(Não) Se Case Comigo
(Não) Se Case Comigo
Por: Iza Aster
Um Lustre Cristalino

Primeiro o clarão cegante cortou o céu, impondo-se com uma potência assustadora, iluminando de maneira vertiginosa um pequeno pedaço do mundo. Poucos segundos depois, um estrondoso trovão explodiu, fazendo estremecer o solo, vibrando nos tímpanos daqueles que puderam se desesperar pelo seu rompante. Tudo a partir de então resumiu-se a escuridão e águas. Naquele começo de tarde, o céu convertera-se em negritude e desabava em um dilúvio. A noite mais escura havia caído precipitadamente.

A chuva havia surpreendido a muitos, iniciando-se de forma inesperada, e mesmo depois de meia hora não mostrava nenhuma intenção de abrandar. A tempestade torrencial em poucos minutos começou a provocar inundações, trazendo inquietude ao peito daqueles que se viam aprisionados à fúria das águas. Envoltos pelo cenário que beirava ao caótico estavam Giovanna e Matheus, o casal que fora interceptado em meio à viagem. Agora, ambos abraçados pela sorte, haviam conseguido chegar sem nenhum incidente ao seu destino final: A Mansão Esquecida dos Albuquerque.

Gotas grossas e pesadas rebatiam contra a lataria do luxuoso carro prateado. Matheus, que guiava o veículo, estava parado diante ao portão principal da casa, respirando profundamente e agarrando-se à medalha de símbolo singular que sempre carregava no pescoço. Agradecia em silêncio, não precisando expressar em palavras todo o alívio que sentia. Dirigir naquela chuva realmente havia exigido muito de sua atenção e preces. Estava tão incomodado que sequer soltou a segunda mão do volante, pelo contrário, seu aperto se tornou ainda mais firme, fazendo com que seus dedos afundassem contra a proteção de couro. Por longos segundos o jovem casal permaneceu parado diante ao gigantesco portão de grades de ferro negro, focados em seus próprios sentimentos, hipnotizados pelo que os aguardava.

Do outro lado do portão estava a enorme mansão de pedras rústicas e arquitetura gótica. Aquela casa apresentava um luxo singular, possuindo um requinte que sequer era ofuscado pela intensa chuva, pelo contrário, todo cenário tornava o lugar ainda mais magnético. A mansão era antiga, aparentemente secular, única, luxuosa, tendo três andares, telhados em cume, e inúmeros cômodos apagados. Naquele momento estava afundada na penumbra, praticamente engolida pelo quase dilúvio, mas nem assim perdia seu esplendor. Giovanna a observava. Era inacreditável o que estava acontecendo, a casa era linda de todas as formas. Um verdadeiro presente. Nem parecia que tinha sido ofertada por uma mulher que ela tinha certeza que a odiava.

A jovem morena levou sua mão à aliança que carregava no anelar direito. Parecia que seu maior sonho estava sim se realizando e após tantos problemas. Até então ela estava noiva há dois anos, lutando diariamente para tentar conquistar a mulher mais importante na vida de Matheus. Sua sogra, Lucinda, no último ano se tornara ainda mais insuportável, mas desde o último mês nunca havia se mostrado tão acessível, pelo contrário, até então sempre que se encontravam a velha fazia questão de humilhar a futura nora. Giovanna aturou muitas das ofensas calada, na esperança de se casar e levar seu marido para bem longe. Agora ela não poderia levar o homem que amava para tão longe quanto gostaria, mas pelo menos a vida trazia mais uma de suas reviravoltas. E essa reviravolta era como a tal casa: misteriosa e caótica, sedutora e magnética...

Imediatamente o coração da mulher saltou todo afoito, uma súbita desconfiança apareceu: E se tudo aquilo fosse apenas uma armadilha? Era até aceitável suspeitar, Lucinda era tão manipuladora. Mas o que ganharia? O que estaria planejando ao oferecer uma casa como aquela? Giovanna se obrigou a afastar tais pensamentos, precisava acreditar que sua sogra não a odiava tanto quanto ela imaginava. Finalmente a matriarca dos Albuquerque havia cedido, aceitado a união de seu filho mais novo com uma "simples psicóloga". Pessoas cedem quando notam que não podem vencer algo maior. E depois de tantos anos em uma batalha ferrenha, a velha parecia ter aceitado tão bem sua derrota que presenteara o casal com um casarão no meio do nada, um lugar obscuro, ignorado pela família por longos anos, um imóvel que mais parecia ter saído de um conto de horror, mas que para Giovanna era o lugar mais estimado de uma mãe possessiva. Lucinda vivera naquela mansão por muitos anos e o local contava com muitas histórias…

Obviamente Matheus havia dado mais leveza à ação. Na realidade a casa estava abandonada para moradia há anos, sua mãe odiava aquele lugar, mais do que odiara seu pai. Porém, o rapaz não iria permitir que a insegurança da noiva aumentasse a poucos dias do casamento. Matheus aceitou o presente de grego e tratou de enfeitá-lo. Giovanna aceitou a mentira da melhor maneira possível, pois até dias atrás imaginava que se dependesse de Lucinda, o filho teria que morar em qualquer lugar decadente, experimentando uma realidade miserável apenas para desistir do casamento. Ela torceu para que houvesse verdade nas palavras de Matheus… E sorriu mais uma vez.

