As da Intuição

          Tudo começou na minha primeira aula de direitos do consumidor. Parecia só mais uma noite na faculdade, estava no terceiro trimestre do curso de direito, não me lembro bem o que estava fazendo, mas me lembro de quando ele entrou na sala de aula. Os olhos dele se encontraram com os meus, e pude sentir o arrepio na alma, algo que me dizia que não deveria me envolver, mas que seria muito prazeroso me deixar levar.

           Jeff Anwalt, posicionou o seu material na mesa dos professores, deu um belo sorriso e iniciou a sua aula, eu poderia dizer o que ele tinha passado de conteúdo, mas tudo o que eu percebia era a beleza dele naquele terno preto, e acredito que ele tenha notado minha total desatenção na matéria, quando olhou para mim e deu uma piscadinha.

            Depois daquele dia, tudo o que eu pensava era em Jeff Anwalt, até mesmo enquanto dormia. Fico até sem graça, mas seria errado omitir as dezenas de vezes em que acordei no meio da noite para me tocar pensando nele com todo aquele corpo por cima de mim.

            Eu também acreditava que não teria nada com ele, e uma certa vez eu tive a certeza, quando o encontrei em um barzinho com uma linda moça. Ela estava vestida com roupas de grife. Então aquele era o tipo de mulher que ele gostava? As refinadas? E eu era apenas uma jovem inocente que trabalhava como garçonete para um barzinho simples na Vila Madalena.

            Já esteve em um barzinho na “VM”?

            É claro que não, o senhor é um padre. Mas te informo que a Vila Madalena é conhecida por seus barzinhos refinados, temáticos, com pratos especiais e galera divertida, O barzinho onde eu trabalhava não era assim, ah não!

            O meu chefe, Valdemir, era quem cuidava do caixa, desconfiava de todo mundo, até mesmo da mulher dele. Ninguém podia mexer na caixa registradora. Uma das reclamações dos poucos clientes, era que ele saia para o banheiro e demorava para voltar. E eu era quem tinha que segurar as pessoas para não saírem sem pagar. A mulher dele, Roseta, era quem cuidava da cozinha, mais porca que qualquer coisa. Te peço para nunca comer lá, ela assoava o nariz na mão, limpava no avental e voltava a mexer na massa dos salgados. A outra funcionária era a filha mais velha do casal, tinha dezesseis anos, era um doce de menina, calada e retraída. Certeza de que ela sofria na mão dos pais. Mas ia eu falar alguma coisa com ela, era negação atrás de negação. Por que estou falando sobre essa gente mesmo? Ah sim. O lugar era horrível, por isso fiquei surpresa quando o senhor Anwalt entrou e se sentou em uma mesa, pediu uma bebida para a Clara, esse era o nome da filha que trabalhava comigo.

            ─ Pode deixar que eu atendo, Clarinha. – Me ofereci para atendê-lo no lugar dela. Que erro, que erro!

            Peguei a dose de Johnnie Walker cowboy em um copo e posicionei na bandeja junto com outro, contendo dois cubos de gelo.

            ─ Sua bebida senhor.

            Ele olhou para mim e levantou sua sobrancelha direita. Disso eu me lembro bem por achar que era uma mania extremamente charmosa que ele tinha.

            ─ Eu te conheço?

            ─ Sim. Eu sou sua aluna de direitos do consumidor. – Falei com um sorriso exigido pelo patrão.

            ─ E trabalha nessa espelunca?

            ─ É de onde tiro o dinheiro para pagar a faculdade. - Respondi sem orgulho nenhum.

            ─ Entendo. Qual o seu nome mesmo?

            ─ Elisa. Mas meus amigos me chamam de Ella.

            Daí para frente o papo rolou solto, meu chefe olhava tudo com reprovação, e me chamava para fazer coisas que ele nunca havia pedido antes, como limpar as garrafas de bebidas na parte de trás do balcão. Isso foi em um sábado, ou domingo pela manhã, realmente não vou saber te dizer, mas o que eu posso te garantir é que na aula seguinte o professor Anwalt me cumprimentou com o mais lindo sorriso, e no fim da aula ainda me ofereceu para estagiar no escritório onde ele trabalhava como advogado.

