Capítulo 1

CATERINE

Reclamar da vida não era uma opção para mim. Sempre procurei ver o lado bom de tudo e todos, mesmo quando estava embaixo do meu nariz a realidade sobre as coisas.

Cresci praticamente sem mãe, mas tive um pai, que por muito tempo se dedicou a mim e só a mim. Por anos ele não foi capaz de preencher uma parte vazia em meu coração, mas quando tive idade o suficiente para perceber que minha mãe apenas não me queria, sem qualquer justificativa, e que nem eu e nem meu pai tínhamos culpa disso, eu resolvi olhar para ele como tudo. Mãe, pai, confidente, amigo e herói.

Se eu disser que fiquei feliz com a forma que ele se uniu a Milly, minha madrasta, estaria mentindo. Por um longo tempo ele foi amante dela. Milly traiu o marido até ter coragem o suficiente para deixá-lo e ficar com meu pai. Eu não aprovava ou apoiava, mas quando minha madrasta finalmente se separou, não vi motivos para não deixar meu pai ir. Eu já era adulta, morava com meu noivo, e queria que ele fosse feliz.

Eu tinha Michael.

Michael...

Eu pensava que o amava. Pensava que o que ele fazia comigo era porque me amava muito também. Vivi anos em um relacionamento abusivo sem perceber que era.

Ou sem querer enxergar...

Em três meses já estávamos morando juntos e ele controlava até a roupa íntima que eu usava e queria até controlar meus pensamentos.

“Está pensando em alguém, Caterine?”

 “O que está passando nesta sua cabecinha linda?”

“Se não está pensando em nada, por que não posso saber?”

Cristo.

Eu lutei, briguei, mas era tudo em vão. Eu lutava por batalhas perdidas. Ele sempre se desculpava... Até nisso conseguia me controlar. Me persuadia a perdoá-lo quando tudo o que eu queria era fugir.

Eu perdi a minha identidade, perdi meus pensamentos e a vontade de viver.

Por tanto tempo eu apenas existi.

Então descobri a gravidez. Fiquei tão apavorada. O controle tinha saído completamente das minhas mãos. Eu sequer tinha escolha sobre o meu corpo. Michael começou a falar sobre adiantar o casamento, sobre eu largar a Escola de Direito.

Eu pirei!

Ou melhor, recobrei a minha sanidade.

Terminei com Michael. Então ele me bateu. Se eu fechar os olhos ainda posso ver a fúria nos seus olhos e o peso da sua mão em meu rosto. Sinto o sangue que encharcou a minha boca quando foi cortada pela bofetada.

Eu também consigo me lembrar da carta sendo enrolada pelos meus dedos trêmulos, a sensação do papel deslizando por eles, do frio anel de noivado deslizando pelo canudo que fiz. Eu lembro do som que a porta fez quando a fechei e fui embora.

Passei bem pelo aborto, não tive quaisquer problemas com o pós-operatório, mas meu coração estava dilacerado. Não por terminar com Michael, não por ter tirado o filho que me foi imposto, e sim, ele foi imposto a mim, meu noivo me forçou um filho da mesma forma que me forçou a viver toda a nossa vida. E, mesmo morto, ele conseguiu me jogar o peso da culpa pelo seu suicídio.

Um misto de sentimentos me preencheu, culpa, alívio, ódio, pena, medo. Senti tudo de uma vez só.

Eu morri também. Fui assassinada pouco a pouco durante anos.

Havia morrido há muito tempo, lentamente e não poderia ressuscitar a velha Caterine, porque eu sabia, tinha absoluta certeza que, embora eu não estivesse arrependida naquele momento, fosse pelo aborto ou pelo suicídio de Michael, se eu não enterrasse a antiga Caterine de vez, eu ia sentir o peso de tudo o que havia acontecido comigo no futuro, seria corroída pela culpa. Ia amadurecer, crescer e lembrar do que fiz, das consequências do meu ato e ia ser consumida pelo arrependimento. Caterine precisava ir embora. Ser enterrada de vez.

Aguentei o julgamento de meu pai, minha madrasta e, principalmente, Amanda. Ela era a pior, me chamava de assassina, dizia que eu deveria ter tomado mais cuidado se não quisesse engravidar. Barbáries que jogou em cima de mim como se eu merecesse tudo o que passei. Quando foi demais, voltei para Nova Iorque.

