Capítulo 1

SIMON

Por algum motivo, acabei escapando de Lori e tendo o final de semana livre e sem qualquer castigo. Era um alívio, mas também sabia que na semana seguinte eu pagaria o preço. Lori não era má. Ela era boa para mim, o único adulto que realmente se preocupou comigo durante a minha vida toda. Eu tinha respeito e carinho por ela, mas a última parte eu dificilmente admitiria algum dia.

Quando a segunda-feira chegou, Lori me chamou no escritório dela assim que voltei da escola. Eu tinha certeza que era para falar sobre as minhas notas.

— Entre, querido. Sente-se. — Seu tom não era de alguém que estava bravo ou preocupado. Sentei e fiquei tentando entender o sorriso que se formava em seu rosto.

­— Como tem passado, Simon?

— Bem — respondi simplesmente, começando a me sentir desconfortável com o seu sorriso esquisito.

Será que ela e Tito, o policial que tratava de ocorrência dos meninos baderneiros do Lar, finalmente assumiram que estavam querendo um ao outro e estavam saindo?  

— Bom! — Pausou por um momento e cruzou suas mãos em cima da sua mesa. — Vou direto ao ponto: Lembra-se do casal da semana passada? — perguntou.

Como diabos eu saberia de qual casal ela estava falando? O orfanato era uma feira de domingo. Sempre havia casais no Lar olhando as crianças. Levantei minha sobrancelha para ela que entendeu na mesma hora a minha dúvida sobre qual casal ela estava falando.

— Claro, temos muitos casais aqui o tempo todo. Eu falo dos Hartnett... O jovem casal? Estiveram aqui na sexta-feira? — Tentou me fazer lembrar. Mas eu já sabia quem era.

— Os que viram você ameaçando a minha única forma de entretenimento para os finais de semana? — brinquei, fazendo ela rolar os olhos para mim.

— Sim, eles mesmo. — Sorriu parecendo satisfeita com a minha memória.

Por que diabos ela estava sorrindo tanto?

E o que tinha aquele casal em específico?

Oh! Porra!

— Não — disse duramente no momento em que percebi o que ela estava tentando me dizer. — Não! Não! E não! — Continuei a dizer, apavorado. — Você prometeu, Lori!

— Eles querem você, Simon.

Por que ela dizia aquilo como se fosse algo legal?

— Para quê? Um ménage? — Minha voz desafinou um pouco quando respondi. O nervosismo estava tomando conta de mim. O que um casal jovem como aquele poderia querer comigo? Provavelmente iam me fazer de escravo sexual. Sei lá!

— Onde você aprendeu sobre isso? — O engraçado foi que a sua pergunta também saiu desafinada. Senti minhas bochechas quentes pelo rubor de ter deixado escapar a minha declaração.

— Eu leio — respondi dando de ombros. Foi bom que eu não tivesse falado a parte do “escravo sexual” também.

— Preciso dar uma olhada no que você anda lendo, rapaz — resmungou. — De qualquer forma, não é isso. Eles querem dar um futuro a você.

— Eu já vou fazer dezoito. Já meio que tenho um futuro — retruquei, sabendo que minha declaração era no mínimo uma piada.

Já tinha um futuro?

 — Você vai fazer dezoito em um ano ainda, Simon, e você acha mesmo que tem um futuro, querido? — Dei de ombros novamente. O que ela queria que eu dissesse?

— Por que não fazem um filho? São jovens.

— Ela não pode ter filhos — Lori respondeu com piedade em seu tom de voz.

— Hum... Isso pode ser bom para ela — constatei. — Talvez se contarmos o quanto filhos podem atrapalhar a vida de uma pessoa, eles desistam. Por que não compram um cão?

— Simon!

Ela odiava quando eu falava que era melhor nunca ter existido ou me comparava com um animal. Mas, sério, qual a relevância de povoar o mundo se os pais não têm interesse de ficar com os filhos?

— Lori, eles podem ficar com qualquer criança — falei, frustrado. — Uma criança pequena, eles podem realmente ajudar alguém, mas não precisa ser eu.

— Querido, não cabe a mim contar-lhe o motivo para terem escolhido você, é muito particular para eles, mas suas intenções são reais e honradas.

— Mas só ficarei um ano. Eu farei dezoito e vou cair no mundo, você sabe — eu sempre dizia isso a ela. No momento em que eu fizesse dezoito, ia para onde eu quisesse, ninguém mais decidiria minha vida, onde eu dormiria, comeria ou iria. Eu mandaria em mim.

— Ou você pode ficar... — A solução dela não era viável e ela sabia.

— O que eles vão querer comigo? Sério! Eles precisam de um caseiro para a casa de campo?

— Simon, não seja amargo. Já falei para você que é melhor do que isso.

— Por favor? Deixe-me ficar. — Implorei — Eu ajudo aqui. Não ajudo? Eu sou bom aqui, sou útil.

— Eu juro, querido, juro para você que se não fosse para o melhor, não estaria deixando você ir.

— Você disse isso outras vezes — resmunguei, magoado.

— Eu sei, Simon, mas as coisas realmente mudaram. E você não irá simplesmente, coloquei uma exigência de um mês para fazermos averiguações e vocês se conhecerem. Para saberem se realmente querem essa convivência.

Então nem tudo estava perdido. Eles poderiam mudar de ideia.

**

O mês que se seguiu foi utilizado para eu conhecer o senhor e senhora H, como gostava de chamá-los.

Eles iam ao orfanato para me visitar quase todos os dias. Mais a senhora H. do que o marido. Ela contava que ele era promotor público e estava em um processo muito importante contra o crime organizado e por isso não podia ir todos os dias. Mas o homem era esforçado. Sempre que podia estava lá, por vezes ele chegava correndo, faltando cinco minutos para acabar o nosso tempo juntos, mas ele dava um jeito. Quando não aparecia, ligava para a esposa, perguntava como tudo estava indo e mandava um abraço para mim. Envergonhado, eu assentia em agradecimento, mas não passava disso.

Eles eram sempre muito comunicativos e sorridentes, a mulher mais do que o homem, ele, na verdade, me analisava um pouco mais. Parecia menos envolvido na névoa romântica da adoção. Eu me analisaria também se tivesse uma mulher jovem e bonita em casa e estivesse levando um garoto em plena puberdade que sequer conhecia para a minha família.

Eu não era assim, é claro.

A senhora H. poderia ser uma bela mulher, mas eu tinha respeito e sequer a via desta forma. A repulsa depois de ver Ralf e a escrota da última “mãe” adotiva fazendo sexo sujo me fez ver exatamente o que não queria e nunca faria na minha vida. Eu não seria usado. Ou escravizado. E talvez, por ver a degradação das mulheres que passaram por minha vida ou as histórias que ouvi do destino de muitas crianças adotadas, eu simplesmente não tinha aquilo em mim. Eu respeitava as mulheres. A senhora H. não era diferente. E, para ser honesto, ela era uma pessoa difícil de não gostar. Bem, ele também era. O fato de ele ser cauteloso comigo, precisava ser compreendido e respeitado. E eu fazia isso.

O primeiro encontro foi um tanto silencioso e desconfortável. Até o senhor H. perguntar algo que realmente me chamou a atenção.

— Simon? Você gosta de livros? — E então a minha atenção era deles.

Ele contou que sua esposa gostava de livros e que tinha vários. Muitos mesmo. Tipo uma parede cheia.  

A porra de uma parede de livros? Sim, eles tinham a minha atenção. Então o gelo foi sendo quebrado conforme os dias naquele mês iam passando.

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