            É obvio que eu aceitei e faltei ao trabalho no dia seguinte com uma desculpa qualquer, vamos dizer que eu falei que estava com muita cólica, mentir para faltar no trabalho é pecado?

            ─ A mentira é um pecado, filha.

            ─ Então estou lascada! Mas continuando a minha história, cheguei no escritório bem cedinho, estava com a minha melhor roupa, que ainda assim não chegava a altura das roupas da recepcionista, quem dirá das demais funcionárias. Fui entrevistada pelas meninas do RH e nem sequer cheguei a ver o meu professor, talvez ele estivesse no seu escritório no penúltimo andar, ou estivesse em um tribunal defendendo bravamente o seu cliente.

            Também não cheguei a vê-lo pelos corredores da faculdade nos próximos dias, até a semana seguinte quando o encontrei na sala de aula novamente, ele tinha chegado um pouco mais cedo, por isso me chamou para conversarmos em sua mesa.

            ─ Foi para entrevista?

            ─ Fui.

            ─ E como foi?

            ─ Acho que fui horrível, estava nervosa.

            ─ Nervosa com o que?

            ─ As minhas roupas me deixaram desconfortável naquele lugar, todas elas se vestiam tão bem.

            ─ Isso é bobagem. – Falou ele reparando na roupa que eu usava naquele dia.

            ─ De qualquer forma elas disseram que me ligariam até sexta-feira da semana passada, hoje já é terça, mais uma vez.

            ­─ Eu vou falar com o pessoal do RH, acho que eles não entenderam que você vai ser a minha nova estagiária.

            Ele queria muito que eu fosse estagiaria dele, o que ele havia me dito naquele tempo, que eu era muito bonita e inteligente para trabalhar como atendente, principalmente naquele lugar horrível. Nem preciso dizer que tudo aquilo me agradava, eu me sentia nas nuvens e fantasiava romances com ele com tanta frequência, que na minha cabeça eu tinha diversos finais felizes para nós dois, e todos terminavam com nós dois velhinhos aproveitando a nossa aposentadoria e viajando pelo mundo.

            No dia seguinte àquela aula, enquanto eu limpava as mesas do chiqueiro, senti meu celular tocar no meu decote, e corri até o banheiro para atender. Era uma mulher do RH pedindo que eu passasse no escritório ainda naquele dia para dar início a minha contratação. Sei que quando dei por mim, o Valdemir estava gritando comigo por estar no banheiro, sai de lá arrancando o avental fedido e encardido do meu corpo, joguei na cara dele, e falei a frase que estava entalada na minha garganta há meses:

─ ME DEMITO VELHO IMUNDO!

            E sai cantando “Let It Go” pelas ruas de São Paulo.

            Dias e enrolações mais tarde, estava definitivamente trabalhando em um grande escritório de advocacia, com advogados de verdade, e gente chique de verdade, mesmo o meu terninho sendo simples e de segunda mão, me sentia nas nuvens. O escritório do Jeff não era o penúltimo como eu imaginava, na verdade ficava no décimo terceiro andar, de um edifício de vinte e um andares. Sua jurisdição era o Direito Civil, mais especificadamente, ele era advogado de casais apaixonados que estavam prestes a se casar, e de casais que estavam fartos da vida conjunta e precisavam se divorciar para não se matarem.

            Desculpa estar dando risada, é que é tão irônico! Ele era um advogado de casais que precisavam se separar para não morrer e eu o matei, junto com a amante.

            Ah padre, por favor, não me olhe assim. O pecado já foi cometido e mesmo que eu me arrependa, como de fato estou, isso não vai mudar nada, ele e a vadia dele estão queimando lá no inferno, e eu estou aqui apodrecendo na cadeia.

            Fui uma ótima estagiária, e uma péssima apaixonada, muitas das mulheres que o contratavam como advogado no divórcio, tinham um casinho ou outro com ele, e isso me doía muito.