Passei muito tempo apagando a antiga Caterine. Ou assim pensei.

Meus cabelos castanhos e longos foram transformados em curtos e platinados. As saias que eu ficava horas passando para que ficassem perfeitas, sendo guardada por ordem de cor em combinação com as camisas e sapatos, deram espaço aos jeans, camisetas, minissaias e tênis Converse. Claro que eu ainda me vestia de forma sofisticada quando precisava, especialmente quando estava auxiliando o Professor Stevenson na universidade ou saindo em lugares que pedissem, mas, no geral, eu me acostumei com jeans e camisetas.

Meu exame BAR, aquele que devemos fazer quando terminamos a Escola de Direito, foi propositalmente ignorado por mim, decepcionando meu pai, meus professores e, bem, a mim. Tudo o que eu sempre quis foi ser uma advogada criminalista e de repente eu estava largando o meu sonho. Havia uma parte de mim que não conseguia seguir adiante, parecia que aquele sonho era da Caterine antiga e não da nova. Fiz parecer fácil desistir de advogar, mas no fundo, em lugar bem escondido, eu estava simplesmente soterrando meus sentimentos. Passeios com cães e tutoria de alunos pareciam combinar mais com a nova Caterine construída. Eu estava sendo imatura e lidando de forma errada com tudo aquilo.

Precisou de um certo Promotor para me fazer enxergar que a nova Caterine não precisava desistir da sua profissão, das coisas que gostava e principalmente do amor.

 Sem nenhum aviso prévio, Alexander aconteceu. Deus! Ainda consigo me lembrar de como ele me deixou sem fôlego naquele clube. Seu cabelo sedoso e bagunçado. Seu porte masculino, assim como seu queixo quadrado e sua atitude mal-humorada me fizeram cair aos seus pés imediatamente. Mas ele estava todo sobre Diane e sequer notou a minha presença, achei melhor dançar do que sentir inveja dela.  Mas Di não queria Alexander. E por isso sempre vou agradecer a ela.

— Carter, ugh... é Carter, né? — Assenti sem entender o que ela queria ao me abordar na pista de dança com o acompanhante que eu queria que fosse meu. — Mary está chamando para o parabéns. — Assenti novamente e roubei uma olhada para Alex, ele era impressionante. Lindo!

E estava muito tenso. Seus olhos dançavam freneticamente de um lado para o outro, olhando para cada pessoa que dançava na pequena pista de dança que o bar oferecia. Quase ri da sua postura. Diane olhou para ele e revirou os olhos, talvez percebendo o mesmo que eu. Tenso demais. Aproximando-se mais de mim, fez concha em minha orelha e começou a gritar em meu ouvido.

— Você sabe como eu adoro a Mary. — Assenti, mas na verdade não sabia de nada daquilo. Sequer conhecia Diane, há muito tempo não via Mary pessoalmente, muito menos seus amigos. Só porque havíamos tomado alguns drinks no início da festa não significava que nos conhecíamos, mas, novamente, assenti de qualquer forma. — Ela me apresentou o cunhado dela, e ele é lindo e tudo, mas não quero ficar com ele. — Olhei para trás e notei que ele virava mais uma dose de tequila, sorri para ele que me olhou franzindo o cenho como se não estivesse compreendendo o que estava acontecendo. Voltei a minha atenção para Diane e dei de ombros. Tanto fazia.  — Estou de saída com Zander, então você pode dizer a Mary que tive que ir? — Ela pensava que eu era sua assistente ou algo assim? Que folgada. Não externei o meu pensamento e silenciosamente concordei. — Obrigada! Te devo uma! Pode... distrair o senhor engomadinho ali?

Antes que eu pudesse responder ela foi até ele e apontou em direção ao banheiro.

Aproximei-me de Alex e comecei a dançar na sua frente, ele olhou para os lados e depois me analisou. Ele tentou não fazer. Tentou não deixar seus olhos fugirem para meus seios e o resto do meu corpo. Ganhava mais um ponto comigo por tentar ser um homem decente. Fiz um gesto com as mãos para que ele dançasse, mas sua negativa foi imediata. Mas enquanto ele aguardava continuei convidando, insistindo para que se juntasse a mim.

