V

Com o peso de Fabíola acima do tronco, Beto arquejava, mas de forma alguma era ruim. O peso era delicado, cheirava a rosas e o esquentava. Fabíola brincava passando o queixo nos pelos do peito de Beto, fazia tempo que não o tinha daquele jeito. Mas estava na hora dele ir.

— Esse cacto ficou o tempo todo batendo na janela, isso não te irrita? — perguntou Beto, levantando da cama.

Fabíola deitou de costas, o corpo nu exposto sem pudores, olhou para a janela:

— Pra ser bem sincera, nunca foi assim. Acho que ele bate desse jeito por causa do vento das chuvas. Aliás, é um jamacaru.

— Talvez a água tenha o inchado, o peso deve fazê-lo balançar.

— O peso? — Fabíola vestiu a calcinha cor-de-rosa, ainda deitada — eu nunca pensei assim.

Roberto já tinha vestido a camiseta, cueca e short, sentou na cama para calçar os tênis:

— É, o peso, o tronco dele é fino e ele tem esses braços tipo candelabro — ele levantou os braços abertos, para simbolizar um candelabro; Fabíola riu da mímica.

Ela se levantou e vestiu o sutiã e a calça, depois foi até a janela:

— Você acredita que eu perdi uma tesoura por causa dele? — Fabíola encostou o nariz na janela, ia brincar pressionando-o contra o vidro. De súbito, o que viu através dos braços do mandacaru, a assustou. Ela ficou pálida, fechou a cara. Havia a um rosto ali, a observando com os olhos em fúria; a fronte estava marcada pela idade, suas linhas de expressão e rugas eram as mais profundas que Fabíola já viu, seus olhos, na pouca luz, ganhavam uma tonalidade amarela e ela não tirava os olhos de Fabíola.

— É uma pena eu ter que ir, gostaria de aproveitar a noite toda contigo — falou Roberto, alheio ao que estava acontecendo.

Fabíola se afastou da janela, tentou disfarçar; respondeu Roberto, o beijou, o abraçou e o guiou até a saída. Ela queria entrar no carro com ele e partir, sumir daquela casa, passar no mínimo uma noite longe dos problemas. Ela não podia fazer o que queria; se não ela, seria a mãe e o irmão, sobraria até para Caíque. Ela puxou o pouco de coragem que tinha, estufou o peito e soltou a mão de Roberto, não sem antes abraçá-lo.

— Eu vou arrumar o trampo pra você — confirmou Beto pela janela do carro.

Ela agradeceu e acenou. Ele deu a partida e se foi.

Fabíola mapeou a rua com o olhar, procurou por eles; Ele estava ali, do outro lado da rua, escondido à sombra de uma casa, veio pessoalmente, mas tinha dois capangas a tiracolo.

Os capangas correram atrás dela; Fabíola entrou na casa, ia lutar, contudo, eles eram mais rápidos. Um a pegou pelo braço esquerdo, o outro, pelo braço direito e pelo cabelo, forçaram-na a ajoelhar.

Compassadamente, Ele entrou na casa, estava mais jovem do que aparentava quando visto através do mandacaru. Ele tinha o cabelo raspado e barba bem feita, usava uma Pollo lilás, tênis Olympikus e o cheiro de sua colônia de alfazema podia ser sentido de longe.

— Por que mesmo com tanto dinheiro algumas pessoas insistem em usar perfume barato? — afrontou-o Fabíola. O capanga que segurava o cabelo dela, puxou-o com toda a força, ela tentou não gritar.

Ele deu dois passos, ficou perto dela. Na posição serventia que Fabíola se encontrava, olhar para Ele era como estar aos pés do Cristo Redentor, no Rio — grandioso, inalcançável, imbatível. Ele desferiu um tapa com as costas da mão no rosto dela. Não era como o tapa da mãe, era mais forte, mais grave, logo ela já sentia a bochecha inchando.