            Dias foram se passando e eu deixando de ser uma pobre menina para me tornar uma mulher, minhas roupas deixaram de ser de segunda, meus sapatos melhoravam o meu andar e postura, fui ao salão de beleza e mudei o cabelo, fiz as unhas, o busto, sobrancelha, tratamento na pele, maquiagem das caras, celular de última geração, e fazia tudo isso para me encaixar com aquela realidade que eu tanto almejava. No entanto, eu ainda morava de aluguel em um puxadinho de fundo de quintal, o primeiro investimento foi na minha aparência. E estava dando certo, em sete meses de trabalho fui promovida a assistente e de brinde ganhei ainda mais a atenção do meu tão desejado Jeff. Em uma tarde de trabalho ele me chamou para o seu escritório, eu estava usando um discreto decote aquele dia, mas ainda assim era um decote. Jeff o olhava com desejo e mordia os lábios.

            ─ Eu sempre soube que você era especial.... – Começou ele – Só não entendia o quanto.

            Naquele dia pegamos o metrô juntos para ir para a faculdade e pude sentir o seu membro enrijecido cutucando a minha bunda, eu poderia e deveria denuncia-lo por aquilo. Não só no metrô, como no trabalho também. Mas o fato é que eu queria que ele me desejasse exatamente daquela maneira. No dia seguinte ele me pediu desculpas pelo seu comportamento no metrô, e continuou sua vida tranquilamente.

            Na festa de fim de ano do escritório, estávamos todos reunidos em um restaurante chique que foi fechado exatamente para a confraternização. Eu estava usando uma calça social e ele já estava no seu quinto copo de whisky quando nos encontramos na mesa de salgados e ele passou a mão na minha vagina, olhou para mim, e sussurrou no meu ouvido alguma coisa safada, insinuando que um dia faríamos sexo. E como fizemos. Só que não naquela noite.

            Porque ele simplesmente foi embora sem se despedir, e os boatos diziam que ele tinha ido embora com uma mulher do departamento de marketing. Quando nos reencontramos depois dessa noite, ele me olhava com um olhar acanhado, culpado e com dúvidas, não falamos sobre o evento naquele tempo. Na comemoração da pascoa no escritório, ele teve uma outra atitude inesperada, que eu poderia usar para ferrar com ele, mas decidi aproveitar. Durante as fotos ele segurava a minha bunda direita, e apertava. Eu sabia, sabia mesmo que Jeff era um canalha, ainda assim eu era apaixonada por seu aroma, aparência, voz, tudo em Jefferson de Oliveira Anwalt era perfeito para mim. Mas aquela foi a última vez que ele mexeu comigo.

            Me mudei para um pequeno apartamento em um bairro um pouco mais próximo de onde eu trabalhava, e lá conheci o meu vizinho Henrique, um estudante de jornalismo, um pouco mais novo que eu, mas com um porte atlético, ótimo e sempre muito tímido. Percebi alguns olhares dele para mim e acabamos iniciando um breve romance, começou quando o convidei para entrar no meu apartamento. Eu estava usando propositalmente uma blusa masculina GG do Harry Potter, ele não teve como dizer não. Naquele dia eu lhe dei uma fantástica experiência sexual, e desde então aquilo passou a ser rotineiro.

            Eu estava bem com o Henrique, tudo era escondido, mas eu estava feliz com o que acontecia entre a gente, pois não tinha responsabilidades e o sexo era garantido. Até que um dia, após o coito ele veio me dizer que queria me apresentar ao irmão, ou seja família. Fiquei surpresa mas disse que sim. Isso ia acontecer uma noite após a formatura dele. Eu acabei me formando uma semana antes e recebi em meu escritório algo realmente inesperado, uma garrafa de champanhe com um bilhete:

                   “Parabéns pela formatura, deveríamos ‘bebemorar’ juntos. ”

                                                       Jeff Anwalt.

            Sei o que estava escrito porque eu acabei lendo o bilhete mil vezes e o guardei em uma caixinha de recordações. Eu deveria negar, afinal estava prestes a iniciar seriamente um relacionamento com um rapaz realmente bom e decente, Henrique era um verdadeiro cavalheiro, o oposto de Jeff, que era e sempre foi um canalha, mas eu disse sim e saímos aquela noite, somente Jeff e eu, primeiro fomos em um restaurante, comemos e bebemos um pouco, e depois fomos para o loft luxuoso dele, onde bebemos todo o champanhe, mas querendo mostrar para ele que sou difícil e também pensando em Henrique, eu sai daquele apartamento sem fazermos nada, mesmo ele tentando muito.