Os pingos de chuva se tornavam cada vez mais pesados, batendo violentamente contra o carro, dificultando a visão até mesmo para que seguissem pelo caminho rumo à entrada. Com muita atenção o carro foi guiado, o casal permanecia em silêncio, cada um resignado aos seus próprios pensamentos e esperanças. Pararam e a saída de ambos foi veloz, uma corrida feita até a área coberta. Agora sob proteção, Matheus passou os dedos por entre seus cabelos escuros, jogando para trás a franja molhada e escorrida que antes cobria seus olhos cor de avelã. Giovanna deixou escapar algumas risadas enquanto torcia a parte de baixo do casaco, bastaram poucos segundos para que ficasse enxarcada. A água gelada inundava o corpo de ambos, dando a sensação de calafrios e cortes dolorosos. 

Matheus estava sob a mira dos olhos castanhos de sua futura mulher, muito mais sério do que ela, o que era bem raro. Ele tentava ser veloz com um molho de chaves na mão, usando inúmeras delas até encontrar a da entrada principal. Giovanna só percebeu o silêncio do noivo quando eles entraram no lugar. Ela parou a poucos metros da porta para admirar o primeiro cômodo da casa: um imenso salão completamente vazio. Matheus não parou seus passos, tampouco compartilhou uma boa reação. Dentro do lugar e calado, ele cruzou a frente da noiva, entrando em um novo cômodo qualquer localizado à sua esquerda. 

As palavras de Giovanna ficaram presas à sua garganta, as sobrancelhas se contraíram, agora em sinal de confusão. Ela seguiria o rapaz, mas por causa da escuridão cegante dentro da casa decidiu permanecer onde estava, erguendo seus olhos mais para cima e podendo enxergar pequenos pontos cintilantes, os reflexos de um luxuoso lustre de cristal que marcava o centro do salão. Era tão imponente que nem a negritude o apagava.  Giovanna não podia enxergar seus detalhes com clareza por causa da penumbra, mas deu para ter noção de seu tamanho, era enorme, maior que ela. Abaixou seus olhos para encarar a escadaria que ficava também no centro do salão, dividindo-se em dois caminhos quando chegava ao topo. Nesse momento mais um relâmpago repentino e um estrondo forte, ela sentiu seu coração apertar pelo susto, tendo que respirar fundo para se acalmar.

— Eu gostei da casa, mas espero que Lucinda não tenha me presenteado com uma casa dos horrores e sem energia elétrica.  — Comentou em um tom elevado, passando a se incomodar com a penumbra presente. 

— A tempestade derrubou a energia da casa e como eu previ, vai demorar um pouco para consertar. — Em algum lugar a voz do homem se pronunciou, certeira e seca.

— Principalmente porque o tão talentoso Matheus Albuquerque entende muito de livros e números, mas de fios e consertos deixa muito a desejar. — Giovanna sorriu, esperando que o clima se tornasse mais leve com aquilo. Ela às vezes usava de piadas bestas para relaxar o noivo que raramente fechava a cara. Aguardou ao menos uma risada dele, normalmente o humor de Matheus era ótimo, mas algo estava muito estranho naquela noite. Ela apenas ouviu o silêncio e depois mais um trovão, este mais fraco.

O rapaz retornou. Com sua expressão fechada entregou a lanterna que havia ido pegar na despensa.

— Suba e escolha o quarto, vou tentar resolver esse problema. — Ele disse enquanto a mulher analisava a lanterna. Giovanna estendeu seus braços, abraçou o noivo pelo pescoço e tentou persuadi-lo dizendo com uma voz manhosa:

— Deixa tudo isso para amanhã. Hoje a gente pode se virar com velas, uma cama quentinha e muita criatividade…

A ideia não foi bem aceita, Matheus deixou isso bem claro quando suas mãos se desligaram do abraço e o semblante se tornou ainda mais duro. Contrariada, a única coisa que a jovem noiva pôde fazer foi subir e deixar seu noivo com todo seu mau humor e traumas para trás. E definitivamente, traumas era o que ele mais possuía...

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