Cheguei perto dele para falar em seu ouvido e senti o cheiro do seu perfume. Era delicioso, coloquei a mão em seu pescoço para que alcançasse seu ouvido e abri o jogo.

— Diane acaba de fugir com outro cara. — Ele ficou tenso, mas não se afastou. — Você pode ficar emburrado o resto da noite ou pode beber e dançar comigo.

Quando voltei a olhar para ele, Alex parecia decidido a ficar com a segunda opção. Talvez pela raiva da rejeição, mas não me importei, quando fui a primeira opção de alguém a experiência não foi boa. Muito menos saudável. Contos de fadas não existiam e se eu estava atraída por aquele homem, não via problema em ser a segunda opção se ele me quisesse.

Ele pegou mais uma dose de tequila e pediu para o garçom volante continuar trazendo bebida para nós.

Não muito tempo depois, estávamos bêbados e roçando um no outro enquanto dançávamos. O “parabéns a você” de Mary Anne foi esquecido e Alex estava pronto para ficar comigo.

— Vou devorar você. — Sua voz era arrastada e relaxada, diferente do mauricinho tenso que havia entrado no bar horas antes.

— Eu espero que sim, cowboy — respondi olhando em seus olhos pesados, embriagados e luxuriosos. Segundos se passaram antes que ele atacasse a minha boca com a sua.

Eu sabia que nunca mais seria a mesma. Mesmo que eu lutasse até o fim contra aquele sentimento. Sabia que estaria perdidamente apaixonada por ele, e um pânico se instalou em mim assim que percebi. A semana que passei com ele foi a melhor que tive em minha vida. Me senti desejada e querida, mas estava disposta a nunca mais vê-lo quando a neve desse trégua e eu finalmente fosse embora. Queria manter aquele momento em minha mente sem nada para estragar. E dizer adeus não era uma opção. Não queria estragar o que tivemos colocando uma pedra em cima, porém, também sabia que não daríamos continuidade ao nosso caso.

Felizmente, eu estava errada.

Alexander conseguiu destruir cada parede que eu havia cuidadosamente construído em torno de mim. Seu jeito bobo de ser, pensamentos externados sem o seu consentimento, sua atenção, o toque delicado, beijos apaixonados, sua preocupação e, principalmente, o fato de saber, entender e não condenar minhas ações do passado me fizeram ceder.

Ceder e me apaixonar perdidamente por ele.

Deus! Como eu amo aquele homem.

Sim, eu era uma pessoa quebrada. Havia uma parte de mim que sempre seria, porém, eu tinha a minha supercola.

Alexander.

E nós teríamos o nosso Simon.

A vida havia me perdoado e me dado a chance de ter uma família, no tempo que eu queria e do jeito que eu queria, sem ser forçada a isso. E eu, embora tivesse fugido no começo, estava pronta para agarrar a oportunidade e nunca mais soltar. Minha chance de ser feliz para sempre já estava acontecendo. E dentro de mim só crescia amor, força e esperança.

**

Alexander, como pai, conseguia ser mais bobo do que já era, com nosso Simon dentro de mim ele ultrapassava a barreira do ridículo. Conversava com minha barriga enquanto pensava que eu dormia, e se estava dormindo, ele me acordava, o tom de sua voz era sempre alto para se certificar de que o bebê ouvisse.  

“Papai vai lhe dar um carro aos dezesseis.”

“Você fará faculdade do que quiser, mas se eu puder opinar, gostaria que fizesse direito. Já pensou que ‘super’ uma família inteira com a mesma profissão, filho?”

“Você pode maneirar com a mamãe? Ela tem vomitado muito, amigão.”

Tudo bem, tudo bem! Era fofo.

Mas eu não conseguia evitar ficar brava quando ele me acordava no meio da madrugada. A menos que fosse para transar.

Deus!

Ele pensava que era apenas por causa da gravidez. Bem era a gravidez, mas Alexander realmente não tinha a mínima noção do que fazia ao meu corpo. É como se ele apenas funcionasse para o toque dele. Incrível!

Nossos corpos respondiam um ao outro, nossas peles combinavam e, Cristo, seus beijos nasceram para serem meus. Sua boca foi construída como um encaixe de quebra-cabeças, e servia para os meus lábios. Apenas os meus lábios.

 Dois anos e eu não tinha o suficiente dele. Nem do sexo, nem do carinho e muito menos do seu amor.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo