça. Eles queriam me proteger da dor que é ter que mentir para alguém que se gosta. Como Cody quis te proteger hoje.

— Mas eu te digo mais — Continuou, vendo que a pequena estava mais calma —, em seu treinamento, você aprenderá a ser implacável, mas você deve aprender a não ser cruel, porque nem toda criatura das trevas é uma ameaça. Você deve usar seu poder e sua sensibilidade para isso. Seu irmão carrega o peso de um legado sobre os ombros. O destino dele é ser líder, e o seu papel nessa história, é não deixá-lo se perder. Você é bem mais forte do que pensa, e com certeza, será muito mais poderosa do que imagina.

Um tempo depois, após a missão diplomática que vitimou seus pais e toda a comitiva que os acompanhou, ela soube pelo seu tio Klaus, que as histórias que sua mãe lhe contava sobre a infância dela, eram todas inventadas. Margareth nasceu humana e teve de passar por um ritual de pacto rúnico para se casar com seu pai.

Ao contrário de seu irmão, Cathe entendeu as razões de sua mãe ter preferido esconder isso deles, e inclusive passou a admirá-la ainda mais depois disso, pois mesmo ela não tendo nascido maga, ainda se tornou uma das mais habilidosas e poderosas caçadoras que existiu.

O barulho de caçadores voltando de uma caçada, a tirou de seus pensamentos. Gritavam e comemoravam como um time de futebol comemora um troféu. Chegando da janela pode ver que eram jovens e que possivelmente tiveram sua primeira experiência em campo na noite anterior. 

_ Vocês viram como eu matei aquele vampiro? Disse um deles eufórico. E eu fui mais rápido que vocês.

_ Não sei do que está se vangloriando. Disse a única garota do grupo. Era um recém criado, nem pôde se defender.

Imediatamente ao ouvir aquelas palavras, Cathe pôs-se a pensar no jovem que deixou preso na cabana. Será que sua magia de proteção havia falhado e aqueles jovens caçadores o haviam encontrado. Não sabia porquê, mas a idéia de ele estar morto, fez seu coração acelerar. Sentiu-se triste por não tê-lo conhecido melhor, e pesarosa por tê-lo deixado preso. Não havia nada que provasse que era ele o vampiro recém-transformado que aquele jovem matara, mas ela precisava ver com os próprios olhos.

Olhando para o relógio na parede de seu quarto, viu que passava um pouco das dez, e decidiu que não tinha tempo a perder. Fechando os olhos e concentrando-se, pode ver o local exato onde ela o deixou, e com um movimento de mão, como se cortasse cirurgicamente o ar com um bisturi, fez surgir uma espécie de passagem. Dirigindo-se até o closet, revelou seu arsenal de armas mágicas, escolheu algumas e voltando-se entrou na passagem que se fechou em seguida.

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