            Conheci o irmão do Henrique como o combinado e como esperado, tivemos uma conversa sobre termos um relacionamento sério, e dois dias depois, tive uma conversa semelhante com Jeff em meu escritório compartilhado com outros dois assistentes, que não estavam presentes no momento.

            ─ Agora que você não é mais uma aluna da instituição que eu dou aula, e que você está muito bem na sua carreira profissional, posso te dizer que quero ficar com você.

            ─ Eu agradeço o bom gosto Jeff, mas também não é permitido relacionamentos amorosos no ambiente de trabalho. – Comentei com uma mistura de emoções no peito, pois ainda sentia muito tesão naquele homem, aquilo não era de Deus.

            No entanto ele insistiu, principalmente quando viu que eu sorri com o comentário sobre todas as mulheres quererem ter um Jeff Anwalt em suas pacatas vidas, hoje eu vejo o tamanho da idiotice que ele havia dito. Trocas de olhares e galanteios voltaram a acontecer. Em uma reunião ele brincava com o pé dele sobre a minha perna, e depois me mandou um bilhetinho que dizia o quanto eu estava sexy naquele dia.

            Foi quando uma bomba chegou aos meus ouvidos, cheguei em casa em um belo dia e como de costume Henrique vinha até a porta do apartamento dele me receber, e dessa vez foi diferente. Ele estava com um sorriso de orelha a orelha, mas eu notei um ar de preocupação:

            ─ Fui chamado para trabalhar em um grande jornal! ─ Começou ele.

            ─ Uau Rique, isso é ótimo! Estou tão feliz, mas você não parece estar com a mesma empolgação.

            ─ É para ser correspondente em Londres.

            ─ Londres? Tipo Inglaterra?

            ─ É, Londres, na Inglaterra mesmo.

            ─ Isso é ainda mais maravilhoso! Você vai se mudar para a terra da rainha!

            ─ É eu sei. Mas não confirmei ainda.

            ─ Então por que o desanimo?

            ─ Nós dois? Como vamos ter um relacionamento estando tão longe?

            ─ Namoro a distância? Vivemos em pleno século XXI, as informações chegam em segundos.

            ─ Será?

            ─ Você quer terminar Henrique?

            ─ Não.

            ─ Então o que você quer?

            ─ Transar com você.

            ─ No meu apartamento ou no seu?

            ─ Vamos para o meu, meus pais estão vindo para cá por conta da notícia, assim que tocar o interfone você corre para o seu ‘AP’.

            E lá fomos nós fazer sexo, mas para mim estava muito estranho, enquanto para ele parecia ser muito bom. Chegando no trabalho no dia seguinte, um cliente estava sendo muito babaca comigo por conta de um erro que ele havia cometido e eu o tinha pedido para corrigir, estava sendo um dia horrível, eu lembro. Não parava de pensar na possiblidade de Henrique ir para Londres, e a maneira como ele não queria que eu conhecesse seus pais. Talvez ele estivesse apenas esperando para fazer a apresentação de uma maneira mais formal.

            Jeff, ao ouvir a gritaria do cliente, saiu de sua sala e foi me defender como um verdadeiro cavalheiro, e de uma maneira que só eu podia ouvir ele me disse:

            ─ Ninguém mexe com a minha mulher!

            Finalmente em casa, Henrique foi até o meu apartamento para contar sua decisão, ele iria para Londres. Claro que por fora eu pulei de emoção, mas por dentro eu berrava um grande e sonoro NÃO. Mas o que eu poderia fazer? Se a situação fosse o contrário, eu também iria para Londres sem sombra de dúvidas.