Ainda sem dizer nada, Ele foi até a cozinha, pegou uma cadeira e a arrastou até a sala; colocou a cadeira na frente dela e sentou de pernas abertas.

— Eu quero te contar uma história engraçada, Fabí. Mês passado, no quinto dia útil, uma mocinha muito bonita e inteligente, até demais, foi até um dos meus “colegas” entregar um envelope, com uma parcela do dinheiro que a mamãe dela me devia. Meu colega, confiando nela, aceitou sem nem conferir o dinheiro. Quando eu peguei o envelope e o abri, só tinha metade da parcela… não, mas eu sou uma boa pessoa, meu pai me ensinou a ser paciente e respeitador com as mulheres; as bonitas, porque as feias a gente espanta — os três riram da piada, Fabíola estava quase chorando. — Fabíola — Ele colocou o indicador sob o queixo dela —, você tem noção do mau exemplo que eu tô passando, te dando essa colher de chá? Eu tô esperando, desde o quinto dia útil do mês passado, você me dar o restante do dinheiro… você sabe que dia é hoje? Hoje é o sexto dia útil e até agora eu não vi nem a metade faltante da parcela passada e nem a parcela desse mês.

Ficaram em silêncio, Ele acendeu um cigarro, puxou um trago e soltou no rosto dela:

— Tô esperando você responder.

— Eu, é. Eu tive, umas, contas — as primeiras lágrimas desceram.

— Contas?! — bradou Ele e apertou o pescoço dela, os capangas a soltaram —, que outras dívidas são mais importantes que essa?

Ele a largou.

— Eu fiquei sem dinheiro — Fabíola continuou se justificando, enquanto Ele quebrava a cadeira aos chutes — eu até tranquei a faculdade.

— Tá sem dinheiro pra me pagar, porra, então não aceita a casa!

Fabíola estava com medo, mas também tinha raiva; como Ele era pilantra.

— Eu tenho uma parte do dinheiro — alegou Fabíola, ainda jogada ao chão — eu tenho dois mil, mas não tá comigo, tá no banco.

— Então, por que não pagou o capitão ainda? — um dos capangas a intimidou.

— É, se tem dois mil, por que não me pagou ainda?

— Só consegui essa grana hoje de manhã. Mas é verdade, eu juro — claro que não fora naquela manhã, mas ela precisa arrumar uma justificativa.

Ele desceu ao nível dela, a fitou profundamente, depois a olhou de cima a baixo. Quando satisfeito, agarrou os seios dela — nesse ponto ela já não conseguia mais segurar o choro.

— Olha, eu sou um homem bom, meu pai me ensinou, portanto, eu não vou te matar… eu não gosto de matar mulher. A gente vai fazer assim: se você conseguir me trazer a metade da parcela atrasada, mais a parcela desse mês, mais o adiantamento da parcela do próximo mês, até depois de amanhã; ficamos okay! Mas, se você não conseguir, aí não tem jeito; você vai virar puta no meu cabaré novo. Entendeu?

Fabíola relutou, não queria aquilo, mas quando ele reforçou a pergunta, não teve opção senão concordar.

Acordo feito, Ele ia embora. Ao agarrar a maçaneta, Ele percebeu que a fechadura estava quebrada:

— Conserte a porta, Fabí, é perigoso a porta aberta assim.

— Se fosse mais seguro com a porta trancada, seus pau-mandado não tinham invadido.

Ele se voltou para ela:

— Quem invadiu?

— Seus pau-mandado aí, você, entraram aqui quando não tinha ninguém e ficam me observando na janela.

Ele e seus capangas se entreolharam:

— Mas eu não mandei ninguém invadir, ou te observar. Meu estilo é assim: m****r logo a real. Deixa de ser louca.

— Então, quem era, na janela, me olhando?

— Não sei, não quero saber, isso é B. O. seu. Resolva sozinha.

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