            No dia seguinte não estava conseguindo me concentrar direito no trabalho, o que chamou atenção de Jeff, que me deu um ombro amigo durante aquela semana, Henrique e eu não tínhamos terminado definitivamente, mas dado um tempo no relacionamento. Depois de algum tempo que ele estava na terra da Família Real, pensamos na possibilidade de eu me mudar para lá, quando ele encontrasse um lugar melhor para viver. Henrique ainda gostava de mim, mas enquanto ele estava longe e eu aqui no Brasil, o sensual Jeff não parava de me jogar galanteios, que eu ia gostando cada vez mais, e enquanto eu me preparava para fazer a prova da OAB, Jeff se ofereceu para me ajudar com os estudos e em uma dessas noites trocamos nosso primeiro beijo. Que eu preciso dizer, não foi de uma maneira mágica e romântica como eu imaginava, mas ainda assim foi um beijo, ele olhou para os meus olhos e me pediu desculpas pelo que fez, disse que não conseguia segurar o que sentia por mim.

            ─ Você mexe comigo de uma maneira diferente, eu te quero muito.

            ─ Mas não terá. – Fechei meus livros e cadernos – Preciso ir.

            ─ Por favor, fica aqui comigo.

            ─ Eu não posso está bem? Eu tenho planos para a minha vida, planos que não envolvem você.

            Ao dizer isso, sai da sala de reuniões do trabalho com a cabeça a mil por hora. Mas Jeff veio atrás de mim.

            ─ Que planos são esses?

            ─ Vou me mudar para Londres.

            ─ Londres? Tipo Inglaterra?

            ─ Isso, Londres, na Inglaterra.

            ─ O que vai fazer por lá?

            ─ Meu namorado está lá. Vou me mudar para lá, assim que ele sair da república onde está vivendo.

            ─ E a sua carreira?

            ─ O que tem a minha carreira? Lá também tem advogados.

            ─ É mais para isso, você tem que fazer provas, cursos, teria que praticamente começar do zero.

            ─ É um risco a correr.

            ─ Eu não permito que você vá para Londres.

            O elevador chegou ao nosso andar, onde continuamos nossa discursão.

            ─ Você não manda em mim Jeff.

            ─ Eu falei para a senhora Claudia, que você seria ótima para o nosso escritório, e está sendo, não pode ir embora assim.

            Cláudia era nossa superior, mas isso não me persuadiu.

             ─ Eu sou uma mulher adulta posso fazer o que bem entendo.

             ─ Tipo jogar sua carreira promissora fora?

            O elevador chegou no térreo, e ele parou na porta impedindo minha passagem.

             ─ Não seja esse tipo de mulher que larga a carreira para ir atrás de homem, ele não fez isso por você, fez?

             ─ Você não sabe o que está falando!

            ─ E se ele terminar com você. Se ao conviver com você na mesma casa ele perceber que não gosta de você mordendo o garfo na hora em que come.

            ─ O que?

            ─ É o que você faz, puxa a comida com o dente e não com a boca.

            ─ Com licença – Falou um homem impaciente atrás dele.

            Consegui sair do elevador e ir em direção a saída.

            ─ Eu não sei o que isso tem de relevância para...

            ─ Para o assunto? Toda relevância do mundo, ele pode enjoar de você, desistir...

            ─ Vamos nos casar e ser felizes.

            ─ Pelo amor de Deus! Você não aprendeu nada durante esses dois anos que tem trabalhado aqui, casais entram feliz para se casar e quatro meses depois eles voltam querendo o divórcio.

            Já estávamos do lado de fora com a brisa fresca jogando meu cabelo no meu rosto, e eu desesperada querendo sair daquela situação procurei por um taxi.

            ─ Você está muito enganado em relação a isso.

            ─ Eu estou totalmente certo em relação a isso, eu jamais pediria para você deixar sua carreira na mais importante empresa de advocacia desse país, para viver um sonho louco.

            ─ E o que você faria? – Eu fingi interesse enquanto fazia sinal para um taxi que passava na rua.

            ─ O que eu fiz. Te tirei de um buraco fedido na Vila Madalena e coloquei em uma sala de escritório, você nem ia ser contratada se não fosse eu impondo isso para o RH e para a Claudia.

            Eu parei na porta do taxi e olhei para o Jeff parado atrás de mim, o que ele disse era verdade.

            Henrique estava me pedindo para largar um sonho certo, por outro incerto, e Jeff viu qual era o meu objetivo de vida e vem me ajudando a alcançar isso desde então. E com a confissão dele de dizer que sente algo por mim, é simples e complexo ao mesmo tempo. Fechei a porta do taxi e corri para dar um segundo beijo, porem esse foi mais romântico e mágico que o primeiro, e desde aquele dia mantínhamos dois relacionamentos, o profissional e o pessoal em perfeito equilíbrio, e ninguém sabia disso. Trocávamos, olhares, cantadas, paqueras e elogios, e quando ninguém estava olhando amassos e sexo no escritório, e em nossas casas também. Ficamos assim por meses, fiz a minha prova da OAB e passei com uma excelente nota, até Claudia me disse que via um sinal de promoção em meu futuro. Tudo estava indo bem, eu estava com o homem dos meus sonhos, o sexy e sensualizado Jeff, tirei minha carteira de motorista e uma promoção no trabalho me rondava. Tudo parecia ir bem, certo?

            ─ Não sei dizer. – Respondeu o padre sentado na minha frente.

            ─ A resposta é sim, só que não. Por que em uma manhã, tarde ou noite, não sei dizer ao certo, uma cliente muito brava entrou no escritório do Jeff aos berros. É bom falar que ela era bem conservadora, e o que viu não foi nada agradável, eu estava seminua deitada sobre a mesa de Jeff que me beijava lá.

            Foi um escândalo só.

            Fomos chamados a sala do diretor da empresa, que me demitiu e trocou a cliente estraga prazeres de advogado. Nada de ruim aconteceu ao Jeff, mas algo que eu notei foi que ele se mantinha calado o tempo todo, não me defendeu em nenhum momento, nem mesmo quando o diretor me chamou de vagabunda sem classe, puta, mulher da vida, pobretona, entre outras ofensas. Peguei minhas coisas na minha sala e sai de lá arrasada, chorando e perdida. Fui para casa e bebi três garrafas de vinho no mínimo, estava mal. Jeff não falou comigo por um mês, eu saía procurando emprego sem uma carta de recomendação, mas ainda precisaria voltar lá para pegar minha carteira de trabalho. Foi quando eu vi Jeff, que se aproximou me pedindo desculpas, dizendo que sentia muito mesmo, e que ele estava esperando a poeira abaixar para me ligar, já a garota do RH, falou para eu não cair naquele papinho, porque o assunto que rolava, era que Jeff começou a ter um caso com a senhora conservadora que não queria de maneira nenhuma trocar de representante no divórcio.

            Canalha, foi o que eu pensei e ainda penso.

            Mas ele não estava mentindo sobre me ligar, dia quinze de fevereiro, data do meu aniversário, meu telefone tocou e era Jeff Anwalt me convidando para passar o meu dia com ele. Fiquei surpresa mas aceitei, já que eu ia passar meu aniversário sozinha no apartamento vendo séries e comendo besteiras, e também porque eu queria muito saber onde essa história ia dar. Ele me encontrou com uma sacolinha da PANDORA em mãos, quando ele me entregou eu abri e vi que era uma pulseira moment prata, com dois charms pendurados, um presentinho vermelho e um com a balança do direito pendente.

            ─ Feliz Aniversário e me desculpe ficar longe esses dias, não queria que ficassem fazendo fofocas de você por lá.

            Eu sorri me prendendo naquele olhar, parecia ser sincero. Ele colocou o bracelete em meu pulso e beijou minha mão. Jantamos e depois demos uma volta pelas ruas de São Paulo, sentindo a brisa quente que fazia aquele dia, terminamos como um casal qualquer na cama fazendo muito amor. Algumas semanas depois, estávamos publicando fotos de casais em nossas redes sociais, confirmando que algo sério estava acontecendo entre nós dois.

            ─ E quanto ao Henrique? O que aconteceu com ele? – Perguntou o padre que parecia realmente interessado na história.

            ─ Sabe o dia do meu primeiro beijo com o Jeff? Assim que cheguei em casa falei com o Henrique que o relacionamento a distância não estava dando certo, e ele concordou, pois estava interessado em uma colega da república vizinha.

             ─ Pelo menos ele ficou feliz.

             ─ Ele vai voltar para essa história, aí o senhor comenta se continua com a mesma opinião.

             ─ Onde eu parei? Ah sim, o comum dos casais, assumimos nas redes sociais, conhecemos as famílias um do outro, viajamos, consegui um emprego em um médio escritório de direito civil, onde eu recebia mais e trabalhava mais defendendo processos de comediantes e youtubers. E fui pedida em casamento, de uma maneira muito romântica. Estávamos em Aparecida do Norte, com a minha mãe e minha madrinha de batismo. Todo ano nós três fazemos essa viagem, por mais que a relação com a minha mãe não seja uma das melhores, mas com a minha madrinha sempre foi ótima. O que pode te espantar, é saber que hoje em dia elas estão juntas como um casal. Mas essa história é delas e não minha.

            Voltando ao pedido de casamento, nós estávamos na fila para ver a imagem de Nossa Senhora Aparecida, Jeff tirou uma caixinha de dentro do bolso e se ajoelhou, fazendo o pedido. Minha sorte foi que não era horário de missa, pagaria um mico em gritar durante a celebração, obvio que disse sim e dei muitos pulinhos e beijinhos, as pessoas que estavam na fila aplaudiram, minha mãe e madrinha choraram, eu chorei e Jeff sorria alegremente. Nosso casamento aconteceu um ano depois, na igreja Nossa Senhora da Saúde, próximo ao metrô Santa Cruz, foi tudo lindo e perfeito:

            ─ Você Jefferson de Oliveira Anwalt, aceita se casar com Elisa Ramos Melo?

            ─ Sim. – Ele respondeu alegremente.

            ─ E você, Elisa Ramos Melo, aceita se casar com Jefferson de Oliveira Anwalt?

            ─ Sim, é claro que sim. – Lagrimas rolavam de felicidade pelo meu rosto.

            ─ Pelo poder instituído a mim pela igreja católica, eu os declaro marido e mulher, em nome do pai, do filho e do espirito santo.

            ─ Amém – Respondemos os dois com olho no olho.

            Nos mudamos para um duplex de dois quartos e uma suíte, tudo muito elegante e chique. Passamos nossa lua de mel em Nova York, tudo era maravilhoso e apaixonante, naquele tempo eu poderia dizer que eu tinha quase tudo, mas nós ainda precisávamos de um filho, e isso estava sendo um problema para os dois.

            E quando fomos fazer um exame, recebi a pior notícia que uma mulher pode receber: eu tinha endometriose e por isso era incapaz de engravidar.

            Chorei muito, mas recebia muito apoio de meu marido naquele tempo, pensamos em uma barriga de aluguel nos Estados Unidos, e até mesmo em adoção, chegamos a visitar alguns orfanatos, fazemos pesquisas e tudo o mais. Foi quando conhecemos o Pietro. Ele era lindo, me encantei por aquela criança de três anos que havia acabado de ser devolvida pelos pais adotivos. Achava a história dele triste e revoltante, a mãe do pequeno Pietro queria abortá-lo, mas não tinha dinheiro para isso, então teve de passar pela gestação, e no hospital depois de dar à luz de forma natural, fugiu e nunca mais foi vista. Ele foi levado para o orfanato com apenas trinta e dois dias de vida, os primeiros pais adotivos tiveram a guarda retirada, após uma denúncia de maus tratos, aos outros irmãos, os segundos pais adotivos ficaram com ele por mais tempo, mas após um grave acidente os dois morreram e a criança que estava na creche no momento do acidente, voltou para o orfanato. Os últimos pais que ficaram com ele, devolveram a criança uma semana depois, com a desculpa de que a mulher ficou realmente gravida e não poderiam cuidar de dois bebês ao mesmo tempo. Tínhamos iniciado uma batalha judicial para termos a guarda de Pietro, e normalmente estes processos são demorados. Você deve estar pensando que todo casal tem seus desafios, e este deve ser o de vocês já que são tão perfeitos um para o outro, vou te dizer, dá para piorar.

            Estava no escritório uma certa tarde, quando recebi um telefonema, era minha melhor amiga do ensino médio, a Rita, ela estava vindo para São Paulo e precisava desesperadamente de um lugar para passar a noite, e também de uma advogada. Rita chorava ao telefone e eu a acolhi em meu lar aquela noite. Eu mal sabia que estava levando o inimigo para debaixo de meu teto.

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